Com fim da obrigatoriedade do diploma, cursos de jornalismo devem sofrer adaptaçõesMesmo com o fim da obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão, professores apostam que a medida não deve diminuir a procura pelo curso de graduação. Por outro lado, universidades já planejam adaptações para tornar a carreira mais diversificada e competitiva no mercado.
Na Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), uma comissão estuda mudanças no currículo com o objetivo de estabelecer um vínculo maior entre as matérias humanísticas, como sociologia e antropologia, e as técnicas da área de jornalismo. Além disso, a instituição pretende incluir matérias optativas e de jornalismo especializado. “O curso fica engessado com matérias obrigatórias. Com as optativas, o aluno traça o seu próprio percurso”, considera o professor Pedro Celso Campos.
Mesmo se aprovadas pelo conselho da UNESP, as mudanças só devem entrar em vigor a partir de 2011.
Para Campos, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pode impactar faculdades que só trabalham em função de dar ao aluno um diploma. “O que conta é a qualidade do ensino. O mercado precisa de gente com boa formação ética, que sabe apurar e editar”, afirma ele, completando que quatro anos é o “tempo mínimo” para a formação de um jornalista. “É uma área generalista, em que só uma pós não é suficiente. Por isso, acho que se a escola souber divulgar bem os diferenciais que tem deve atrair até mais alunos que antes”, acrescenta.
Cursos mais atuaisOutro ponto de preocupação das instituições é em tornar os seus cursos mais atuais, contemplando as novas tecnologias e não somente as mídias impressas. Isso é o que o coordenador do curso de jornalismo da Universidade Metodista, Rodolfo Martino, em São Paulo, diz que o novo currículo procura fazer: formar profissionais multimídia. “O aluno trabalha em uma redação integrada de impresso, TV, rádio e online”, afirma.
Apesar de “todo o barulho”, ele acredita que não deve haver grandes mudanças e, quem quiser ser jornalista, deve optar pelo curso de quatro anos. Porém, a universidade já pensa em como atender diplomados em outros cursos que queiram ingressar no jornalismo. A intenção é criar já para 2010 um curso de pós-graduação Lato Sensu para aprimoramento destes profissionais.
O mesmo acontece com a Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, que pretende abrir um curso de graduação tecnológica de dois anos para quem quiser aprender técnicas de jornalismo. Além disso, estuda a ampliação dos cursos de pós-graduação na área de comunicação. “Imagino que aquele garoto de 18 anos que acha que sua vocação é jornalismo deve fazer a faculdade porque o curso não é só técnica, é reflexão”, diz Hugo Santos, diretor de comunicação e artes do Centro de Ensino Superior da Estácio.
David Renault, coordenador do curso de jornalismo na Universidade de Brasília, explica que cerca de 1/3 das disciplinas são comuns a todas as áreas da comunicação, 1/3 específicas para jornalismo e, o restante, optativas. “Não acredito que vai haver mudança porque hoje o mercado já se auto-regula. Todos os anos temos vários formandos e há uma seleção natural dos melhores”, diz.
Horas a mais nos livrosAo contrário do que possa parecer, o fim do diploma não vai implicar em folga aos estudantes. Aqueles que quiserem passar por uma universidade terão que estudar mais. Pelo menos isso é o que propõe uma comissão de Especialistas em Jornalismo, que estuda mudanças nas diretrizes curriculares e sugere o aumento das atuais 2.700 horas para 3.200 horas. Além disso, a comissão quer também 200 horas obrigatórias de estágio, sejam elas na própria instituição de ensino ou em redações.
Segundo o professor Alfredo Eurico Vizeu, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), as mudanças já estavam em estudo, mas a queda do diploma veio para confirmá-las. “Temos que fortalecer o profissional”, diz. As alterações não devem ser imediatas. O processo de mudança deve demorar pelo menos dois anos, conforme Vizeu.
Vagas em jornalismoOs professores afirmam que ainda é cedo para avaliar o impacto da queda do diploma na procura pelo curso. Isso só será possível no próximo vestibular, no final do ano. No entanto, eles consideram que, assim como o curso de publicidade e propaganda - que não exige diploma para atuar na área - mantém-se como um dos cursos mais procurados, o mesmo deve acontecer com jornalismo.
No último vestibular da Fuvest, por exemplo, o curso de publicidade ficou entre os mais concorridos, com 40,66 candidatos/vaga. À frente até mesmo de jornalismo, que teve 36,03 candidatos/vaga.
Na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, o coordenador do departamento de jornalismo, Hamilton Octávio de Souza, explica que jornalismo é o terceiro curso mais procurado da instituição. “Só perde para Medicina e Relações Internacionais, ultrapassa até o de Direito”, afirma ele, que não acredita na diminuição dos candidatos.
Falta de regulamentaçãoA decisão do STF contra a obrigatoriedade do diploma, que tem provocado fúria nos estudantes de jornalismo, não encontra unanimidade nem mesmo entre especialistas da área. José Coelho Sobrinho, coordenador da comissão de graduação da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que o ministro e presidente do STF, Gilmar Mendes, foi “muito infeliz” e demonstrou “ignorância” sobre a história do jornalismo. “Não é como ele diz que a profissão não oferece perigo às pessoas. Oferece um perigo a toda a sociedade. Sempre tivemos jornalistas por trás de alguma guerra”, afirma, acrescentando que o profissional não precisa ter só técnica. “O conteúdo ético é tão ou mais complexo que de um advogado”, diz.
Sobrinho afirma ainda que, com a proliferação de blogs e sites, hoje qualquer pessoa pode colocar uma notícia no ar, mas o que conta é a credibilidade do veículo. “Aquela assinatura que vai ser importante”, avalia.
Segundo ele, na USP não há nenhuma discussão sobre possíveis mudanças curriculares ou criação de novos cursos de pós-graduação e mestrado. O professor diz temer que o jornalismo volte a ser “um bico”. “Logo será como telemarketing, que quando apareceu as pessoas tinham que ter um determinado nível e, quando foi se popularizando, foi diminuindo”, afirma.
A diretora da Escola de Comunicação (ECO) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EFRJ), Ivana Bentes, que se diz “a favor da formação, mas contra a exigência do diploma”, afirma que a decisão do Supremo veio “tarde”. “O que é exigido de apurar e escrever é exigido em todos os cursos de comunicação. Isso é a base. Não há exigência de diploma para Publicidade, Cinema, por que a excepcionalidade para Jornalismo. O que justificaria?”, critica.
Para ela, este é um bom momento para os cursos se “oxigenarem”. “É a crise do campo como um todo. O profissional tem que se reinventar”, considera.
No entender de Souza, da PUC, a desobrigação de um diploma não é o principal problema que a decisão trouxe, mas sim, a falta de regulamentação da profissão. “O que será preciso agora para ser jornalista? Ter nível médio? Superior? Vai ser exigido comprovar prática para se registrar?”, argumenta, torcendo para que essas repostas sejam logo respondidas.
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