Autor Tópico: Ciência e método científico  (Lida 13467 vezes)

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Offline Buckaroo Banzai

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #100 Online: 21 de Abril de 2011, 03:13:33 »
Buck, segundo o método científico o que exatamente faz do pesquisador que procura o pé-grande menos científico do que o entomologista que procura uma nova espécie de aracnídeo na Chapada dos Veadeiros? Ambos formulam a hipótese de que há uma espécie desconhecida esperando para ser encontrada e ambos testam procurando essas espécies, como a teoria de Popper permite dizer que o entomologista é melhor? O que o Giga está falando é diferente disso. O caso é que até hoje não se encontrou exemplares vivos ou fósseis de grandes primatas na América do Norte, então o paradigma que predomina na ciência é que grandes primatas não existem por lá. Mas essa afirmação, embora seja refutável, não é baseada no método científico, não se pode fazer experimentos que confirmem a teoria de que não existem e nunca existiram grandes primatas na América do Norte, e dizer que pés-grandes não existem na verdade é uma conclusão por indução -- e o próprio Popper mostrou o problema com as provas por indução para a ciência. Ou seja, ironicamente o paradigma que nos permite tirar sarro de quem pesquisa o pé-grande não tem nada do método científico de Popper.

Apenas o cara imaginar que talvez exista o pé-grande não é pseudociência. Pseudociência é tentar suportar sua existência se baseando em evidência insuficiente e questionável, como sempre é o caso.

O entomologista que se preze e que de fato prove a nova espécie de aracnídeo o fará diferentemente, seguindo o método científico.



Mas mesmo quanto a parte de podermos tirar sarro disso de pé grande, muito embora não tenha sido conduzido tal "comprovação experimental da inexistência do pé grande", isso é algo que não é distante da realidade se considerarmos que os nossos meios de detecção de pé grande provavelmente seriam suficientes para já tê-los detectados se realmente existissem.

E, se quiser manter a objeção quanto a indução, ok. Então simplesmente se troca "pé-grande não existe", para "não há evidências de pé-grande", "são ínfimas as probabilidades de existência do pé-grande", etc. De "assasquatchismo" "forte" para "fraco". Sem precisar nem questionar a cientificidade da afirmação, nem dessa coisa meio tenebrosa de que "os cientistas não usam método científico e não temos como distinguí-los de pseudocientistas".

Offline Moro

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #101 Online: 21 de Abril de 2011, 08:09:46 »
uili, ninguém pode dizer que a busca por um ou outro é pseudo-ciência ou não. Mas certamente no tom das conclusões a diferença irá ficar clara como água.

Um ira dizer que não há evidencias que corroboram a existencia do pé grande, o pseudo-cientista irá dizer que segundo relatos da população, a mordida na presa que só poderia ter sido feita por um primata de 600kg e o famoso filme do pg, temos evidencias suficientes para crer que ele existe.
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Offline gilberto

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #102 Online: 21 de Abril de 2011, 09:07:41 »
Eis um excerto de um texto para mostrar o quanto se discute a respeito da questão do método científico e da própria definição de ciência.
Citação de: Alberto Mesquita Filho
[...]
O Geo, vc conheceu ou teve algum contato com o Alberto Mesquita Filho?
Eu o conheci, ele começou a graduação em física com a minha turma. Mas acho q ele não terminou. Ele já era médico aposentado que tinha umas teorias meio malucas.

Offline uiliníli

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #103 Online: 21 de Abril de 2011, 12:03:29 »
Acho que deve publicar seus dados e quaisquer que sejam suas hipóteses ou interpretações. Se você está me perguntando se na verdade eu acho que se a segunda lei foi para as cucuias se houvessem dados conflitantes que pudessem ser reproduzidos por pesquisadores independentes, eu diria simplesmente que "não sei". Há duas linhas gerais de possibilidades: as observações conflitantes são de alguma forma ilusórias, ou as mais gerais não dizem tudo sobre a tal segunda lei, que teria então uns "parágrafos" até então desconhecidos. Ou ainda, chutando o balde, não tem nada a ver e é só um tipo de coincidência ou sei lá o que. A partir daí os cientistas tem um bocado de trabalho a fazer investigando todas as possibilidades nessas diversas linhas e verificando-as ou refutando-as de acordo com o que popularmente se chama de método científico, hipóteses, experimentos, observação, etc.

Claro que se esses dados que contradizem a II Lei da Termodinâmica forem reprodutíveis em qualquer laboratório a Termodinâmica sofrerá um grande baque e pode precisar de uma revisão. Mas o sentimento inicial do cientista que encontra dados conflitando com ela é de que os dados estão errados. Isso porque na prática o cientista não se guia apenas por experimentos, como o método idealizado por Popper supõe, ele depende muito do dito conhecimento consolidado, do paradigma vigente. Só se uma quantidade suficientemente grande de dados contradizendo a teoria antiga aparacerem é que a comunidade científica vai começar a se dividir e após um longo debate o paradigma vai mudar ou não. É por isso que dizemos que a teoria de Popper é "romântica", ela não leva em conta essa "viscosidade".


Apenas o cara imaginar que talvez exista o pé-grande não é pseudociência. Pseudociência é tentar suportar sua existência se baseando em evidência insuficiente e questionável, como sempre é o caso.

O entomologista que se preze e que de fato prove a nova espécie de aracnídeo o fará diferentemente, seguindo o método científico.

Se você trabalhasse num órgão público de fomento à pesquisa e tivesse que escolher entre o entomologista e o caçador de pé-grande para receber uma verba, quem você escolheria e por que? Você não estaria sendo influencido pelo paradigma vigente, em vez de apenas por evidências?


