http://www.ambito-juridico.com.br/site/n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8487"Quebrando tradição secular de nosso Direito Penal brasileiro, a Lei Ordinária Federal n. 12.015, de 07 de Agosto de 2009, publicada no Diário Oficial da União do dia 10 do mesmo mês e ano, promoveu profunda e inédita alteração no Art. 213 do Código Penal, e, de quebra, revogando o Art. 214 do mesmo Diploma.
Eis as alterações:
“Estupro:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§2º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos”.
Para uma melhor compreensão da inovação legislativa trazida à baila, transcreve-se, também, a redação originária do dispositivo incriminador acima, que era vazada nestes termos seguintes:
“Estupro:
Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:
Pena - reclusão, de seis a dez anos”.
De um simples cotejo da redação dos dispositivos legais reproduzidos, a originária e a agora vigente, percebe-se, claramente, que a elementar do tipo do delito de Estupro, que revelava o seu sujeito passivo, “mulher”, foi substituída pela expressão “alguém”.
Revelando que, em vista disto, o sexo do ofendido será indiferente para a caracterização do crime de Estupro. Que, agora, como visto, pode ser cometido tanto contra a mulher, como também contra o homem.
A própria revogação do Art. 214 do Código Penal, deslocando parte de suas elementares para o delito do Art. 213 desse mesmo Diploma repressivo, qual seja, “ato libidinoso”, sob o mesmo e único nomem juris de “Estupro”, não desafia qualquer dúvida ao intérprete.
A revogação do Art. 214 não deixará ao desamparo jurídico-penal aquela vítima do cancelado delito de Atentado Violento ao Pudor, que consistia no constrangimento violento à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Uma vez que tanto a conjunção carnal não consentida, assim como qualquer “outro ato libidinoso” forçado, através da violência ou da grave ameaça, restaram tutelados em um único dispositivo penal, sem importar em hipótese de abolitio criminis.
O que, provavelmente, despertará grande perplexidade na comunidade jurídica nacional, será a definição do que agora seja “conjunção carnal”. A expressão “outro ato libidinoso” prevista na parte final do novo Art. 213, ao contrário do que se possa imaginar, não facilitará uma imediata solução para o impasse criado pela Lei n. 12.015/2009.
Se a expressão “conjunção carnal” fosse unicamente reveladora da cópula vaginal, ou seja, a introdução do pênis na cavidade vaginal da mulher, não seria necessária a outrora presença da elementar “mulher” na redação original do Art. 213 do Código Penal. É regra principiante em Direito que a Lei não contém expressões inúteis. Se a tão-só introdução do pênis na cavidade vaginal da mulher, mediante violência ou grave ameaça, traduzisse a definição de conjunção carnal para a configuração do Estupro, bastaria que o tipo do Art. 213 enunciasse “constranger à conjunção carnal”, como, mutatis mutandi, faz o vigente Art. 123 do Código Penal, que tipifica o crime de Infanticídio (Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após), sem fazer menção ao sexo de seu sujeito ativo (agente), uma vez que só a mulher pode estar “sob a influência do estado puerperal”.
Poderá se argumentar que a elementar “mulher”, insculpida na redação originária do Art. 213, consistiu em expressão baldada proposital, necessária para a consolidação do que seja conjunção carnal para o legislador de 1940, repudiando, assim, sua extensão ao coito anal. E que sua presença no atualíssimo Art. 213, do modo como redigido, já possui sua definição precisa (conjunção carnal = cópula vaginal), descartando-se, hoje, a necessidade da complementação do núcleo “constranger” pela partícula “mulher”, evitando-se, por esse modo, a redundância de palavras. Reservando-se cientificamente o coito anal para a elementar da prática de “outro ato libidinoso” disposta no final da nova redação do Art. 213. Estupro, assim, seria espécie de violação da dignidade sexual, tendo a conjunção carnal (cópula vaginal) e a prática de ato libidinoso diverso (coito anal) como suas subespécies. Preservando-se, assim, toda a dogmática penal do Século passado, mas, em vista disto, tolerando agora a possibilidade da continuidade delitiva do Art. 71 do Código Penal (crimes da mesma espécie).
