Banheiro único pode funcionar na prática?Ao entrar travestido num toalete feminino, o cartunista Laerte levanta discussão sobre que banheiro transgêneros devem usarNo final de janeiro, o cartunista Laerte Coutinho, 60 anos, causou polêmica. Ao entrar vestindo minissaia, meia-calça e sandália no banheiro feminino da Real Pizzaria e Restaurante, em Perdizes (zona oeste de São Paulo), recebeu a solicitação de não voltar a usar o sanitário feminino, porque outra freguesa havia se sentido incomodada com o fato.
Laerte entrou em contato com a Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado, que vai avaliar se a Lei Estadual 10.948/2001, sobre discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, foi desrespeitada. Os proprietários podem ser chamados para uma conversa ou medida sócio-educativa.
“Quero que se compreenda a existência de cidadãos que são transgêneros, que têm uma identidade de gênero específica e que são dotados de direitos como qualquer outro”, afirma o cartunista.
Transgêneros são as pessoas cuja expressão de gênero não corresponde ao papel social atribuído para elas no nascimento. Ou seja, é quando o sexo biológico não corresponde à maneira como a pessoa se sente e vive. É diferente de orientação sexual, que define por qual gênero a pessoa se sente atraída física ou emocionalmente.
O problema é que banheiros com divisão entre homem e mulher não dão conta dessa diversidade.
“As questões que essa formulação levanta são muitas e devem levar em conta direitos reais de travestis, por exemplo”, afirma Laerte.
Dias depois da celeuma, o vereador Carlos Apolinário propôs um projeto de lei à Câmara de São Paulo instituindo um terceiro banheiro unissex, que poderia ser usado por todos, exceto menores desacompanhados.
“É uma questão de acompanhar os bons costumes: no país em que vivemos tem o banheiro feminino e masculino. As mulheres se sentem tranqüilas porque o banheiro feminino só pode ser utilizado por pessoas do mesmo sexo. Alguém de outro sexo constrange porque esse não é o costume do nosso país”, justifica Apolinário. “Quem usa esse banheiro usa porque quer.”
O projeto de lei não especifica regras de uso.
“Se a pessoa (por exemplo, o próprio Laerte) quiser usar o feminino e não o unissex, vai ser obrigado a sair, porque estará forçando a barra’”, afirma o vereador. “Enquanto não se constrói o terceiro banheiro, eles que usem o masculino. Quem tem pênis vai ao banheiro masculino, quem tem vagina vai ao feminino.”
Questionado sobre as transexuais operadas, ele declarou.
“Poderiam usar o feminino. Quem faz essa cirurgia, normalmente tem físico compatível com mulher. Tem cara de mulher, já se parece com mulher. Não conheço ninguém com cara de homem que fez isso. Geneticamente já nasceu com cara de mulher, só falta tirar o pênis”, diz Apolinário.
Laerte discorda do projeto como foi proposto.
“O espírito da lei é segregacionista. Ele chama de banheiro unissex numa jogada mal-intencionada: o que está sendo proposto é o banheiro segregacionista. Ele quer separar o cidadão que considera diferente – o homossexual, o travesti - da população que considera normal”, afirma o cartunista.
“É a mesma coisa que propor um banheiro para negros, judeus, ou índios.”
Banheiros neutros não são novidade mundo afora. Em outros países, instituições como a Universidade de Winnipeg, a University of Western Ontário de Londres e as University of Victoria e McGill University de Monteral, por exemplo, passaram a oferecer banheiros de gênero neutro, há já alguns anos.
Banheiros neutros seriam o ideal também no Brasil, na opinião de Yone Lindgren, vice-presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT).
“Nosso objetivo é não ter um banheiro com gêneros definidos. Preconceito se desconstrói derrubando rótulos”, afirma Yone.
“Banheiro é para necessidades fisiológicas, não para atividades sexuais. O fundamental é ter higiene e privacidade garantidas”, diz.
No Brasil, há exemplos de banheiros "sem gênero". “Temos o Palácio das ONGs no Rio, onde nunca houve nenhum problema”, diz Yone. Em bares e restaurantes de capitais como Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, banheiros com lavabo unissex e cabines individuais são bastante comuns.
As normas de acessibilidade sugerem como solução ideal banheiros masculinos e feminino e neutros e acessíveis. “Mas se só tem espaço para dois banheiros, o correto é fazer um grande, acessível e unissex, que também é chamado de' banheiro familiar'.
É melhor ter um certo do que dois errados ”, explica Thais Frota, arquiteta especialista em acessibilidade. “Não apenas para acolher diferentes identidades de gênero, mas para situações como uma criança que vai ao banheiro com a mãe ou pai ou um idoso com uma cuidadora, ou ainda um obeso ou um cadeirante”, explica a arquiteta.
Na opinião dela, o critério de qual banheiro usar deve ser do usuário.
“Se a pessoa se assumiu como mulher ou homem, não cabe a ninguém julgar. Fechou a cabine da sua porta, acabou. O que ela vai fazer lá fora – lavar as mãos, pentear o cabelo - não é constrangedor.”
Hábitos bem femininos, como pedir a uma desconhecida ajustar um zíper emperrado ou um absorvente emprestado numa emergência, facilitados pelo banheiro exclusivamente feminino, e até mesmo a fofoquinha de amigas que vão ao banheiro juntas, podem ser prejudicados.
Mas o fato é que, enquanto banheiros universais não forem a norma, vai ser necessário jogo de cintura para escapar de saias-justas, constrangimentos e reações preconceituosas.
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