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Mas mesmo quanto a parte de podermos tirar sarro disso de pé grande, muito embora não tenha sido conduzido tal "comprovação experimental da inexistência do pé grande", isso é algo que não é distante da realidade se considerarmos que os nossos meios de detecção de pé grande provavelmente seriam suficientes para já tê-los detectados se realmente existissem.

Ausência de evidência não é evidência da ausência. Alguns seres são simplesmente raros, com certeza você conhece as histórias da descoberta da celacanto, que os cientistas acreditavam que estava extinto há centenas de milhões de anos, até alguém encontrá-lo; da lula gigante, que se pensava ser história de pescador, junto com dragões e outros monstros marinhos.

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E, se quiser manter a objeção quanto a indução, ok. Então simplesmente se troca "pé-grande não existe", para "não há evidências de pé-grande", "são ínfimas as probabilidades de existência do pé-grande", etc. De "assasquatchismo" "forte" para "fraco". Sem precisar nem questionar a cientificidade da afirmação, nem dessa coisa meio tenebrosa de que "os cientistas não usam método científico e não temos como distinguí-los de pseudocientistas".


O caso é qua atualmente a filosofia da ciência não diz mais que é o método que distingue os cientistas dos pseudocientistas, é a capacidade de sua teoria fazer previsões e sua capacidade de dar soluções para satisfatórias para novos problemas enquanto resolve os problemas que os paradigmas antigos resolviam. A Wikipedia traz como exemplo a teoria das supercordas, que atualmente é intestável em laboratório, não podemos propor um experimento que a falsifique, mas mesmo assim a teoria das supercordas não é considerada pseudociência, ela goza do status de pré-ciência porque ela é muito boa em fazer previsões e resolver os problemas explicados pelo paradigma antigo. A pseudociência falha é nessa etapa de explicar as observações que o paradigma antigo resolvia, ela dá um passo atrás, é uma teoria que é mais falha que a teoria que ela pretende substituir ou complementar. E para a moderna filosofia da ciência, como você chega a um resultado não é importante, o importante é se o resultado se sustenta.

Segundo a Wikipedia ainda, há muitos exemplos de alegações pseudocientíficas que são falseáveis, verificáveis ou revisáveis. Uma definição que achei interessante é a de Thagard - as pseudociências têm duas características: (1) a teoria é menos promissora que outras alternativas e tem muitos problemas não resolvidos e (2) a comunidade de práticos desse campo não mostra interesse em resolver os problemas da sua teoria nem de fazê-la se encaixar coerentemente com outras teorias e há muita seletividade entre os dados que confirmam e desconfirmam a teoria.

Isso explica muito bem porque não levamos a sério as pesquisas sobre o paranormal, por exemplo. Por mais rigoroso e metodologicamente perfeito que seja um estudo que comprove a reencarnação ou viagens astrais, telecinese ou PES (e a gente vê vários aparecendo), a gente se mantém cético com relação a eles antes mesmo de analisar os dados. Eu não vejo como justificar essa atitude de um ponto de vista estritamente popperiano. Mas Thagard salva a gente nos permitindo lembrar que essas teorios têm muita dificuldade em se encaixar com outras teorias (por exemplo, a telecinese não faz muito esforço para ser coerente com a física e prover uma teoria sobre como podemos efetuar ações à distância), não se esforçam em resolver seus próprios problemas (você não vê pesquisas de reencarnação tentando investigar a natureza da alma, como ela pode existir e sobreviver à morte, eles tentam provar que a reencarnação existe sem propor um mecanismo para isso; o DI não se preocupa em resolver o problema de quem é o designer, de onde ele vem, etc.) e, o mais sintomático de todos, em todas essas áreas há dezenas de trabalhos que comprovam e dezenas de trabalhos que não comprovam o fenômeno investigado e eles tendem a ignorar os que não comprovam.

Mais sobre o assunto: http://en.wikipedia.org/wiki/Demarcation_problem

Offline Gigaview

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #104 Online: 21 de Abril de 2011, 12:19:14 »
Em relação à essa parte de se preocupar em resolver o problema de quem/o que é o que...não vejo problema. A gravidade é um exemplo. Usamos a gravidade numa infinidade de coisas, inclusive em teorias complexas sem saber muito bem o que ela é. A falta de conhecimento sobre o que é de fato a gravidade não impede que a ciência avance.
Brandolini's Bullshit Asymmetry Principle: "The amount of effort necessary to refute bullshit is an order of magnitude bigger than to produce it".

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Offline uiliníli

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #105 Online: 21 de Abril de 2011, 12:27:20 »
Em relação à essa parte de se preocupar em resolver o problema de quem/o que é o que...não vejo problema. A gravidade é um exemplo. Usamos a gravidade numa infinidade de coisas, inclusive em teorias complexas sem saber muito bem o que ela é. A falta de conhecimento sobre o que é de fato a gravidade não impede que a ciência avance.

Acho que você escolheu um exemplo ruim, não Giga? A gravidade é muito bem compreendida, exceto talvez no contexto da Mecânica Quântica. Mas o que o Thagard fala, de qualquer maneira, não é no problema de usar conceitos que não são compreendidos, o problema é não existir esforço em compreendê-lo. Os físicos estão dando duro para conciliar a gravitação com a Mecânica Quântica, os parapsicólogos não fazem esforço nenhum para conciliar os fenômenos que eles investigam com o restante da ciência.

