Acredito que boa parte dos problemas wittgeinsteinianos que aparecem aqui podem ser contornados com a simples máxima que Einstein colocou (mais ou menos) bem, a de que "não existe caminho lógico a ser seguido, um conjunto de etapas bem definidas, que leve à gênese de uma teoria. Estas são livres criações do espírito humano". Repito, naturalmente esta livre criação tem alguns pricípios gerais, o que faz delas não tão livres assim (afinal o próprio Einstein não conseguiu atropelar alguns postulados, mesmo aqueles que estavam equivocados, como a necessidade subjetiva de um universo estático nos moldes de Newton - depois voltou atrás - e manteve-se fiel ao determinismo até sua morte), e ao meu ver estes princípios gerais têm um peso essencial na postura do cientista.
Por mais que queiramos introduzir uma metodologia que nos permita separar um conhecimento genuíno científico de uma psudo-ciência (e aqui são úteis - apenas úteis - as idéias de Popper), uma característica interessante do processo de perscrutação sincera é o de prontamente identificar um estratagema pueril e estupidamente parcial de pesquisa. Cientistas se caracterizam por este "feeling" (contruído antes mesmo de sua formação e, na pior das hipóteses, otimizado ao longo desta), e os diversos contra-exemplos que podemos trazer à tona são excelentes exceções à regra: cientistas chegam a conclusões, pseudo-cientistas já as têm em boa medida antes do processo de pesquisa, ainda que inconscientemente. É justo, e os mais atentos podem perceber que o mesmo ocorre na atividade científica séria (como os exemplos citados do Einstein), mas com uma sutileza distinta de compromisso de correlação, iluminada constantemente por uma lanterna epistemológica. Há, ainda, que distinguir o cientista normal, nos moldes descritos por Kuhn, que repete as características paradigmáticas (ou de Matrizes Disciplinares, usando uma terminologia correlata) da ciência de seu tempo, da atividade científica propriamente dita, que certamente se mantém com a colaboração de diferentes formas de produção de conhecimento. Experimentalistas, teóricos, mensuradores, epistemólogos científicos, e até mesmo burocratas e lobistas, todos contribuem para a evolução de nosso conhecimento ou, no mínimo, lapidam os contornos de justificação que formam nosso arcabouço intelectual (no caso dos epistemólogos). Só não percamos de vista este processo global da instituição científica em relação à atividade do cientista propriamente ditA, e deixemos claro que as coisas não costumam ser claras para todos - posto que de fato não o são -, e tomemos cuidado em zonas tão movediças.
Um mínimo de simplificação é necessário, mas naturalmente se conseguísemos, aqui, chegar a um pleno acordo sobre uma correta e suficiente caracterização da atividade científica, poderíamos escrever um livro a respeito e nossos nomes estariam, futuramente, ao lado dos de Popper, Kuhn, Lakatos, Bunge e cia. Mas, ao mesmo tempo, certamente sabemos contornar (no sentido de dar um contorno a) a atividade científica, e não deveria ser para ninguém aqui difícil aceitar que um físico (historiador!) como Ed Witten, mesmo trabalhando com coisas tão esotéricas como Teoria M, está fazendo algo distinto do ufólogo que olha para o céu e prontamente enxerga evidências para o que ele quer. Se alguém precisa perder mais tempo explicando o porquê de eu respeitar mais Witten que o ufólogo (não estamos falando do tipo de Kentaro), então o "feeling" de alguém por aqui - o foco da explicação - estaria deslocado e, suspeito, em um patamar incompatível com a postura científica séria (que fique claro que não gosto desta terminologia).
Quem olha um galho quebrado e ali vê evidências de um dragão alado, não faz parte deste clube. E "quem decida que um conhecimento não mais exige prova, retira-se do jogo". Da mesma forma que a centopéia explicando como dança, o cientista realmente não precisa perder muito tempo com jogos delimitadores e definidores de sua atividade, embora, pessoalmente, eu veja como algo indesejável para um cientista sério. Os livros de Einstein, e particularmente aquele do Heisemberg, isto sem falar em Bohr, em Feynman, e, mais atualmente, Brian Cox e Brian Greene (sem querer fazer nenhum tipo de comparação em relação aos méritos científicos destes cientistas, em relação aos outros), mostram como grandes cientistas se preocupam com a natureza daquilo que eles fazem, para além de um pragmatismo cientificista.
Mas a propósito disto tudo: a inexistência de um método científico pode ser facilmente constatata pelo simples fato de que (tentem, pode ser um exercício interessante para nós!), ao postularmos um conjunto enumerável de passos a serem seguidos pelo cientista, certamente encontraremos um cem número de exemplos científicos que não poderiam ser obtidos com estes mesmos passos. Mas, se vamos simplesmente tratar os procedimentos ubíquos de obtenção de conhecimento científico como um "método científico", então temos, para terminar onde acabei, um simples problema de linguagem.