Eu creio muito que é um tipo de "temperamento" sim, mas um "temperamento racional" e não emocional. Acredito que pessoas de temperamento frio e superficial são, por assim dizer, mais "antipáticas" às dimensões mais amplas e profundas da vida, da existência e da alma, sendo ateias. É como se fossem um tipo de "autistas da alma", não saberia bem definir. As pessoas de temperamento mais contemplativo, mais reflexivas, são mais espiritualizadas e percebem aquelas dimensões, indo em busca de suas profundezas.
Excelente comentário, entretanto, preciso adicionar alguns pontos:
A grande maioria dos crentes não o é pelos motivos por ti citados, mas sim por osmose social, adaptação ao meio, conservadorismo e uma forma de se posicionar socialmente de maneira que agrade ao próprio ego, além do fato de que a divindade na qual dizem crer não passa de uma projeção que fazem a partir de si mesmos, de seus atributos humanos como orgulho e ressentimento. Assim sendo, tornar-se ateu em uma sociedade como essa, na qual você é doutrinado e bitolado pela religiosidade de massa, me parece não apenas fruto de reflexão e consciência como também de busca individual pela transcendência, que já começa no fato do indivíduo levantar questionamentos e estar se desconectando da matrix do próprio status quo em que vive. O contrário é verdadeiro em países de maioria ateia materialista, como nos nórdicos, onde o ateísmo vai se tornando senso comum e os verdadeiros buscadores vão se reconectando com o paganismo, panteísmo e com a natureza, ou em países que foram ideologicamente marxistas como a URSS, por exemplo, no qual as pessoas se conectaram, apesar de perseguidas, com o xamanismo ou formas de misticismo.
Outro fator é que, levando em conta que o senso comum de divindade (demiurgo, entes folclóricos e mitológicos, etc) tem pouco ou nada a ver com o absoluto (o Logos grego, o Tao chinês, Brahman, etc), então não faz lá tanta diferença que haja ou não a presença de divindades em um determinado sistema de transcendência. Pelo contrário - o reconhecimento das divindades como projeções humanas pode constituir um aspecto fundamental do caminho do despertar. Para se relacionar com o "verdadeiro Deus", O Todo de Marco Aurélio e do Hermetismo, é imprescindível se lapidar antes de todas as próprias expectativas a respeito das coisas divinas, que não passam, no fundo, de ilusões e apego.
Isso me leva a crer que não existe maior superficialidade de temperamento do que simplesmente adotar, por osmose, as crenças e dogmas do próprio meio no qual se encontra, e, para a nossa realidade, que é supersticiosa e bitolada, o ateísmo me parece indubitavelmente um primeiro passo para um processo verdadeiro de expansão da consciência. O único problema é que a maioria das pessoas, ao abandonar as religiões e as opiniões de massa, pode parar por aí, achando que "ninguém tem a verdade", ou que "a verdade não existe", parando de cultivar sua subjetividade e estagnando no caminho que conduz à transcendência. O ateu de temperamento frio e indiferente pode substituir o vazio deixado por Deus por política, economia, marxismo, alienação, consumismo, qualquer besteira do tipo, e então estagnar.
Pesquisando na história da Arte e da Filosofia, encontrará inúmeros nomes de ateus e agnósticos, e o motivo disso é que o ateísmo e o agnosticismo provocam, por si, o questionamento a respeito da existência, um grau maior de consciência do que simplesmente se adaptar e obedecer às instituições vigentes. O ateísmo pode, por si, conduzir ao existencialismo, ao niilismo e outras reflexões mais profundas sobre a condição humana. Eu, que já trilho a senda mística há 8 anos, de todos os ensinamentos e lugares pelos quais já passei, confesso que o mais marcante foi a iniciação em mahayana que recebi de um professor ateu da escola Sotozen, que me fez perceber o quanto das crenças, práticas e buscas por "experiências" não passavam de ilusões e expectativas do próprio ego, e sobre como isso cortava a sua conexão com a experiência direta da realidade, substituindo-a por uma sistematização fantasmagórica da mesma que não é senão uma extensão de sua própria relação com o mundo.
Não sou ateu, talvez panpsiquista ou neoplatônico, mas nem vou me aprofundar nisso já que seria muito difícil explicar minhas visões místicas e experiências para as pessoas aqui do fórum, que logo me tomariam por louco e zombariam. Entretanto, acredito na absoluta irrelevância da presença ou ausência do conceito de divindade no que se refere ao trilhar de uma senda de consciência e despertamento e, entre as pessoas mais antipáticas com a profundidade da vida que já conheci, estavam justamente aqueles mais imersos e bitolados em fanatismo e autoafirmação.