Offline Gigaview

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #106 Online: 21 de Abril de 2011, 12:28:22 »
Em relação ao paranormal, nota-se que o esforço da parapsicologia e das ciências espiritóides é mostrar que existe o sobrenatural e parece que a partir daí ninguém mais sabe o que fazer com ele. Parecido com a situação de um ufólogo num inesperado contato imediato do 3o. grau parado em frente ao um ET dando boas vindas a ele mais sem saber o que dizer além disso fazendo cara de babaca.
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Offline Gigaview

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #107 Online: 21 de Abril de 2011, 12:34:45 »
Em relação à essa parte de se preocupar em resolver o problema de quem/o que é o que...não vejo problema. A gravidade é um exemplo. Usamos a gravidade numa infinidade de coisas, inclusive em teorias complexas sem saber muito bem o que ela é. A falta de conhecimento sobre o que é de fato a gravidade não impede que a ciência avance.

Acho que você escolheu um exemplo ruim, não Giga? A gravidade é muito bem compreendida, exceto talvez no contexto da Mecânica Quântica. Mas o que o Thagard fala, de qualquer maneira, não é no problema de usar conceitos que não são compreendidos, o problema é não existir esforço em compreendê-lo. Os físicos estão dando duro para conciliar a gravitação com a Mecânica Quântica, os parapsicólogos não fazem esforço nenhum para conciliar os fenômenos que eles investigam com o restante da ciência.

Sem ironia, não sabia que a gravidade já tem esse grau de compreensão. Achava que ainda é um assunto em discussão no âmbito da teoria geral da relatividade.
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Offline uiliníli

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #108 Online: 21 de Abril de 2011, 12:36:40 »
Em relação ao paranormal, nota-se que o esforço da parapsicologia e das ciências espiritóides é mostrar que existe o sobrenatural e parece que a partir daí ninguém mais sabe o que fazer com ele. Parecido com a situação de um ufólogo num inesperado contato imediato do 3o. grau parado em frente ao um ET dando boas vindas a ele mais sem saber o que dizer além disso fazendo cara de babaca.

Acho que é bem por aí.

Offline Moro

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #109 Online: 21 de Abril de 2011, 12:40:03 »
Houve muita critica quanto ao método usado para provar a PES incluindo a questao da meta analise etc.. Acho que a ciência nao necessita explicar a gravidade, entender as consequências do fenômeno já é suficiente. Para mim questao da teoria da supercordas parecer pseudociencia tem mais a ver com a divulgação do que a teoria em si. Ao invés de dizer - olha temos um modelo matemático elegante - muitos insistem em tentar falar que é daquela maneira que as coisas efetivamente funcionam. 

Realmente nao estou entendendo muito bem seu ponto Uili. Acho que o maior exemplo de quebra de paradigma, ou mais famoso, é a relatividade. A teoria era completamente contra o paradigma vigente e o processo cientifico, ainda que nao seguindo ostensivamente o que posteriormente foi proposto e/ou compilado por Popper, seguiu os passos que deveriam seguir.

Sobre quem financiaria, o pé grande ou o outro, poderia entrar em cena a possibilidade biológica de haver um pg, o conjunto de evidencias existentes ate agora, etc.. Nao sei se foi alvo de Popper a seleção de projetos a investir, me parece que seu contexto já entra dentro da pesquisa em si, de modo que nao acho que esse problema real pode ser utilizado para contrapor sua teoria.
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Offline Moro

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #110 Online: 21 de Abril de 2011, 12:42:00 »
A gravidade é compreendida não explicada, correto?
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Offline Buckaroo Banzai

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #111 Online: 21 de Abril de 2011, 12:49:02 »
Acho que deve publicar seus dados e quaisquer que sejam suas hipóteses ou interpretações. Se você está me perguntando se na verdade eu acho que se a segunda lei foi para as cucuias se houvessem dados conflitantes que pudessem ser reproduzidos por pesquisadores independentes, eu diria simplesmente que "não sei". Há duas linhas gerais de possibilidades: as observações conflitantes são de alguma forma ilusórias, ou as mais gerais não dizem tudo sobre a tal segunda lei, que teria então uns "parágrafos" até então desconhecidos. Ou ainda, chutando o balde, não tem nada a ver e é só um tipo de coincidência ou sei lá o que. A partir daí os cientistas tem um bocado de trabalho a fazer investigando todas as possibilidades nessas diversas linhas e verificando-as ou refutando-as de acordo com o que popularmente se chama de método científico, hipóteses, experimentos, observação, etc.

Claro que se esses dados que contradizem a II Lei da Termodinâmica forem reprodutíveis em qualquer laboratório a Termodinâmica sofrerá um grande baque e pode precisar de uma revisão. Mas o sentimento inicial do cientista que encontra dados conflitando com ela é de que os dados estão errados. Isso porque na prática o cientista não se guia apenas por experimentos, como o método idealizado por Popper supõe, ele depende muito do dito conhecimento consolidado, do paradigma vigente.

E o Popper realmente "descarta" isso? Se fosse se seguir o que ele propõe, os cientistas deveriam concluir as coisas apressadamente, sem nunca considerar a possibilidade de erro próprio ante a esse contexto dos conhecimentos acumulados, é isso?

Em algum de seus textos ele dá um exemplo desse tipo, de algo mais dramático e conflitante com o que se tinha como fato pelo acúmulo do conhecimento anterior?



Só se uma quantidade suficientemente grande de dados contradizendo a teoria antiga aparacerem é que a comunidade científica vai começar a se dividir e após um longo debate o paradigma vai mudar ou não. É por isso que dizemos que a teoria de Popper é "romântica", ela não leva em conta essa "viscosidade".

OK. Mas como é que isso nos leva a concluir que "os cientistas não usam o método científico", em vez de que meramente há questões mais complexas cuja verificação não pode ser dada de sopetão?






