Gradualmente descambando para morte total, todas estruturas se decompondo.
Isso é como chover no molhado.
Quando alguém é declarado morto, seu corpo continua orgânico.
O que é essa morte orgânica e essa morte total? Os organismos tem duas vidas? É isso?
Micrômegas, eu acho que você está usando um argumento tipo "Deus das lacunas".
E o Deus das lacunas é o deus que está sempre de prontidão para ser a explicação quando e onde houver uma lacuna de conhecimento. Mas toda vez que essa lacuna é preenchida pela Ciência, o Deus se retira para uma trincheira mais afastada, alguma outra lacuna.
O Deus das lacunas está sempre batendo em retirada, mas Ele jamais será vencido, pois sempre haverá alguma lacuna para a qual possa ser evocado.
É fato que hoje ninguém pode afirmar categoricamente que sabe como se dá o fenômeno da consciência. Ninguém pode dizer nem exatamente o que é consciência. Mas esse "ninguém" também inclui a você.
Você não sabe tanto quanto eu não sei, mas está se valendo dessa lacuna para sugerir que a consciência é uma faculdade da alma ou espírito. Uma crença tão embasada quanto foi a crença em Thor como a origem dos trovões. Ora, se eu posso ainda dizer como o cérebro se torna consciente, mesmo já conhecendo toda a estreita relação entre as funções cognitivas e as correspondentes atividades neurológicas, muito menos você poderia dizer como um espírito se tornaria consciente.
E espírito é uma construção de fé, o cérebro não. Quem suspeita que o cérebro é a origem da consciência o faz com base em muitos mais indícios do que quem afirma que a alma produz a mente. Porque diferentemente do cérebro, sequer há prova que almas existem.
Eu faço a seguinte reflexão sobre o problema da consciência:
O nosso cérebro é só um pouquinho mais sofisticado que o de um chimpanzé. Mas tem as mesmas estruturas e nós temos muito mais em comum com este nosso primo do que muitos gostariam de aceitar. No entanto há uma gigantesca distância entre a inteligência de um homem e a desse macaco.
Nós podemos conceber e lidar com muitos conceitos que estão completamente fora de alcance da mente de um macaco. Um macaco poderia aprender Cálculo Diferencial e Integral?
Tudo bem, tem muito estudante de engenharia que também não aprende. Mas a mente dele pode ao menos saber que estas ideias existem, pode refletir sobre elas, pode perceber que não as compreendeu.
Um chimpanzé não pode sequer pensar sobre isso. Mesmo que o animal aprenda a linguagem dos sinais, não será possível ensinar Cálculo porque ele não é capaz nem de pensar sobre tal coisa, está absolutamente além do escopo daquilo que pode ser apreendido pela mente de um macaco.
Porém o nosso próprio cérebro não é tão diferente assim do dele. E claro, você consegue ver aonde está a fronteira da limitação cognitiva de um macaco porque a sua mente abarca um universo bem mais amplo, complexo e sofisticado que o dele. Mas o próprio macaco não pode ter consciência da sua limitação: ele desconhece aquilo que a mente dele não tem capacidade para conhecer.
No entanto podemos ao menos imaginar algum ser que estivesse para nós assim como nós estamos para o macaco. Este ser ainda não existiu nesse planeta, mas nós podemos imaginar sua existência, porque evidentemente o cérebro humano não deverá ser o ápice intransponível das ferramentas cognitivas que a natureza deva ser capaz de gerar. Uma vez que essa ferramenta que tanto nos orgulha, é só um pouquinho diferente daquela que equipa o chimpanzé.
Então este ser hipotético, tão mais inteligente que nós quanto somos mais inteligentes que o macaco,
provavelmente poderia também enxergar a fronteira da nossa capacidade cognitiva. Talvez ele seja capaz
de lidar com ideias e conceitos que não poderiam nem ser expressados para um ser humano.
Imaginar um ser assim, este simples experimento mental, nos faz indagar: será que nós temos capacidade para compreender todos os aspectos da realidade?
Sabemos que um chimpanzé não tem. Um chimpanzé jamais vai resolver o problema da consciência porque o bicho sequer vai um dia vai entender Cinemática.
Bom, não é uma conjectura que agrade ao nosso ego, mas pode muito bem ser possível que existam aspectos da realidade inatingíveis para a inteligência humana. Talvez a nossa própria consciência seja um destes aspectos.
Um outro problema que pelo menos pra mim é inatingível é como é possível que exista algo em vez de nada existir. Físicos hoje acreditam ter provas de que uma flutuação quântica poderia ter criado nosso universo, mas isso ainda não responde a questão. Afinal, por que existem flutuações quânticas?!
Se alguém me disser que estes fenômenos sempre existiram, ou que existem fora do tempo, é incompreensível do mesmo modo. Porque entender que algo sempre existiu é como entender que algo surgiu do nada. Sem causa. Eu simplesmente não posso compreender, mas isso é uma limitação da minha mente humana, que só é capaz de conceber eventos ocorrendo numa dinâmica de causa e efeito. Mas parece que a realidade não é tão limitada quanto a minha inteligência, e tem possibilidades que estão além de minhas possibilidades de compreensão.
E não adianta querer usar isto como evidência de um Criador porque nem a minha mente e nem a sua podem conceber um Ser Criador surgindo do nada, sem causa. E um Criador que sempre existiu, incriado, ou existindo fora do tempo, é tão incompreensível quanto flutuações quânticas que existem como fenômenos não causados, fora do tempo.
Eu conjecturo que uma resposta definitiva para a pergunta "de onde viemos" nunca poderá ser dada. Porque mesmo que essa resposta seja possível a evolução não deu a nossa espécie a ferramenta para compreendê-la.
Mas considero também um outra possibilidade: antes do século 19 não se tem registro que algum ser humano tenha conjecturado que espaço e tempo poderiam ser grandezas não absolutas.
Em outras palavras, antes do final do século 19, nenhum ser humano pensou ou poderia ter pensado em alguma coisa parecida com a Teoria da Relatividade. A Física moderna não poderia ter surgido antes da Física clássica porque foi através da Clássica que se pôde estudar a eletricidade e o magnetismo, e depois, o eletromagnetismo. Sem a Física Clássica, e tudo que veio depois, Maxwel não teria estabelecido suas importantes equações, e sem estas equações seria impossível perceber discrepâncias entre estas e o modelo conceitual da Física Clássica.
A Ciência não consegue pular etapas, é preciso subir um degrau para alcançar o próximo. Quando algumas peças chaves do quebra-cabeças ainda estão faltando é impossível visualizar a figura.
É possível, ao menos, imaginar que algumas peças chave para entender o enigma da consciência ainda sejam desconhecidas. E se for o caso, a consciência pode ser um problema ainda tão fora do alcance para nós quanto a Teoria da Relatividade ou a Mecânica Quântica estava fora de alcance dos homens do séc. 17.
Mesmo para gênios como Isaac Newton.
Mas talvez não. Se nós podemos pensar sobre estes problemas, então talvez isso signifique que eles não estão fora de alcance. Newton não poderia pensar na ideia de massas deformando a estrutura do espaço-tempo, por isso a Relatividade estaria para ele fora de alcance.