Outros poderão alegar que o legislador de 1940, mesmo concebendo a possibilidade do coito anal configurar a conjunção carnal, optou por tutelá-lo juridicamente sob outra rubrica, a do “Atentado Violento ao Pudor”, revelando o sincero desprezo e aversão da época às livres práticas homossexuais. Desejando, destarte, deliberadamente, o legislador da época que a cópula vaginal e o coito anal recebessem tratamento apartado. Afinal, extinguia-se a punibilidade pelo casamento do agente com a vítima mulher, nos crimes contra os costumes, e não pela existência de relação homoafetiva entre homens, a revelar a repulsa do legislador da época ao coito homossexual consentido, entre vítima e o seu ofensor do sexo masculino, mesmo posteriormente ao delito e com coabitação harmoniosa, que não se convertia em causa de extinção da punibilidade, muito menos por política criminal. Assim, para alguns, enquanto no ordenamento jurídico positivo brasileiro não for expressamente reconhecida e tolerada as práticas homossexuais, principalmente pela regulamentação e reconhecimento do casamento entre homens, deverá ser temporariamente desprezada pela jurisprudência e doutrina a concepção de coito anal como conjunção carnal, tendo este que provisoriamente ser tutelado semanticamente pela elementar “outro ato libidinoso”, quando perpetrado através de violência ou grave ameaça. Tudo, até nova e já aguardada legislação inovadora, quando, assim, a prática de coito anal mediante violência e grave ameaça deverá ser deslocada para a elementar da conjunção carnal.
Ainda, certa doutrina vanguardista e inovadora, ou mesmo mais liberal, poderá aduzir que a Lei n. 12.015/2009 promoveu verdadeira ruptura com os costumes e concepções da homofóbica sociedade brasileira de 1940. E que a expressão “conjunção carnal” não deverá ser desvendada pela Medicina Legal ou pelo Direito, eis que sua complexa definição seria algo poético, relativo ao sentimento do belo e agradável, ou mesmo compreendida dentro do espírito fantasioso dos românticos. O que na sociedade contemporânea livre e plural de hoje, salva de preconceitos, deverá elastecer a expressão conjunção carnal, traduzindo-a a todo tipo de penetração íntima profunda entre amantes. Acabando por reservar à elementar “outro ato libidinoso” a outras práticas que não a cópula vaginal e o coito anal, como, p. ex., o sexo oral, o coito inter femora, a masturbação, os toques e apalpadas nas genitálias, os contatos voluptuosos, a contemplação da lascívia, dentre outras.
Como se vê, a Lei n. 12.015/2009 trará pontuais indagações ao seu intérprete. Mas, de toda sorte, extinto o delito de Atentado Violento ao Pudor, deslocada sua expressão “ato libidinoso” para o novo Art. 213 do Código Penal, tudo sob a mesma rubrica de “Estupro”, concluímos que, hoje, o homem também pode ser “estuprado”. Revelando, aí, ligeiro concurso formal, tratado no Art. 70 do Código Penal, uma vez que teremos dois bens jurídicos violados, mediante uma só ação do agente, quais sejam, a liberdade sexual da pessoa e, também, a língua portuguesa."
http://ceticismo.net/2009/08/07/uma-nova-atrocidade-na-africa-o-estupro-de-homens-por-homens/Me perdoem a antiguidade da notícia (2009) mas servirá como exemplo.
"Eram cerca de 23h quando homens armados invadiram o barraco de Kazungu Ziwa, encostaram um facão ao seu pescoço e o fizeram baixar as calças. Ziwa é um homem pequenino, com altura de apenas 1,38 metro. Tentou reagir, mas diz que foi rapidamente dominado.
“Depois, eles me estupraram”, conta. “Foi horrível, fisicamente. Fiquei atordoado. Meus pensamentos se dispersaram”.
Por anos, as colinas densamente arborizadas e os lagos de águas claras e profundas do leste do Congo têm servido de cenário a atrocidades. Agora, parece que surgiu mais um problema que vem ganhando intensidade: o estupro de homens por homens.