Apenas o cara imaginar que talvez exista o pé-grande não é pseudociência. Pseudociência é tentar suportar sua existência se baseando em evidência insuficiente e questionável, como sempre é o caso.

O entomologista que se preze e que de fato prove a nova espécie de aracnídeo o fará diferentemente, seguindo o método científico.

Se você trabalhasse num órgão público de fomento à pesquisa e tivesse que escolher entre o entomologista e o caçador de pé-grande para receber uma verba, quem você escolheria e por que? Você não estaria sendo influencido pelo paradigma vigente, em vez de apenas por evidências?

Óbvio que estaria, e com razão, uma vez que o paradigma vigente é construído por evidências, não só um dogma injusto. "Se" os cientistas usassem "realmente" o método científico, deveríamos esperar outra resposta das pessoas nessa posição? :hein:
 


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Mas mesmo quanto a parte de podermos tirar sarro disso de pé grande, muito embora não tenha sido conduzido tal "comprovação experimental da inexistência do pé grande", isso é algo que não é distante da realidade se considerarmos que os nossos meios de detecção de pé grande provavelmente seriam suficientes para já tê-los detectados se realmente existissem.

Ausência de evidência não é evidência da ausência. Alguns seres são simplesmente raros, com certeza você conhece as histórias da descoberta da celacanto, que os cientistas acreditavam que estava extinto há centenas de milhões de anos, até alguém encontrá-lo; da lula gigante, que se pensava ser história de pescador, junto com dragões e outros monstros marinhos.

OK, perfeito, não sugeri que o certo é qualquer conclusão apressada de algo do tipo, como disse, o tecnicamente correto pode ser apenas afirmar que não há evidência da existência, apenas. Dependendo do caso, será mais ou menos sugestivo da probabilidade de inexistência, o que pode até ser dado como fato dependendo de um contexto maior, se não formos ser niilistas. Só não há nada disso que sugira um problema com o método científico e que os cientistas não o usem, ou que realmente há só uma diferença de paradigma entre o criptozoologista e o zoologista "convencional", sendo apenas uma escolha arbitrária de paradigmas igualmente válidos.




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E, se quiser manter a objeção quanto a indução, ok. Então simplesmente se troca "pé-grande não existe", para "não há evidências de pé-grande", "são ínfimas as probabilidades de existência do pé-grande", etc. De "assasquatchismo" "forte" para "fraco". Sem precisar nem questionar a cientificidade da afirmação, nem dessa coisa meio tenebrosa de que "os cientistas não usam método científico e não temos como distinguí-los de pseudocientistas".


O caso é qua atualmente a filosofia da ciência não diz mais que é o método que distingue os cientistas dos pseudocientistas, é a capacidade de sua teoria fazer previsões e sua capacidade de dar soluções para satisfatórias para novos problemas enquanto resolve os problemas que os paradigmas antigos resolviam.

E o trecho grifado não é o método?


A Wikipedia traz como exemplo a teoria das supercordas, que atualmente é intestável em laboratório, não podemos propor um experimento que a falsifique, mas mesmo assim a teoria das supercordas não é considerada pseudociência, ela goza do status de pré-ciência porque ela é muito boa em fazer previsões e resolver os problemas explicados pelo paradigma antigo. A pseudociência falha é nessa etapa de explicar as observações que o paradigma antigo resolvia, ela dá um passo atrás, é uma teoria que é mais falha que a teoria que ela pretende substituir ou complementar. E para a moderna filosofia da ciência, como você chega a um resultado não é importante, o importante é se o resultado se sustenta.

Eu não acho que "segundo o método científico", teoria de cordas ou qualquer coisa para o qual ainda não houvesse meios de testar a hipótese seria algo pseudocientífico, seria apenas algo que ainda não pode ser testado, muito menos que "e logo, não se usa o arcaico e ingênuo método científico".



Segundo a Wikipedia ainda, há muitos exemplos de alegações pseudocientíficas que são falseáveis, verificáveis ou revisáveis. Uma definição que achei interessante é a de Thagard - as pseudociências têm duas características: (1) a teoria é menos promissora que outras alternativas e tem muitos problemas não resolvidos e (2) a comunidade de práticos desse campo não mostra interesse em resolver os problemas da sua teoria nem de fazê-la se encaixar coerentemente com outras teorias e há muita seletividade entre os dados que confirmam e desconfirmam a teoria.

Ou seja, a defesa de psedociência não segue o método científico.



Isso explica muito bem porque não levamos a sério as pesquisas sobre o paranormal, por exemplo. Por mais rigoroso e metodologicamente perfeito que seja um estudo que comprove a reencarnação ou viagens astrais, telecinese ou PES (e a gente vê vários aparecendo), a gente se mantém cético com relação a eles antes mesmo de analisar os dados. Eu não vejo como justificar essa atitude de um ponto de vista estritamente popperiano.

Eu nem sei o que seria "estritamente Popperiano". Não estou falando de qualquer tipo de "fundamentalismo", mas apenas de linhas mais gerais que acho que descrevem isso de "método científico" como algo que é de fato usado por cientistas e ignorado por pseudocientistas.

No caso de paranormal e etc, por mais que hipteticamente sejam bem conduzidos seus experimentos, a noção de que eles "confirmam" uma hipótese sobrenatural vai contra inumeráveis fatos que deveriam ser levados em consideração numa hipótese científica. Se a consideração dos fatos não deve ou não precisa ser levada em consideração no popperismo fundamentalista, bem, então realmente há uma falha muito grave nesse método, e não diria que os cientistas seguem tal método, só não o chamariade "método científico" pois não mereceria tal nome mesmo por razões históricas.



