A necessidade do curso específico de jornalismo
Sem dúvida, a universidade é um símbolo histórico da evolução da humanidade. Foi através dela que a ciência se desenvolveu, ganhou força e passou a ser um meio inquestionável para promover melhorias à sociedade. Em nosso caso particular, é certo que o curso superior em jornalismo fomenta a pesquisa científica específica na área. Ela existe para que sejam analisados práticas e vícios que impedem a boa comunicação. Vejam como exemplo a hipótese do " Agenda Setting" e a hipótese do " Newsmaking" .
Para que fique mais claro, oferecemos uma pequena exposição desses conhecimentos específicos de comunicação. Tomamos como fonte a clara exposição feita pelo professor Antônio Hohlfeldt, doutor em Comunicação da PUC do Rio Grande do Sul, no livro Teorias da Comunicação: conceitos, escolas e tendências. Iniciemos pela hipótese do " Agenda Setting" . Este estudo analisa vários pressupostos:
a) O fluxo contínuo de informação: a avalanche informacional que nos leva ao processo de entropia.
b) A influência sobre o receptor não no curto prazo, mas sim a médio e longo prazos. O que resulta em aquilatar, com maior precisão, os efeitos provocados pelos meios de comunicação.
c) A capacidade dos medias de influenciar o público, a médio e longo prazo, não no como pensar sobre determinado assunto, mas sobre o quê pensar.
" Ou seja, dependendo dos assuntos que venham a ser abordados – agendados – pela mídia, o público termina, a médio e longo prazos, por incluí-los igualmente em suas preocupações. Assim, a agenda de mídia de fato passa a se constituir também na agenda individual e mesmo na agenda social" , analisa Hohlfeldt (6).
Certamente, tais conhecimentos são muito úteis para um editor ou um repórter analisar, de forma crítica e fundamentada, como anda a cobertura jornalística do veículo em que atua sobre diversos assuntos. A importância aumenta se lembrarmos de pautas como eleições, política em geral e economia.
Outro estudo específico aplicado diretamente sobre a atuação do jornalista, do qual repórteres e editores deveriam ter total conhecimento, é a hipótese do Newsmaking. Vejamos o conceito definido por Hohlfeldt sobre tal pesquisa.
" A hipótese do Newsmaking dá especial ênfase à produção de informações, ou melhor, à potencial transformação dos acontecimentos cotidianos em notícia. Deste modo, é especialmente sobre o emissor – no caso o profissional da informação, visto enquanto intermediário entre acontecimento e sua narratividade, que é notícia – que está centrada a atenção destes estudos, que incluem sobremodo o relacionamento entre fontes primeiras e jornalistas, bem como as diferentes etapas da produção informacional, seja ao nível da captação da informação, seja em seu tratamento e edição e, enfim, em sua distribuição" . (6)
Tais estudos sobre a comunicação – sobre as coberturas jornalísticas e a atuação do jornalista profissional – demonstram apenas uma fagulha da importância de um curso específico obrigatório, que estimula aos profissionais da área a uma análise contínua e específica de seu exercício profissional durante toda a vida.
Além das pesquisas aqui apresentadas, se soma ainda a perspectiva da hipótese da Espiral do Silêncio, dos estudos da Semiótica e diversos outros aplicados sobre a produção dos meios de comunicação. Sem essa base específica, eleva-se o perigo acrítico com a nossa produção diária nos mídias, incorrendo em vícios e práticas imperceptíveis a profissionais não especializados. O que, por si só, já impede uma produção ética e equilibrada.
Notem ainda que todas as pesquisas aqui apresentadas são reconhecidas como hipóteses e não em teorias, sem prejuízo algum. Muito pelo contrário. Isso porque as teorias apresentam paradigmas fechados, acabados e rígidos, o que é muito frágil para as ciências humanas e sociais, que certamente não são exatas. Assim, a concepção de hipótese se encaixa melhor porque representam sistemas abertos e inacabados, admitindo, portanto, o desenvolvimento contínuo, sem invalidar sua perspectiva teórica.
Outros exemplos simples e particulares que mostram a importância e, sim, a necessidade do estudo obrigatório na área de jornalismo são os estudos específicos desenvolvidos pelos jornalistas em nossos cursos de mestrado e doutorado. Pegamos como exemplo a pesquisa desenvolvida pelo jornalista Leão Serva, em sua dissertação de mestrado, que se transformou no livro Jornalismo e Desinformação, que detectou vícios e erros contínuos na produção jornalística. Atentamo-nos na seguinte crítica:
" O jornalismo veste como novos muitos fatos que em verdade não o são. Esse foco exclusivo nos fatos novos se deve, de acordo com a lógica do meio, à convicção de que a curiosidade do leitor se dá por novidades, não por textos que descrevem o desenvolvimento de notícias publicadas nos dias anteriores. Procurando apresentar apenas novidades, o jornalismo acentua ou mesmo amplia o desconhecimento do fato noticiado. Ele deve apresentar a notícia como absolutamente inusitada, deve fazer com que o mesmo leitor informado sinta desconhecer o fato descrito, se surpreenda com ele, ainda quando tudo poderia ser previsto com base nas informações anteriores. Fatos paradigmáticos do passado devem ser esquecidos, o acompanhamento do desenrolar de uma história é descontinuado para que o seu desfecho seja novamente tão surpreendente quanto o fato gerador" . (7)
Esse tipo de análise só se tornou possível através de um jornalista profissional que trabalhou durante anos em um jornal e, depois, voltou à universidade para analisar o seu próprio ofício e desvendar os erros cometidos dentro de uma pós-graduação específica em comunicação. Algo que certamente não seria possível se Leão Serva acreditasse que o jornalismo apenas " se aprende na prática" .
Isso demonstra que o jornalismo não pode ser reduzido à mera técnica de apuração, redação e edição de notícias. Ou seja, não pode ser simplificado ao mecanismo de construção do lead. A simples aprendizagem da técnica não desenvolve no profissional o que a real pesquisa científica sobre o jornalismo é capaz de suscitar.
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=388DAC002