Eu duvido que algo que preste comumente saia da boca dessa mulher, mas como mesmo relógio parado está certo duas vezes por dia, e como até Bolsonaro dirá coisas que se possa dizer serem acertadas aqui e ali, desconfio que isso não seja de todo desprovido de sentido, não.
Ele é defensor da idéia simplista de que "tratamento duro" com os criminosos (como redução da maioridade penal) é solução, na verdade se formos comparar com a experiência prática, realmente agrava a situação, cria uma perpetuação do ciclo de violência, se comparado a coisas que conservadores caricaturizariam como "abraçar os bandidos" e etc. Experiências que calham de dar certo até em lugares como o Texas, provavelmente um dos redutos mais inesperados de se encontrar políticas mais "progressivas" depois dos territórios dominados pelo Estado Islâmico. Na verdade é apenas conservador "acima da média" e estados do centro-norte e centro-sudeste são os mais conservadores.
Mas isso não tem nada a ver com o imbroglio Rosário x Bolsonaro.
O Brasil, "esse país onde a Justiça não funciona", já tem uma população carcerária de cerca de 700 mil. Uma das maiores do mundo e que triplicou em pouquíssimo tempo. E ainda assim a criminalidade só faz crescer.
São dados que, além de levar à constatação de que só uma política repressiva não é solução, evidenciam uma característica peculiar da dinâmica do crescimento do crime no Brasil: não está acontecendo apenas porque nosso sistema penitenciário não recupera, porque são escolas de pós-graduação do crime de onde o interno sai Phd em bandidagem... Há um fator ainda mais grave contribuindo para esse caos na segurança pública, que é a forma como se estrutura o chamado crime organizado no Brasil.
O que nós temos aqui é um modelo único; não existe em nenhum outro lugar. Não é como as gangues nos EUA e América Central, não é como os cartéis, não é um modelo de máfia, não é como a atividade criminosa praticada por grupos militarizados, como na Colômbia. O modelo brasileiro de crime organizado nem é tão organizado assim, mas por isso mesmo é o mais difícil de ser combatido. Porque não tem chefe, não tem um Al Capone ou um Pablo Escobar que se possa prender. Não há um general no comando, um território que possa ser tomado.
O que comanda o crime organizado no Brasil são os "estatutos" das facções criminosas. Um tipo de modelo que surgiu no presídio de Ilha Grande, na década de 1970. Hoje quase todos os presídios estão "loteados" e controlados por estas facções, do Rio Grande do Sul a Rondônia. E quando o cara cai no sistema penitenciário, se ele já não pertence a uma facção, para sobreviver no presídio vai ter que ingressar em uma. A partir disso se compromete com o estatuto e se torna mais um soldado da facção.
A garantia de que ele vai passar a contribuir financeiramente e também cumprir as missões que lhe forem dadas, se dá porque quem descumpre o "estatuto", depois de se comprometer, se cair de novo no sistema tá morto. E mesmo se não cair podem mandar alguém atrás. E se não acham o sujeito vão atrás de alguém da família...
É uma realidade aterradora porque quanto mais se prende, mais se aumenta o poder destas facções. Que crescem em número, em poder financeiro e ainda se alastram geograficamente por todo o país. E quanto mais crescem, mais cresce o crime, e quanto mais aumenta a criminalidade mais se prende. E quanto mais se prende...
Esse modelo é tão eficiente que a bandidagem só não assumiu o controle do país ainda porque, graças a
Deus, estas facções vivem em estado perene de guerra entre elas. Dentro e fora das prisões.
Bolsonaro, na melhor das hipóteses, será o último dos imbecis capazes de entender isso. E o último a tomar medidas na direção certa: como flexibilizar a criminalização das drogas e a reforma do sistema penitenciário. Sendo que para a última ele não vai ter dinheiro mesmo. Se eleito sua política para a segurança ou será um desastre, ou tão inefetiva quanto está sendo essa malfadada intervenção militar o Rio de Janeiro.
Só que isso não tem nada a ver com o processo movido contra ele por conta desse episódio. O STJ condenou Boçalnato a indenizar D. Rosário por supostas ofensas, mas ele estava se defendendo de uma ofensa descabida: de ser responsável por fomentar a violência e o crime. Como se ele tivesse poder pra isso!
Agora pode ser até que venha a ter, mas nesse dia a mulher tomou a iniciativa de interpelar Bolsonaro pra dizer essas coisas ridículas. E quando ele, com sua típica lógica bolsonariana, pergunta: "Então a senhora está dizendo que eu sou um estuprador?", ela ainda ratifica. "Sim, você é um estuprador! Você é um estuprador."
Ora, ele iria dizer o quê?
Se fosse uma pessoa inteligente nem teria entrado nessa discussão. Mas como ali estavam dois imbecis...