Mas Thagard salva a gente nos permitindo lembrar que essas teorios têm muita dificuldade em se encaixar com outras teorias (por exemplo, a telecinese não faz muito esforço para ser coerente com a física e prover uma teoria sobre como podemos efetuar ações à distância), não se esforçam em resolver seus próprios problemas (você não vê pesquisas de reencarnação tentando investigar a natureza da alma, como ela pode existir e sobreviver à morte, eles tentam provar que a reencarnação existe sem propor um mecanismo para isso; o DI não se preocupa em resolver o problema de quem é o designer, de onde ele vem, etc.) e, o mais sintomático de todos, em todas essas áreas há dezenas de trabalhos que comprovam e dezenas de trabalhos que não comprovam o fenômeno investigado e eles tendem a ignorar os que não comprovam.

Mais sobre o assunto: http://en.wikipedia.org/wiki/Demarcation_problem

Bem, continuo sem ver como é que os cientistas não usariam o método científico, a não ser talvez por uma definição histórica caricatural e simplista que expressamente negasse coisas como a necessidade de levar em consideração coisas tidas como fatos consolidados para afirmar uma conclusão como segura. Sem uma afirmação categórica disso ser desnecessário ou indevido no método científico, eu tendo mais a pensar que é algo omitido por obviedade, não desconsiderado.

Offline uiliníli

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #112 Online: 21 de Abril de 2011, 13:19:59 »
Claro que se esses dados que contradizem a II Lei da Termodinâmica forem reprodutíveis em qualquer laboratório a Termodinâmica sofrerá um grande baque e pode precisar de uma revisão. Mas o sentimento inicial do cientista que encontra dados conflitando com ela é de que os dados estão errados. Isso porque na prática o cientista não se guia apenas por experimentos, como o método idealizado por Popper supõe, ele depende muito do dito conhecimento consolidado, do paradigma vigente.

E o Popper realmente "descarta" isso? Se fosse se seguir o que ele propõe, os cientistas deveriam concluir as coisas apressadamente, sem nunca considerar a possibilidade de erro próprio ante a esse contexto dos conhecimentos acumulados, é isso?

Popper não explica isso porque sua teoria é incompleta. A teoria de Kuhn é mais geral e explica também as exceções ao método científico que Popper não explica. E mesmo a teoria de Kuhn tem suas falhas.

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OK. Mas como é que isso nos leva a concluir que "os cientistas não usam o método científico", em vez de que meramente há questões mais complexas cuja verificação não pode ser dada de sopetão?

Os cientistas usam o método científico em alguns casos, mas em outros eles não o usam, pelo menos não da maneira que Popper sugeriu. Você tem áreas extremamente especulativas, como a Teoria das Cordas, na qual o método experimental ainda é inaplicável e nem por isso elas deixam de ser ciência, e você tem cientistas que apenas fazem medidas ou observações, sem nunca propor um experimento na vida.
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Se você trabalhasse num órgão público de fomento à pesquisa e tivesse que escolher entre o entomologista e o caçador de pé-grande para receber uma verba, quem você escolheria e por que? Você não estaria sendo influencido pelo paradigma vigente, em vez de apenas por evidências?

Óbvio que estaria, e com razão, uma vez que o paradigma vigente é construído por evidências, não só um dogma injusto. "Se" os cientistas usassem "realmente" o método científico, deveríamos esperar outra resposta das pessoas nessa posição? :hein:
 

Como discutido anteriormente, não existe evidência de que o pé grande não existe e nem pode existir. Se nos baseássemos na teoria de Popper não haveria motivo para preferir os insetos ao pé grande.

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Ausência de evidência não é evidência da ausência. Alguns seres são simplesmente raros, com certeza você conhece as histórias da descoberta da celacanto, que os cientistas acreditavam que estava extinto há centenas de milhões de anos, até alguém encontrá-lo; da lula gigante, que se pensava ser história de pescador, junto com dragões e outros monstros marinhos.

OK, perfeito, não sugeri que o certo é qualquer conclusão apressada de algo do tipo, como disse, o tecnicamente correto pode ser apenas afirmar que não há evidência da existência, apenas. Dependendo do caso, será mais ou menos sugestivo da probabilidade de inexistência, o que pode até ser dado como fato dependendo de um contexto maior, se não formos ser niilistas. Só não há nada disso que sugira um problema com o método científico e que os cientistas não o usem, ou que realmente há só uma diferença de paradigma entre o criptozoologista e o zoologista "convencional", sendo apenas uma escolha arbitrária de paradigmas igualmente válidos.

Há só uma diferença de paradigma entre o criptozoologista e o zoologista, mas não é uma escolha arbitrária de paradigmas igualmente válidos. Isso já foi explicado anteriormente quando eu citei os critérios de escolha de Kuhn.

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O caso é qua atualmente a filosofia da ciência não diz mais que é o método que distingue os cientistas dos pseudocientistas, é a capacidade de sua teoria fazer previsões e sua capacidade de dar soluções para satisfatórias para novos problemas enquanto resolve os problemas que os paradigmas antigos resolviam.

E o trecho grifado não é o método?

Não. O método científico é um conjunto de técnicas de investigação, a capacidade de resolver problemas é característica da teoria. E a teoria nem sempre se sucede à investigação, vide a teoria das supercordas, por exemplo.


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Eu não acho que "segundo o método científico", teoria de cordas ou qualquer coisa para o qual ainda não houvesse meios de testar a hipótese seria algo pseudocientífico, seria apenas algo que ainda não pode ser testado, muito menos que "e logo, não se usa o arcaico e ingênuo método científico".