De acordo com organizações assistenciais como a Oxfam e Human Rights Watch, com funcionários da ONU e com representantes de diversas organizações assistenciais congolesas, o número de homens estuprados aumentou fortemente nos últimos meses, como resultado de operações militares conjuntas empreendidas por Congo e Ruanda contra as forças rebeldes na região, que resultaram em violência atroz contra civis.
Os trabalhadores de organizações assistenciais encontram dificuldade para explicar a alta súbita no número de casos de estupro contra homens. A melhor resposta, dizem, é que a violência sexual contra homens representa ainda outra maneira de os grupos armados humilharem e desmoralizarem comunidades congolesas, forçando-as a se submeter.
As Nações Unidas já definem o leste do Congo como principal foco mundial de estupros, e a secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton deve conversar com sobreviventes ao visitar o país, na semana que vem.
Centenas de milhares de mulheres sofreram agressões sexuais por parte dos diversos grupos armados que infestam as colinas, e no momento a área está atravessando um de seus mais sangrentos períodos em anos.
As operações militares conjuntas envolvendo forças do Congo e Ruanda, vizinhos e até recentemente ferozes inimigos, tinham por objetivo eliminar o problema dos rebeldes na região da fronteira entre os dois países e dar início a uma nova era de paz e cooperação. As esperanças cresceram depois da rápida captura de um general renegado que havia derrotado forças do governo congolês e ameaçava marchar contra a outra metade do país.
Mas as organizações assistenciais afirmam que as manobras militares causaram horrendos ataques para vingança, e mais de 500 mil pessoas terminaram expulsas de suas casas; dezenas de aldeias foram queimadas e centenas de seus moradores massacrados, entre os quais crianças pequenas arremessadas às chamas.
E a culpa não está sendo atribuída apenas aos rebeldes. De acordo com grupos de defesa dos direitos humanos, soldados do exército congolês estão executando civis, estuprando mulheres e recrutando aldeões como carregadores de sua comida, munição e equipamento, pelas trilhas das selva. Isso muitas vezes representa uma marcha da morte, em meio a uma das mais belas paisagens tropicais africanas, que serve de cenário a uma guerra devastadoramente complicada já há mais de uma década.
“De uma perspectiva humanitária e dos direitos humanos, as operações conjuntas são desastrosas”, disse Anneke Van Woudenberg, pesquisadora da Human Rights Watch.
Os casos de estupro de homens ocorreram em uma área de centenas de quilômetros de extensão e podem incluir centenas de vítimas. A Associação dos Advogados dos Estados Unidos, que opera uma clínica de tratamento de violência sexual em Goma, diz que mais de 10% dos casos que a unidade atendeu em junho envolviam homens.
Brandi Walker, que trabalha para uma organização de assistência no hospital de Panzi, perto de Bukavu, diz que “em todo lugar onde vamos, homens também estão sendo estuprados”.
Mas ninguém conhece o número exato. Os homens do Congo, como os de qualquer outro lugar, relutam em apresentar denúncias. Diversos que o fizeram contam que foram imediatamente rejeitados em suas aldeias, e se tornaram figuras solitárias e ridicularizadas, apelidadas derrisoriamente de “esposas do mato”.
Desde que foi estuprado, semanas atrás, Ziwa, 53 anos, demonstra pouco interesse pela veterinária, seu trabalho há anos. Caminha mancando (sua perna esquerda foi esmagada no ataque), usando um jaleco branco de laboratório no qual a palavra “veterinário” aparece grafada em tinta vermelha, e carrega com ele algumas poucas pílulas do tamanho de bolachas, que usa para tratar de ovelhas e cachorros.
“Basta pensar no que aconteceu para que eu me sinta cansado”, diz.
