1- Como já foi demonstrado nos meus posts, algumas assertivas factuais sobre atitudes do PT perante a FARC envolve absurdo antiético (ex.: oferecer lobby ou proteção política para bloquear punição de crime de narcoterrorista no exterior), e isso, em um importante sentido, por si só já configura crime, independentemente do que a lei diga. Não é a ética que tem que se adaptar a lei, mas sim a lei que tem que se adaptar a ética (e como mostra a doutrina jurídica, mesmo a lei sempre pode ser interpretada à luz do que for mais favorável à ética). Isso já é suficiente como demonstração de existência de crime e ponto final.
2- Tem-se repetindo incessamente o “isso não prova o crime”, mas em nenhum momento foi contra-argumentado eficazmente que não houve indício(s) que permitiria(m) abertura ou aprofundamento de investigações. O gerenciamento de risco na área jurídica obrigatoriamente deveria ser no sentido de prevenir omissões com consequências potencialmente catastróficas, como a que envolveria a conexão criminosa entre um partido legal com alta influência na esfera da política federal e um grupo narcoterrorista internacional influente. Quando há consequências potencialmente catastróficas, mesmo um ativismo paranóico investigativo perante qualquer probabilidade não-negligenciável se justifica. Portanto, é somente um escapismo sofista referir-se a uma “necessidade de presença de evidências totais, e não apenas parciais” para a abertura ou aprofundamento de investigações.
3- No caso PT-FARC-Abin, a equipe de Veja JAMAIS DISSE que “não tinha provas”. O que aconteceu foi somente que Veja teve acesso a seis documentos da pasta da Abin sob a condição de não reproduzi-los (e suponho que mostrar cópia autenticada por tabelião entra no conceito de "reprodução"; e, agora que vi as duas reportagens de Veja na íntegra, percebi que a revista, em ambas, não diz que as cópias de Fraga eram verdadeiras). Mas tais papéis não foram as únicas evidências a que eles tiveram acesso, existiram também as testemunhas que trabalharam na investigação da Abin, incluindo o espião que ouviu a promessa de doação de Medina e o seu superior, o Coronel Eduardo Rodolfo Ferreira, que foi uma testemunha identificada pelo nome (o espião não pode revelar a identidade, pois estava na ativa na época). Numa reportagem da Veja entitulada “Eles sabem de tudo”, foi dito que o espião e o Coronel Eduardo Rodolfo Ferreira disseram que os documentos não eram simplesmente dados abandonados pela agência, por falta de provas ou consistência, como quis fazer supor o General Félix. O espião disse que a Abin considerou a história tão importante que o seu superior da época (o coronel) chegou a sugerir que ele se dedicasse só à espionagem deste caso. Portanto, o Coronel Félix não contou toda a verdade para a comissão de deputados e senadores, no mínimo. Ademais, ainda sobre o coronel Eduardo, tem-se isso:
O coronel contou que, com a ajuda do setor de inteligência da polícia federal, a Abin obteve três ordens de pagamento, somando cerca de um milhão de dólares com indícios de que se tratava de parte do dinheiro das Farcs para o PT. "Não podemos afirmar que era o dinheiro da guerrilha mesmo. Eram indícios. Indícios fortes, mas a investigação parou quando o PT ganhou as eleições"
Todos os desmentidos de pessoas identificadas nas reportagens contrárias vieram de funcionários nomeados por Lula, portanto, vieram de possíveis ou prováveis lacaios do governo petista. O mesmo se poderia dizer do porta-voz oficial da Abin na internet.
Ademais, não há nada de estranho no silêncio da possível equipe restante da Abin que investigou o caso, já que denunciar crime de membros de partido influente na política federal não é “almoço grátis” em termos de risco (as testemunhas do caso Celso Daniel que estão cemitério que o digam), especialmente quando existiu a possibilidade de torcer de longe pegando a carona na coragem de outros que se dispuseram a testemunhar.
Obviamente, há hipóteses divergentes baseado em grupos antagônicos de testemunhas, mas somente a hipótese que aceita a veracidade do testemunho dos funcionários da Abin que investigaram a relação PT-FARC em 2002 tem o poder explicativo para tornar compreensível porque um partido vai ter a atitude pública desgastante de esforçar-se para que um criminoso narcoterrorista não pague pelos seus crimes no exterior. Já a hipótese alternativa, não explica isso e ela será comentada no item 4 deste psot.