A teoria das supercordas é o que se chama de proto-ciência, mas ela ainda é ciência porque ela explica bem muitos fenômenos que são compreendidos em outras teorias e faz previsões interessantes, mesmo que no momento ela não seja falseável. Segundo Popper se não é falseável é pseudociência ou pelo menos está naquela área cinzenta entre ciência e pseudociência.
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No caso de paranormal e etc, por mais que hipteticamente sejam bem conduzidos seus experimentos, a noção de que eles "confirmam" uma hipótese sobrenatural vai contra inumeráveis fatos que deveriam ser levados em consideração numa hipótese científica. Se a consideração dos fatos não deve ou não precisa ser levada em consideração no popperismo fundamentalista, bem, então realmente há uma falha muito grave nesse método, e não diria que os cientistas seguem tal método, só não o chamariade "método científico" pois não mereceria tal nome mesmo por razões históricas.

Acho que é por aí. O que Popper chama de método científico é aquilo que os cientistas fazem em seus laboratórios sem levar em conta como isso se relaciona com o resto do conhecimento. Eu vejo assim: Popper criou uma teoria, ela tinha alguns problemas, Kuhn criou uma teoria melhor, a teoria de Kuhn também tem alguns problemas, aí chegou Feyeberand, que eu nem gosto de citar, porque ele chutou o balde, aí veio Lakatos que colocou o balde no lugar de novo e desde então os filósofos estão tentando enchê-lo novamente. Eu estou falando tanto de Kuhn porque tenho mais familiaridade com ele, mas na verdade há muita polêmica na filosofia da ciência, não existe hoje um consenso entre o que é ciência realmente e como ela funciona. Mas isso é problema mais dos filósofos, os cientistas não costumam dar muita bola para isso.

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Bem, continuo sem ver como é que os cientistas não usariam o método científico, a não ser talvez por uma definição histórica caricatural e simplista que expressamente negasse coisas como a necessidade de levar em consideração coisas tidas como fatos consolidados para afirmar uma conclusão como segura. Sem uma afirmação categórica disso ser desnecessário ou indevido no método científico, eu tendo mais a pensar que é algo omitido por obviedade, não desconsiderado.

Lembre-se que estamos discutindo filosofia, então os termos têm significados bem precisos e teorias bem fundamentadas por trás deles. Se você usa o termo de forma mais genérica a discussão até perde o sentido.

Offline Gigaview

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #113 Online: 21 de Abril de 2011, 13:42:26 »
A aplicação de todas as etapas do método científico pode acontecer durante o período de vida de um cientista mas também  pode exigir um período de tempo maior com etapas que podem envolver várias gerações de cientistas. No primeiro caso parece claro o uso do método científico o que pode nos levar a afirmar que, de fato, esses cientistas o utilizam. No segundo caso não é tão óbvio porque não temos a perspectiva do uso do método em sí, mas do envolvimento e dedicação de vários cientistas que podem passar a vida inteira dedicados a uma  ou mais fases do método, medindo, catalogando, organizando, testando, etc. Nesse caso, como a perspectiva das etapas do método escapa da nossa visão, podemos até questionar equivocadamente se existe de fato um método.
Brandolini's Bullshit Asymmetry Principle: "The amount of effort necessary to refute bullshit is an order of magnitude bigger than to produce it".

Pavlov probably thought about feeding his dogs every time someone rang a bell.

Offline Geotecton

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #114 Online: 21 de Abril de 2011, 13:51:17 »
Eis um excerto de um texto para mostrar o quanto se discute a respeito da questão do método científico e da própria definição de ciência.
Citação de: Alberto Mesquita Filho
[...]
O Geo, vc conheceu ou teve algum contato com o Alberto Mesquita Filho?
Eu o conheci, ele começou a graduação em física com a minha turma. Mas acho q ele não terminou. Ele já era médico aposentado que tinha umas teorias meio malucas.

Não, não o conheci, mas o texto dele apresenta questões que são dúvidas e discussões comuns aos filósofos da ciência.
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Offline Feynman

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #115 Online: 21 de Abril de 2011, 20:34:05 »
Acredito que boa parte dos problemas wittgeinsteinianos que aparecem aqui podem ser contornados com a simples máxima que Einstein colocou (mais ou menos) bem, a de que "não existe caminho lógico a ser seguido, um conjunto de etapas bem definidas, que leve à gênese de uma teoria. Estas são livres criações do espírito humano". Repito, naturalmente esta livre criação tem alguns pricípios gerais, o que faz delas não tão livres assim (afinal o próprio Einstein não conseguiu atropelar alguns postulados, mesmo aqueles que estavam equivocados, como a necessidade subjetiva de um universo estático nos moldes de Newton - depois voltou atrás - e manteve-se fiel ao determinismo até sua morte), e ao meu ver estes princípios gerais têm um peso essencial na postura do cientista.

