Dando continuidade às refutações de excertos do
link indicado pelo forista Sodré, o presente ensaio analisa a interpretação criacionista sobre a origem da camadas sedimentares em um afloramento à beira da estrada no município de Floriano, no estado do Piauí, cuja autoria é de Moisés Cavalcanti Bezerril.
O texto original está abaixo transcrito, acompanhado de 6 fotos. O texto sofreu pequenas correções de forma e as fotos ganharam legendas (por Geotecton):
O MISTÉRIO DAS CAMADAS SEDIMENTARES: A ESTRATIGRAFIA EM PEQUENA ESCALA NUMA PRAIA DO PIAUÍ
Parnaíba, Piauí - 330 km de Teresina
Você já deve ter visto uma amostra das camadas de rochas sedimentares que existem por toda parte, em todos os continentes. Essa formação geológica é muito comum nos sertões de Pernambuco, Paraíba, Bahia, e aqui no Piauí. Veja um exemplo do que estou ensinando:
Nesses paredões a 40 km da cidade de Floriano - Pi, você pode observar camadas de vários tipos de sedimentos. Há material aí que foi consolidado em rocha sedimentar, bem como a argila solta (barro vermelho, roxo, branco). Também há seixos de todo tipo de rocha. Como foi formada essa montanha de sedimentos estratigraficamente depositados?
(Fotos 1 e 2; que foram colocadas no item "Citações e comentários trecho-a-trecho")
O que diz a lenda: Cada camada dessa foi colocada uma sobre a outra com intervalos de milhões de anos, até que os sedimentos se tornassem rochas. Esse material foi trazido por águas e por ventos durante um processo que durou milhões de anos.
O que diz o catastrofismo criacionista: Essas camadas foram depositadas rapidamente por grande força hidráulica em poucos dias; as camadas que foram trazidas por águas saturadas de sílica se transformaram em rocha sedimentar. Aquelas que não tiveram contato com água silicada permaneceram como foram apanhadas, como argila, e outras areias. Tudo isto durante o ano do Dilúvio de Noé.
Esse material não pode ter 300 milhões de anos pelas seguintes razões: 1) Essas camadas sobrepostas ainda acontecem hoje na natureza em pequena escala, e a forma estratigráfica só acontece de maneira uniforme porque são depositadas uma depois da outra num único processo, sem intervalos. Vejamos uma pequena escala na praia de Parnaíba:
(Fotos 3, 4, 5 e 6; que foram colocadas no item "Citações e comentários trecho-a-trecho")
Essa mini estratigrafia corresponde exatamente ao que aconteceu em grande escala no ano do Dilúvio de Noé, sendo que nessa foi ação do vento, enquanto que a de Noé foi a ação da água. Camada após camada são superpostas intermitentemente por água. Se a lenda evolucionista estivesse certa, no intervalo de cada camada haveria muita erosão provocada pelo vento, chuva, elementos químicos, intemperismo. O resultado seria que não haveria nunca uma série de camadas superpostas de forma homogênea porque antes que fosse depositada a de cima, a de baixo já teria sido erodida. Portanto é necessário que a deposição seja rápida para que a estratigrafia seja uniforme, como mostra esse pequeno exemplo na areia;
2) O método de medição radiométrico não se aplica a rochas sedimentares, e sim a rochas ígneas. Isso significa que datar estratigrafia sedimentar é apenas uma tradição científica, e não resultado científico.
Citações e comentários trecho-a-trecho:Você já deve ter visto uma amostra das camadas de rochas sedimentares que existem por toda parte, em todos os continentes. Essa formação geológica é muito comum nos sertões de Pernambuco, Paraíba, Bahia, e aqui no Piauí. Veja um exemplo do que estou ensinando:
De fato existem rochas sedimentares por todos os continentes.
Nesses paredões a 40 km da cidade de Floriano - Pi, você pode observar camadas de vários tipos de sedimentos.
Foto 1. Afloramento de rochas areníticas, provavelmente da Formação Poti.
Foto 2. Detalhe da foto anterior. As camadas areníticas possuem espessura da ordem de 10 cm.
Questões em aberto.
Quais são as coordenadas geográficas do afloramento?
Onde está a orientação das fotos?
Quais são os tipos de sedimentos e estruturas observáveis no afloramento?
Há material aí que foi consolidado em rocha sedimentar, bem como a argila solta (barro vermelho, roxo, branco). Também há seixos de todo tipo de rocha.
Pode-se observar camadas de rochas, tanto na foto 1 como na 2. Provavelmente são arenitos com matriz argilosa.
Os seixos, se existirem, não estão discerníveis na foto 2.
Como foi formada essa montanha de sedimentos estratigraficamente depositados?
Onde está a “montanha”?
Qual o significado geológico para a expressão “estratigraficamente depositados”?
O que diz a lenda: Cada camada dessa foi colocada uma sobre a outra com intervalos de milhões de anos, até que os sedimentos se tornassem rochas.
