Buckaroo, a situação-regra de "pré-treino" num ambiente primitivo ser com a de altas reservas de carboidratos é improvável. Não temos máquina do tempo, mas temos como observar as sociedades de caçadores e coletores atuais. Por exemplo, Arthur de Vanny já disse que estima-se que os membros da tribo paraguaia Aché gastem de quatro a cinco mil calorias por dia enquanto forrageiam; isso é para você ter uma ideia de como seria difícil achar uma estratégia realmente minimalista de gasto energético na busca por alimentos. Se a distribuição de gasto de energia (segundo já li, essas obedeceriam a leis de potências ou distribuição paretiana) e o índice de encontro do homem com animais de caça são relativamente conhecidos, então não deve ser uma estimativa muito arrojada dizer que os nossos ancestrais das cavernas tinham que lidar com a incerteza acerca da ingestão e do gasto de calorias, que eram provavelmente distribuídos de maneira que geravam longos períodos com pouca ingestão de energia e alto gasto. De fato, há intelectuais da área que defendem isso. E como eu já disse no tópico sobre boa forma que está em outra seção do fórum, os restos esqueléticos dos últimos humanos do Paleolítico se comparam ao dos atletas olímpicos: ossos densos e altamente mineralizados e esqueletos com pontos de ligação enorme para músculos. Essa aparente contradição que venho mencionando nos últimos posts é resolvida da seguinte forma para alguns acadêmicos. Há quem defenda que baixas reservas de carboidratos nos músculos melhoram a resposta da expressão gênica aos exercícios.
"Effect of training in the fasted state on metabolic responses during exercise with carbohydrate intake". K. De Bock, W. Derave, B. O. Eijnde, M. K. Hesselink, E. Koninckx, A. J. Rose, P. Schrauwen, A. Bonen, E. A. Richter, P. Hespel
Journal of Applied Physiology Published 1 April 2008 Vol. 104 no. 4, 1045-1055 DOI: 10.1152/japplphysiol.01195.2007
Treinar em jejum queima mais gordura?
Publicada por Roberto Fiuza | sábado, 22 de outubro de 2011 | |
A generalidade da literatura considera que o treino com as reservas de glicogénio ao máximo melhora a performance desportiva mas, o treino num estado de depleção destas reservas também pode provocar adaptações positivas.
O efeito agudo da prática de actividade física em jejum, comparada com um estado “alimentado”, para uma mesma intensidade e duração, consiste na estimulação da oxidação de ácidos gordos tanto dos depósitos intramiocelulares (Bock et al, 2005) como dos periféricos (De Glisezinski et al, 1998). Concomitantemente, a velocidade da oxidação dos hidratos de carbono é reduzida devido à menor utilização da glicose sanguínea.
O efeito crónico do treino em estado de depleção do glicogénio não é tão bem conhecido como o efeito agudo, mas pensa-se que induz adaptações nas células musculares que facilitam o fornecimento de energia através da oxidação de gorduras, mantendo no entanto a capacidade óptima de utilização do glicogénio em episódios de maior intensidade (De Bock et al, 2008).
O jejum é caracterizado por concentrações baixas de insulina (hormona que inibe a lipolise) e altas de epinefrina (hormona catabólica que promove a utilização de gordura como substrato energético) (Van Proeyen et al, 2011) criando assim um ambiente bioquímico que favorece a utilização dos ácidos gordos como fonte de energia, de modo a poupar o glicogénio. O treino em jejum é então um modo válido para queimar mais gordura e pode inclusivamente induzir adaptações favoráveis à performance de desportos de resistência cardiovascular como o ciclismo ou atletismo fundo ou meio-fundo.
De Bock K, Richter E, Russell A, Eijnde B, Derave W, Ramaekers M, Koninckx E, Leger B, Verhaeghe J, Hespel P (2005). Exercise in the fasted state facilitates fibre type-specific intramyocellular lipid breakdown and stimulates glycogen resynthesis in humans. J Physiol 564: 649–660.
De Bock K, Derave W, Eijnde B, Hesselink M, Koninckx E, Rose A, Schrauwen P, Bonen A, Richter E, Hespel P (2008) Effect of training in the fasted state on metabolic responses during exercise with carbohydrate intake. J Appl Physiol 104: 1045–1055.
De Glisezinski I, Harant I, Crampes F, Trudeau F, Felez A, Cottet-Emard J, Garrigues M, Riviere D (1998). Effect of carbohydrate ingestion on adipose tissue lipolysis during long-lasting exercise in trained men. J Appl Physiol 84: 1627–1632.
Van Proeyen K, Szlufcik K, Nielens H, Ramaekers M, Hespel P (2011). Beneficial metabolic adaptations due to endurance exercise training in the fasted state. J Appl Physiol 110: 236–245.
http://ocromodoferro.blogspot.com.br/2011/10/treinar-em-jejum-queima-mais-gordura.html
Ademais, colocarei a seguir algo que pode ser uma lenda urbana de fisiculturistas, mas que não deixa de ser surpreendente que eles afirmem isso. Bem, estava lendo um livro sobre dieta de jejum intermitente do editor da revista Men´s Health, David Zinczenko, autor de
Dieta das 8 Horas (Editora Sextante), e vi isso:
Mark Mattson, Ph.D., do Instituto Nacional sobre Envelhecimento, acredita que alimentar-se durante um período limitado de tempo todos os dias e exercitar-se sejam a ferramento mais poderosa já descoberta para queimar gordura. Há muitos indícios nos fisiculturistas de que é melhor se exercitar no final do período no qual você não se alimentou", afirma. "É melhor para desenvolver músculos".
Outra informação. Diz-se que dietas de restrição de carboidratos (mais especificamente o "very low carb", mas também poderia ser o jejum intermitente) estabelecem o estágio para uma perda significativa de massa muscular porque o corpo recruta aminoácidos da proteína muscular para manter a glicose no sangue através da gliconeogênese. Porém, esse artigo científico mostra experimentos em que pessoas com dieta very low carb preservaram a massa muscular ao mesmo tempo em que perderam massa gorda (interessante notar que o artigo mostra os quatro possíveis mecanismos criadores dessa preservação):
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1373635/Segundo já li também, o acadêmico Stephen Phinney já demonstrou, no artigo
Ketogenic diets and physical performance
do periódico
Nutrition & Metabolism, que indivíduos que mudaram para dietas cetogênicas podem recuperar o desempenho atlético (resistência física e capacidade aeróbica) após ficarem "cetoadaptados". A adaptação à cetona levaria em torno de 6 semanas, segundo já li no no livro
Fisiologia do Exercício de Steven Fleck e William Kraemer.
Talvez esses mecanismos expliquem o fato de terem existido ancestrais humanos do Paleolítico tão magros e musculosos, a despeito de a natureza restringirem carboidratos para eles numa forma que os manuais bem comportados de nutrição/fisiologia do exercício desaconselhariam. Acho que uma adaptação eficaz nos nossos ancestrais seria uma fisiologia que, quando eles estivessem em déficit calórico, essas calorias a menos significassem quase exclusivamente perda de gordura. E quando a energia que entra fosse maior do que a que sai, o excedente de calorias majoritariamente servisse para construir massa muscular. A maioria dos manuais bem comportados e dos profissionais de educação física sugerem que é dificílimo, simultaneamente, ganhar músculo e perder gordura. Talvez isso seja verdade somente para quem usa a estratégia de high carb o tempo todo (40% ou mais de carboidratos nas calorias diárias e sem jejum intermitente, por exemplo), que é o que é frequentemente aconselhado em reportagens de fitness em grandes portais e revistas de grande circulação.