Por mais que queiramos introduzir uma metodologia que nos permita separar um conhecimento genuíno científico de uma psudo-ciência (e aqui são úteis - apenas úteis - as idéias de Popper), uma característica interessante do processo de perscrutação sincera é o de prontamente identificar um estratagema pueril e estupidamente parcial de pesquisa. Cientistas se caracterizam por este "feeling" (contruído antes mesmo de sua formação e, na pior das hipóteses, otimizado ao longo desta), e os diversos contra-exemplos que podemos trazer à tona são excelentes exceções à regra: cientistas chegam a conclusões, pseudo-cientistas já as têm em boa medida antes do processo de pesquisa, ainda que inconscientemente. É justo, e os mais atentos podem perceber que o mesmo ocorre na atividade científica séria (como os exemplos citados do Einstein), mas com uma sutileza distinta de compromisso de correlação, iluminada constantemente por uma lanterna epistemológica. Há, ainda, que distinguir o cientista normal, nos moldes descritos por Kuhn, que repete as características paradigmáticas (ou de Matrizes Disciplinares, usando uma terminologia correlata) da ciência de seu tempo, da atividade científica propriamente dita, que certamente se mantém com a colaboração de diferentes formas de produção de conhecimento. Experimentalistas, teóricos, mensuradores, epistemólogos científicos, e até mesmo burocratas e lobistas, todos contribuem para a evolução de nosso conhecimento ou, no mínimo, lapidam os contornos de justificação que formam nosso arcabouço intelectual (no caso dos epistemólogos). Só não percamos de vista este processo global da instituição científica em relação à atividade do cientista propriamente ditA, e deixemos claro que as coisas não costumam ser claras para todos - posto que de fato não o são -, e tomemos cuidado em zonas tão movediças.

Um mínimo de simplificação é necessário, mas naturalmente se conseguísemos, aqui, chegar a um pleno acordo sobre uma correta e suficiente caracterização da atividade científica, poderíamos escrever um livro a respeito e nossos nomes estariam, futuramente, ao lado dos de Popper, Kuhn, Lakatos, Bunge e cia. Mas, ao mesmo tempo, certamente sabemos contornar (no sentido de dar um contorno a) a atividade científica, e não deveria ser para ninguém aqui difícil aceitar que um físico (historiador!) como Ed Witten, mesmo trabalhando com coisas tão esotéricas como Teoria M, está fazendo algo distinto do ufólogo que olha para o céu e prontamente enxerga evidências para o que ele quer. Se alguém precisa perder mais tempo explicando o porquê de eu respeitar mais Witten que o ufólogo (não estamos falando do tipo de Kentaro), então o "feeling" de alguém por aqui - o foco da explicação - estaria deslocado e, suspeito, em um patamar incompatível com a postura científica séria (que fique claro que não gosto desta terminologia).


Quem olha um galho quebrado e ali vê evidências de um dragão alado, não faz parte deste clube. E "quem decida que um conhecimento não mais exige prova, retira-se do jogo". Da mesma forma que a centopéia explicando como dança, o cientista realmente não precisa perder muito tempo com jogos delimitadores e definidores de sua atividade, embora, pessoalmente, eu veja como algo indesejável para um cientista sério. Os livros de Einstein, e particularmente aquele do Heisemberg, isto sem falar em Bohr, em Feynman, e, mais atualmente, Brian Cox e Brian Greene (sem querer fazer nenhum tipo de comparação em relação aos méritos científicos destes cientistas, em relação aos outros), mostram como grandes cientistas se preocupam com a natureza daquilo que eles fazem, para além de um pragmatismo cientificista.

Mas a propósito disto tudo: a inexistência de um método científico pode ser facilmente constatata pelo simples fato de que (tentem, pode ser um exercício interessante para nós!), ao postularmos um conjunto enumerável de passos a serem seguidos pelo cientista, certamente encontraremos um cem número de exemplos científicos que não poderiam ser obtidos com estes mesmos passos. Mas, se vamos simplesmente tratar os procedimentos ubíquos de obtenção de conhecimento científico como um "método científico", então temos, para terminar onde acabei, um simples problema de linguagem.
« Última modificação: 21 de Abril de 2011, 20:39:24 por Feynman »
"Poetas dizem que a Ciência tira toda a beleza das estrelas - meros globos de átomos de gases. Eu também posso ver estrelas em uma noite limpa e sentí-las. Mas eu vejo mais ou menos que eles?" - Richard Feynman

Offline Moro

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #116 Online: 21 de Abril de 2011, 23:03:50 »
Não está se reduzindo o processo científico àquele heróico ato da descoberta do gênio? Não sou da área, mas será que quando uma teoria vai para peer review, por exemplo, tanto a defesa da teoria quanto sua análise devem seguir algum método?

Continuo achando que qualificar que fez Popper como um método para ser seguido pode não ser o mais adequado. Me parece que ele mais colocou um conjunto de boas práticas do que uma metodologia para ser seguida passo a passo.

...

Compare o livro do Popper como um bom livro de padrões (patterns) de software. Você nao precisa usar todos eles, nem seguir a risca o que ele diz. Mas conhecer um singleton (o mais simples dos Patterns) pode te evitar dor de cabeça e erros groceiros. Nao vejo como.. Ok, vou fazer pesquisa, deixe me seguir a receita do Popper

Agora refletindo sobre as últimas postagens, acho que onde sujeitos como Popper poderiam ter o maior impacto positivo seria como uma matéria obrigatória para o segundo grau.
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Offline SnowRaptor

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #117 Online: 21 de Abril de 2011, 23:10:09 »
Não podemos encarar a epistemologia popperiana como uma receitinha de bolo que deve ser seguida à risca, mas sim como  elementos que dào fundamento ao processo de produção de conhecimento, com menos risco de perder tempo com coisa inútil.
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Offline Adriano

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #118 Online: 21 de Abril de 2011, 23:30:33 »
Um pensamento de Popper, muito relacionado a memética, é que as teorias científicas que "morriam" no lugar do homem, do animal. Faz isto comparando a ameba e Einstein (sua grande referência). Este seu pensamento está muito ligado a influência de Hebert Spencer no pensamento popperiano, este considerando toda a sua obra e não apenas a teoria da falseabilidade.