Para se afirmar algo sobre o tempo de deposição de cada camada, se deve conhecer os ambientes tectônico e deposicional. O intervalo de “milhões de anos” geralmente é aplicado para a deposição e litificação de formações inteiras e não para camadas individuais.
O que diz o catastrofismo criacionista Essas camadas foram depositadas rapidamente por grande força hidráulica em poucos dias;
Quais são as evidências de que a deposição foi rápida?
Quais são as evidências de que isto tenha ocorrido sob “grande força hidráulica”?
A propósito. O que é “grande força hidráulica”?
O que diz o catastrofismo criacionista: as camadas que foram trazidas por águas saturadas de sílica se transformaram em rocha sedimentar.
As camadas já vieram formadas e foram apenas transportadas pelas águas? Como?
E elas se transformaram em rochas por causa da sílica dissolvida na água?
Aqui há um erro de estruturação na frase, pois do contrário, a afirmação sugere que “águas saturadas em sílica” é que promoveram a transformação dos sedimentos em “rochas sedimentares”. E isto é absurdo. As rochas em tela são predominantemente arenitos, e que se formaram pela deposição física de fragmentos clásticos trabalhados de areia quartzosa e não como sedimentação química de sílica coloidal.
A
composição química do mar se mantém inalterada ou com pequeníssimas variações pelo menos desde o início do Proterozóico superior, de tal modo que a sílica é apenas o décimo terceiro elemento em volume, muito distante do necessário para “silicificar as rochas sedimentares da Terra”.
É claro que há casos de silicificação de sedimentos por meio de sílica dissolvida em água. No entanto as pesquisas indicam que estes casos ocorrem apenas pontualmente na superfície terrestre, estando geralmente associadas às águas de percolação.
Um caso bem conhecido de aporte de sílica por percolação é o do
Parque da Floresta Petrificada, no estado do Arizona (EUA).
O que diz o catastrofismo criacionista: Aquelas que não tiveram contato com água silicada permaneceram como foram apanhadas, como argila, e outras areias.
Então o material desagregado (solto) é remanescente do “dilúvio bíblico” que não teve contato com a “água silicada” (sic)?
Mas como pode ter ocorrido isto, visto que na especulação “criacionista diluviana” toda a superfície do planeta foi coberta por água? Onde estaria este material para não ter entrado em contato com a água? Dentro da arca de Noé? Flutuando no ar, sustentado por 'anjos'?
O que diz o catastrofismo criacionista: Tudo isto durante o ano do Dilúvio de Noé.
Agora está tudo explicado satisfatoriamente.
Esse material não pode ter 300 milhões de anos pelas seguintes razões:
A menção da idade sugere uma possível consulta bibliográfica sobre as rochas discutidas pelo autor do ensaio, senhor Moisés Cavalcanti Bezerril. O que já é uma “evolução”.
1) Essas camadas sobrepostas ainda acontecem hoje na natureza em pequena escala,
Conclusão duplamente errada.
Primeiro. O fato de hoje ainda ocorrer sedimentação não é indicativa, de maneira nenhuma, de que as rochas em tela não tenham a idade de 300 milhões de anos.
Segundo. A sedimentação que hoje ocorre não é de pequena escala. É da ordem de bilhões de toneladas por ano.
Para se ter idéia, basta pegar o caso do rio Amazonas, conforme o texto abaixo descrito:
Uma camada de 20 quilômetros de espessura de sedimentos, carregados pelo Rio e depositados no Leque Submarino do Amazonas resulta em um processo que, a partir de 200 metros de profundidade, dá a impressão que houve a elevação do nível do mar. Na verdade, é o peso do sedimento na parte submarina. Fato que provoca o afundamento da crosta terrestre e também do continente, na região costeira do Amapá. Nós vemos esta grande erosão como se fosse a subida do nível do mar, e não é isso" (Alberto Figueiredo, geólogo marinho e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Fonte.
e a forma estratigráfica só acontece de maneira uniforme porque são depositadas uma depois da outra num único processo, sem intervalos.
Conclusão errada. A maneira aparentemente uniforme não tem, necessariamente, relação direta com uma deposição realizada em um só ciclo. Esta conclusão seria válida, parcialmente, para ambientes lacustrinos, onde há pouco fluxo subaquoso turbulento. E este não é o caso das rochas em tela.
Para se afirmar que toda a sedimentação ocorreu de uma só vez, tem de se verificar se não há nenhuma evidência de diastema (interrupção temporária da sedimentação) ou de erosão.
Vejamos uma pequena escala na praia de Parnaíba. Essa mini estratigrafia corresponde exatamente ao que aconteceu em grande escala no ano do Dilúvio de Noé, sendo que nessa foi ação do vento, enquanto que a de Noé foi a ação da água.
Foto 3. Estratificação plano-paralela.