O mesmo vale para Tupapo Mukuli, que disse que foi segurado de barriga para baixo no chão e estuprado por um grupo de homens em sua plantação de mandiocas, sete meses atrás. Mukuli agora é o único paciente homem internado na enfermaria para vítimas de estupro no hospital de Panzi, que abriga centenas de mulheres em recuperação de ferimentos sofridos quando foram estupradas. Muitas delas tricotam roupas e fazem cestas de palha, para tentar ganhar algum dinheiro enquanto seus corpos se curam.
Mas Mukuli fica de fora.
“Não sei fazer cestas”, diz. Por isso, passa seus dias sentado sozinho em um banco.
Os casos de estupro contra homens são apenas uma fração dos que envolvem mulheres. Mas, para os homens envolvidos, dizem os trabalhadores assistenciais, a recuperação se prova ainda mais difícil.
“A identidade masculina está vinculada a poder e controle”, diz Walker.
E em um lugar no qual a homossexualidade é considerada tabu, o estupro acarreta dose adicional de vergonha.
“As pessoas riem de mim”, diz Mukuli. “Na minha aldeia, dizem que não sou mais homens, que os rebeldes no mato me transformaram em mulher deles”.
E os trabalhadores aqui dizem que a humilhação é ocasionalmente tão severa que as vítimas masculinas de estupro só procuram os serviços médicos caso estejam sofrendo de problemas graves de saúde, como inchaço na barriga ou sangramento contínuo.
E há ocasiões em que nem mesmo isso é suficiente. Van Woudenberg contou que dois homens cujos pênis foram amarrados com cordas morreram dias mais tarde, porque tiveram vergonha de procurar ajuda. Os casos de castração também parecem estar em altas, e mais homens vítimas desse tipo de ataque estão surgindo nos hospitais.
No ano passado, a epidemia de estupros no Congo parecia estar se atenuando um pouco, com menos casos denunciados e alguns dos estupradores capturados e condenados. Mas hoje parece que aquele modesto prenúncio de lei e ordem foi completamente apagado.
Da forma pela qual os moradores da região descrevem a situação, a temporada de caça aos civis está aberta. Muhindo Mwamurabagiro, uma mulher alta e graciosa com braços longos e fortes, explicou que estava caminhando para o mercado com amigas quando foram subitamente cercadas por um grupo de homens nus.
“Eles nos seguraram pelo pescoço, nos jogaram no chão e nos estupraram”, ela contou.
Pior, diz: um dos estupradores era morador de sua aldeia.
“Eu gritei: você é o pai de Kondo. Conheço você. Como pode agir assim?”
Uma mãe congolesa afirmou que um soldado da força de paz da ONU estuprou seu filho de 12 anos. Um porta-voz das Nações Unidas disse não estar informado sobre esse caso específico, mas que haviam de fato surgido algumas novas alegações de abuso sexual contra as forças de paz estacionadas no Congo, e que uma equipe de investigação havia sido enviada ao país para tratar dos casos, no final de julho.
Os profissionais de saúde congoleses estão se exasperando. Muitos defendem uma solução política, e não militar, e dizem que as potências ocidentais deveriam exercer mais pressão sobre Ruanda, que muitos acusam de preservar sua estabilidade ao exportar a violência para o lado de lá das fronteiras do país.
“Compreendo que o mundo se sinta culpado pelo que aconteceu em Ruanda em 1994″, disse Denis Mukwege, o diretor médico do hospital de Panzi, em referência ao genocídio naquele país. “Mas será que o mundo também não deveria se sentir culpado pelo que está acontecendo hoje no Congo?”"
A violência sexual é uma forma de dominação; é considerada pelos povos mais primitivos como maneira eficiente de impor-se aos demais pela humilhação.
Aquele que é estuprado jamais esquece. Jamais perdoa.
Não podemos usar de eufemismos quando se trata de violência sexual, mas caberá sempre ao juiz a palavra derradeira; se há diferença entre o estuprador de menores de idade e o "galã" mais assanhado, somente baseado nos autos de um processo se pode decidir. Nem sempre o mais certo, nem sempre o mais justo, pois somos falhos e estamos evoluindo, mas pelo menos não estamos como países onde o estupro é sistêmico, seja em homens ou em mulheres.