Por fim, Buckaroo fez o uso, pela enésima vez, do pífio apelo à autoridade da falta de processo como evidência de ausência de evidência, varrendo para debaixo do tapete as evidências de incompetência das autoridades jurídicas, coisa que permeia intertemporalmente o passado jurídico brasileiro (vide o caso da impunidade e complacência omissiva na investigação de Lula no caso do mensalão). Camada de acobertamento deliberado além da que existe na instituição aparelhada petista nem sempre é uma necessidade explicativa. Isso acontece porque os fenômenos psicológicos de viés da prova social, group thinking e a falta de coragem “racionalizada como prudência” de uma minoria encarregada de desafiar adversários populares e poderosos também podem gerar uma “burrice (quase) consensual” que ocasiona uma falta de processo.
4- Ah, então quer dizer que não é uma coincidência fabulosa um governo com membros simpáticos às FARC darem proteção a interlocutores/membros e parentes? Então, vejo aqui a infinita inocência de acreditar na inverossímil hipótese de que um partido se empenharia na atitude pública desgastante de se esforçar na proteção de impunidade a um narcoterrorista sem haver uma contrapartida de um “toma lá, dá cá”. Por que digo “atitude pública desgastante”? Na própria reportagem de capa da Veja em 2005, o secretário de Relações Internacionais do PT da época, Paulo Ferreira, e o Aloísio Mercadante, reconhecem algo que sugere que defender a FARC é custoso e desgastante. O primeiro já disse que as relações PT-FARC não são amistosas: “Ao contrário. Hoje, nós temos conquistado o ódio da Farc” e “Não há interesse em manter relações com um grupo belicista que, entre outras coisas, usa métodos como o sequestro de civis.” Ferreira disse que a posição do secretário de Relações Internacionais do PT não é unanimidade. Sobre o comitê que apoia as ações da Farc que é integrado e dirigido por militantes do PT, o secretário da época disse: “Essas ligações existem à revelia do partido. Posso dizer que são até criminosas”. Mercadante, na mesma reportagem, diz: “A guerrilha representa tudo que abominamos em termos de política. Não se pode esquecer que o PT já nasceu em oposição à luta armada”.
Em resumo, os crentes de coincidências fabulosas querem nos fazer acreditar em algo análogo à história hipotética de um partido legal que faz lobby para que um membro do Comando Vermelho não pague por seus crimes sem que tal partido receba uma contrapartida estilo “toma lá, dá cá” do narcotráfico, e sendo que já houve um depoimento de espião da Abin que já sugeriu a relação perigosa.
E ainda me vem com essa estória da carochinha de que o PT poderia acreditar que a impunidade de Olivério Medina pudesse ser um ponto de virada na resolução da guerra civil na Colômbia. A respeito disso, digo o seguinte. Trocar impunidade de crimes hediondos e risco para a segurança brasileira por uma esperança de uma negociação dúbia de narcoterroristas com o governo colombiano por si só já é uma atitude criminosa, independentemente do que o PT diga que acredite. Ademais, somente um grau avançado de demência não permite reconhecer, para qualquer um que se aprofundou em investigar o assunto, o extremo perigo para a segurança nacional de abrigar um narcoterrorista de uma quadrilha que tinha tentáculos muito influentes no Brasil na década de 2000. Como escreveu Reinaldo Azevedo no artigo “AS FARC NO BRASIL, E OLIVÉRIO MEDINA, UM CHEFE”, o jornal colombiano
El Tiempo mostrou, com farto material publicado, que, em 2008, a Farc não só tinha 400 grupos espalhados em 7 países da América Latina, mas também que a principal estratégia dos terroristas era enviar representantes que ganham status de refugiados políticos. Medina era reconhecido por trocar cocaína por armas e também por fazer recrutamento de simpatizantes. É claro que os crentes de coincidências fabulosas vão dizer que o PT nada sabia disso, e que não faziam sequer ideia de qualquer risco grave no abrigo de um narcoterrorista de uma influente e internacional quadrilha. Segundo esse raciocínio, o PT seria um grupo de dementes inocentes, a despeito de toda inteligência maquiavélica que já demonstrou para ser um mal extremamente influente na política brasileira. Dá para acreditar nisso? Ah, dá licença.