Ué, mas toda elite intelectual é burguesa.
Não dá pra separar Karl Marx do que aconteceu na Rússia, é como separar o nazismo do mein kampf, o que marx escreveu foi o que guiou a revolução russa e a implantação do socialismo na Rússia. No que eles foram contra o que marx disse?
De onde você tirou a afirmação grifada? Quer dizer que não havia elite intelectual nas sociedades escravistas ou feudais? E um intelectual então não pode ser marxista por ser burguês? Ou marxistas são não-intelectuais?
Sugiro que dê uma pesquisada em Plekhanov , Martov , Bernstein , Kautsky , Emma Goldman , Victor Serge , Rosa Luxemburgo , Pannekoek.
Quanto a relação de Marx com o totalitarismo soviético críticos do marxismo como Hannah Arendt ( que cunhou o termo totalitarismo como categoria política em seu
As Origens do Totalitarismo) e André Comte-Sponville ( no Tratado do Desespero e da Beatitude) afirmam claramente que o regime instalado nos países do "socialismo real" em nada correspondia às concepções de Marx.
O primeiro ponto é que o socialismo seria decorrente da superação do capitalismo
avançado , quando as relações de produção capitalista deixavam de desenvolver as forças produtivas e se tornavam um freio das mesmas , por entrar em crises recorrentes. Apenas neste contexto histórico é que a passagem para o socialismo seria possível. Obviamente uma sociedade com 90% da população em atividades agrárias , com persistência de resquicios do feudalismo ( a libertação dos servos só ocorrera em 1861) , como era o Império Russo não pode ser classificado como capitalismo avançado. Em um texto de Marx ( se a memória não me falha , uma carta a Babel) ele teoriza , como uma
reductio ad absurdum , sobre o que aconteceria se em país atrasado fosse tentada a passagem para o socialismo concluindo que o resultado seria , em virtude do estado econômico e cultural atrasado , o ressurgimento de relações capitalista ( o termo usado em alemão poderia ser traduzido para "voltaria á velha merda").
O segundo ponto é que Marx define socialismo como "associação de produtores organizados" , ou seja , todos os cidadãos se tornariam produtores , envolvidos com a produção e a gerência da riqueza da sociedade. Como para Marx a função do Estado é puramente negativa , de monopólio da força , ele deixa de ter razão de existir em uma sociedade onde as classes desaparecem e não há conflitos interclasses a serem reprimidos ; na concepção marxista , após um período de transição denominado "ditadura do proletariado" ,o Estado se extinguiria por desaparecer a razão de sua existência ( o período de transição é que é a real diferença entre marxistas e anarquistas). No "socialismo real" o Estado não só não definha mas , pelo contrário , sofre uma hipertrofia jamais vista , não há nenhuma "organização de produtores associados" mas a submissão dos produtores ( e demais grupos sociais subalternos) a uma elite gerencial organizada no Partido Comunista. Novamente , o propalado "socialismo real" é antípoda da concepção marxista de socialismo.
Isto nos leva ao terceiro ponto , que é onde a maioria dos críticos se apega e vê em Marx a gênese da ditadura comunista: a ditadura do proletariado. Como bem observou Comte-Sponville na obra citada acima , se Marx soubesse que seu gosto por paradoxos fosse ter um desdobramento tão nefasto não teria cunhado o termo "ditadura do proletariado". Na concepção marxista é impossivel a passagem do capitalismo para o socialismo de forma imediata ( como queriam os anarquistas) pois mesmo os países de capitalismo mais avançado não teriam condições culturais e organizacionais para iniciar de pronto uma sociedade totalmente auto-gerida. Neste estágio intermediário a classe (proletariado) que assume o poder da sociedade terá ainda que exercer o poder político sobre as demais até que ,por força do desenvolvimento econômico-cultural por ela implementado , as classes sociais desapareçam ( ou seja , deixam de haver burgueses e proletários mas apenas cidadãos) e a dominação política se extingua. No texto em que teoriza sobre este estado intermediário Marx , coerente com sua concepção de Estado , afirma que todo Estado é a ditadura de uma classe pois sua função é garantir a permanência da dominação desta classe. Assim , mesmo a mais avançada democracia burguesa é uma ditadura da burguesia pois ela nunca permitirá que a dominação desta classe seja revertida. Como no período intermediário entre o capitalismo e o socialismo será necessária a dominação política do proletariado esta será uma ditadura do proletariado , embora deva ser mais avançada e liberal que qualquer democracia burguesa pois ( diferente das demais dominações de classe ) esta será a primeira vez que o poder será exercido pela maioria da população. Além disso Marx define a ditadura do proletariado como um semi-Estado , pois sua função não é perpetuar uma dominação de classe mas extingui-las e extinguir-se no período. Não é preciso dizer que a concepção de ditadura do proletariado para Marx não corresponde a uma ditadura real ( daí a péssima escolha do termo devido ao seu gosto por paradoxos) mas foi assimilada por lenin e demais bolcheviques como uma ditadura real em sua luta pos-1917. Da mesma forma para Marx era impensável a idéia que um único partido representasse o proletariado e que demais classes ainda existentes no período de transição não pudessem ter representação política , ele afirma explicitamente que no período de transição as liberdades políticas em geraldevem ser ampliada e não restrigidas.
A gênese do totalitarismo soviético deve ser procurada não em Marx , mas na conjunção de uma revolução social em um país economicamente atrasado comandada por um partido marxista organizado sob um molde autoritário ( a organização leninista do partido) , ou seja , no comando de Lenin da Revolução Russa.
Antes que alguém diga que este post é no fundo uma falácia do escocês . devo dizer que a prova da falência da concepção revolucionária de Marx não é a falência dos Estados do "socialismo real" , pois eles nunca foram socialistas no sentido marxista , mas no fato de que em 150 anos nenhuma revolução conduzida por partidos convictamente marxistas conseguiu se aproximar dos objetivos que ele almejava ( e na verdade geraram o inverso).