Foto 4. Detalhe de estratificação plano-paralela com camadas milimétricas alternando areia e minerais máficos, provavelmente ilmenita.
Foto 5. Deslizamento de sedimento arenoso em duna litorânea em decorrência do vento.
Foto 6. Detalhe de estratificação plano-paralela com camadas milimétricas de areia.
O processo de transporte e deposição de sedimentos efetuados pelo vento tem em comum com o processo efetuado pela água somente o fato de que ambos (vento e água) são meios fluídos. As demais condições são completamente distintas.
Camada após camada são superpostas intermitentemente por água.
Esta frase contradiz tudo o que foi escrito anteriormente, pois intermitência significa 'descontinuidade' e 'existência de intervalos'.
Seria um momento de “iluminação geológica” por parte do autor?
Se a lenda evolucionista estivesse certa, no intervalo de cada camada haveria muita erosão provocada pelo vento, chuva, elementos químicos, intemperismo.
Não precisa haver, necessariamente, algum tipo de erosão entre um ciclo deposicional e outro. Pode haver uma simples interrupção da deposição sem remoção do material depositado (diastema).
A erosão pode ser predominantemente física ou química, geralmente associada a um (ou mais) tipo de intemperismo.
O resultado seria que não haveria nunca uma série de camadas superpostas de forma homogênea porque antes que fosse depositada a de cima, a de baixo já teria sido erodida.
Conclusão errada, pelos motivos já expostos anteriormente.
Portanto é necessário que a deposição seja rápida para que a estratigrafia seja uniforme, como mostra esse pequeno exemplo na areia.
Não, não é necessário que a deposição seja rápida, embora ela possa assim acontecer. E o uso da palavra “rápida” na Geologia é bem diferente do significado adotado no “modelo criacionista”.
2) O método de medição radiométrico não se aplica a rochas sedimentares, e sim a rochas ígneas. Isso significa que datar estratigrafia sedimentar é apenas uma tradição científica, e não resultado científico.
Texto em que não há correlação alguma com o tema original, pois não está se discutindo datações radiométricas. E ainda assim, o autor novamente apresenta uma conclusão errada. Pois confunde 'dificuldade' com 'impossibilidade' de datações radiométricas em rochas sedimentares.
Realmente não se pode datar uma “estratigrafia sedimentar”, pois isto não é um ente material, e sim conceitual.
Já a datação de rochas sedimentares não somente é possível, como é feita com freqüência, embora em menor número do que seria o desejado, devido às dificuldades de encontrar bons marcadores.
ConclusõesTal como no ensaio anterior, o autor incorre em uma série de erros metodológicos, a saber:
a) Ausência de um texto com o resumo dos trabalhos realizados na área.
b) Ausência de mapas (cartográfico e geológico) onde constem os pontos visitados e as coordenadas geográficas destes pontos.
c) Ausência de legenda, orientação e escala nas fotos.
d) Ausência de referências bibliográficas.
Baseado nas escassas informações dadas pelo autor (rochas arenosas e localizadas a 40 Km da cidade de Floriano, estado do Piauí), eu tentei contextualizar geologicamente os afloramentos registrados nas fotos, assim como no ensaio anterior.
Primeiro identifiquei as coordenadas da cidade de Floriano (Piauí) pelo Google Earth (longitude 43° 01' 24" W e latitude 6° 45' 51" S). Aí estabeleci um raio de 40 km da cidade a partir do limite que este município faz com o rio Parnaíba (meridiano de longitude 43° 01' 24" W). Em seguida busquei um
mapa geológico do Piauí e determinei a posição da cidade supra.
Então projetei uma linha de 40 km com centro no ponto acima mencionado. Depois verifiquei quais eram as formações que estavam neste raio e que simultaneamente tivessem uma ou mais estradas pavimentadas que passassem por elas. Imediatamente se destacou a Formação Poti. Eu estimo que o afloramento fotografado pertence a esta formação e que fica em algum ponto do vale do rio Uica.
A Formação Poti (com símbolo
C1po no mapa geológico supracitado) pertence ao Grupo Canindé e tem idade estimada do Viseano* médio a superior (c. 330 milhões de anos AP) (Melo & Loboziak, 2000).
Ela é composta, segundo Della Fávera (1990), por arenitos finos claros com estratificações cruzadas tabulares e sigmoidais, siltitos e por escassos conglomerados e diamictitos, além de delgadas camadas de carvão, de ocorrência restrita. Possui uma espessura máxima de 300 m, como observado em seu mapa de isópacas (Caputo, 1984; Cunha, 1986; Góes, 1995). O ambiente deposicional foi interpretado como deltaico e litorâneo **.
Pode-se constatar que as interpretações sobre os paleoambientes e os processos de sedimentação feitas pela CPRM e pela Petrobrás divergem totalmente da interpretação criacionista.
* Eon Fanerozóico, era Paleozóico, período Carbonífero, época Mississipiano, idade Viseano.
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Fonte.