Spencer é conhecido como o filósofo da evolução e teve grande influência na frase "a sobrevivência do mais apto", na teoria da evolução, vindo de sua psicologia e filosofia sintética. Popper utilizou muito bem esta influência e a desenvolveu num longo percurso, desde a lógica e a matemática, para formular a teoria da falseabilidade de acordo com as ciências naturais, até chegar a escrever grandes contribuições para as ciências humanas, chegando até a política e a economia. E foi uma grande influência da escola austríaca.

Princípio da descrença.        Nem o idealismo de Goswami e nem o relativismo de Vieira. Realismo monista.

Offline SnowRaptor

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #119 Online: 22 de Abril de 2011, 00:09:24 »
Texto interessantíssimo, bem a tempo:

http://skepticblog.org/2011/04/20/reality-check/
Elton Carvalho

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Offline Feynman

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #120 Online: 22 de Abril de 2011, 00:22:39 »
Bom.

"Poetas dizem que a Ciência tira toda a beleza das estrelas - meros globos de átomos de gases. Eu também posso ver estrelas em uma noite limpa e sentí-las. Mas eu vejo mais ou menos que eles?" - Richard Feynman

Offline SnowRaptor

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #121 Online: 22 de Abril de 2011, 00:28:00 »
O meu comentário no item compartilhado no google reader foi exatamente esse. :)
Elton Carvalho

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Offline Cientista

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #122 Online: 22 de Abril de 2011, 00:37:20 »
Ótimo texto que acaba de ser apresentado pelo Snowraptor em que a "sua" máxima, Feynman, é lembrada: "o primeiro princípio (para o cientista, especialmente), é não se enganar".

O que significa que você concorda comigo que cientistas não crêem em deuses! Finalmente chegamos a um entendimento!


Em relação à essa parte de se preocupar em resolver o problema de quem/o que é o que...não vejo problema. A gravidade é um exemplo. Usamos a gravidade numa infinidade de coisas, inclusive em teorias complexas sem saber muito bem o que ela é. A falta de conhecimento sobre o que é de fato a gravidade não impede que a ciência avance.

Acho que você escolheu um exemplo ruim, não Giga? A gravidade é muito bem compreendida, exceto talvez no contexto da Mecânica Quântica. Mas o que o Thagard fala, de qualquer maneira, não é no problema de usar conceitos que não são compreendidos, o problema é não existir esforço em compreendê-lo. Os físicos estão dando duro para conciliar a gravitação com a Mecânica Quântica, os parapsicólogos não fazem esforço nenhum para conciliar os fenômenos que eles investigam com o restante da ciência.

Sem ironia, não sabia que a gravidade já tem esse grau de compreensão. Achava que ainda é um assunto em discussão no âmbito da teoria geral da relatividade.
E não tem mesmo, Gigaview, mesmo abordada apenas dentro da mecânica relativística. Não ligue porque o uiliníli é um camarada inteligentíssimo, sem sombra de dúvida e 'sem necessidade de métodos para confirmação', no qual eu apostaria grandes somas pela profunda capacidade de abstração e de objetivação concomitantes (característica mental humana raríssima) e, a menos de pequenos erros e falhas interpretativas, está defendendo majestosamente bem a questão que se põe aqui; assim como você. Ocorre que, neste caso específico, ele está fazendo a recorrente confusão entre explicação e descrição (notadamente, do tipo matemática que confere algum poder de previsibilidade). Mas isso é só uma tendência comum em engenheiros -- "se está bem matematizado, está bem explicado".

Feynman, você (o próprio por trás do nick) é *o cara*. Estou certo de que o próprio Richard te daria permissão por escrito (e com grande satisfação), se tal fosse o caso, para usar o nome dele como pseudônimo. E seus alunos são, sem dúvida, tão sortudos quanto os dele o foram. Digo-o sem ironia, sem qualquer traço de sarcasmo, como me é de costume, por vezes. E o provo dizendo que não é por isso que aliviarei a coisa para o seu lado na hora dos meus "ataques" que, sim, tenho muitos a fazer, pois há numerosas falhas em suas argumentações, ainda que brilhantes em grande parte. Algumas das falhas não são suas, mas que você adotou de outros sem resistência ao statu quo.

Estou tentando me centrar nos pontos falhos dos diversos argumentos que até, surpreendentemente, para mim, foram muito menos do que eu esperava. O nível está elevadíssimo. É um estágio de percepção da realidade por que passam aqui em que inicia-se uma segregação, ainda que inicialmente inconsciente ao que me parece, de conceitos errados, mais ou menos como ocorre com as impurezas num líquido précristalino que vai sendo expurgado das mesmas de modo a ficarem mais nitidamente visíveis numa região. Começa-se a poder visualizar onde está o "grande problema" -- na própria mente e em sua ilusão.




Só uma questão séria que me surgiu: aracnídeos estão dentro do escopo de trabalho do entomologista? Estariam, também, crustáceos e miriápodes, por exemplo? Não existe 'artropodologista' ou 'aracnidologista', mais especificamente? É sério mesmo, se alguém fizer o obséquio de responder.

Offline SnowRaptor

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #123 Online: 22 de Abril de 2011, 00:40:28 »
O que significa que você concorda comigo que cientistas não crêem em deuses! Finalmente chegamos a um entendimento!

Isso nào é regra. Conheço bons cientistas que têm lá suas crenças e as levam bem a sério, sem deixar interferir no trabalho.
Elton Carvalho

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Offline Cientista

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Re: Ciência e método científico
« Resposta #124 Online: 22 de Abril de 2011, 00:43:34 »
Estou certo de que você está ciente de minha posição quanto a isso e eu não desejo mais entrar em uma grande discussão a respeito. Escrevi isso só para incitar o Feynman.

 

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