Uma palavrinha sobre a ciência, a crença e o dogma.
Uma legítima Ciência provê uma certeza absoluta e objetiva, ou seja, que vale para todos nós, gostemos ou não do que nos é revelado.
A crença surge justamente na impossibilidade da Ciência em prover a certeza absoluta e objetiva, e mesmo assim precisamos de um método de orientação subjetiva para decidir a questão incerta. É evidente que o que quer que eu decida a respeito da questão ainda incerta no âmbito da crença só terá um valor subjetivo, válido apenas para mim mesmo, e não posso ter a pretensão de querer fazer isso valer para todo mundo (até porque o que eu creio pode mais tarde se revelar falso).
Quando temos de fato uma Ciência (um conhecimento), dizemos "Eu sei...". Mas quando não temos, podemos dizer apenas "Eu acho..." (que caracteriza a opinião), ou então "Eu creio..." (que caracteriza a crença).
Convém observar que a Ciência tem um caráter de autoridade, de modo que uma vez que uma Ciência (um conhecimento) é revelada, perdemos a nossa liberdade de nos opor ao que ela revela por um autoridade irresistível que se chama evidência (que pode ser empírica ou a priori). Quando Galileu apontou o seu telescópio para Júpiter e evidenciou empiricamente que lá existiam satélites que circundavam o planeta, ninguém mais pôde se opor a isso, e mesmo a Igreja, com todo o poder que tinha na época, nada pôde fazer que não aceitar a revelação do fato após um período de inútil resistência. Hoje não há mais o direito de dizer "eu não acredito que haja satélites em Júpiter", exceto se quisermos representar um papel de tolos.
Talvez um outro exemplo torne mais claro o caráter de autoridade de uma Ciência mediante demonstrações ou provas empíricas. Suponha que um filho meu se torne suspeito de cometer um crime. Por enquanto existe somente a suspeita, ninguém ainda provou nada, não há ainda um conhecimento do que realmente ocorreu. Eu pergunto ao meu filho se ele é culpado e ele alega inocência, diz que as suspeitas são infundadas e que sua inocência será provada. Enquanto não houver provas finais e cabais de que o meu filho cometeu esse crime, enquanto não houver uma "ciência" do fato, enquanto o que realmente aconteceu não for conhecido, eu mantenho o meu direito de continuar acreditando no meu filho e de sustentar que ele é inocente. E como a crença é subjetiva, outros poderiam de mim discordar e acreditar que o meu filho é culpado.
O Estado de Direito também só pune mediante provas cabais e finais da culpabilidade. Um autêntico Estado de Direito não pune com base em crenças, não importando a quantidade de pessoas que acreditem que o meu filho é culpado. Não bastam convicções, é necessário provas. O direito de punir surge apenas com a "ciência" (com as provas, com o conhecimento) de que o suspeito realmente cometeu o crime.
Vamos supor então que no meio das investigações apareça uma filmagem de uma câmera de segurança de um posto de gasolina, ou de um prédio nas redondezas, ou mesmo de um celular de um transeunte, que mostre claramente o meu filho cometendo aquele crime. Ora, neste momento adquiriremos uma ciência do fato e o meu direito de continuar acreditando na inocência do meu filho desaparece num piscar de olhos. Não importa se eu quero ou não aceitar, não importa que o meu mundo irá desabar, não importa o quanto eu ainda queira continuar acreditando que o meu filho não só não é um criminoso como também não é um mentiroso, pois a autoridade da evidência vai me forçar a aceitar aquilo que eu jamais na minha vida gostaria de me ver obrigado a aceitar. O Estado também, neste mesmo momento, ganha legitimidade para punir o meu filho pelo crime que Ele agora sabe (e não mais apenas crê) que ele cometeu.
A verdadeira Ciência, portanto, nos obriga a todos à adesão ao que ela nos revela, e por isso é preciso o máximo de cuidado, responsabilidade e discrição antes de chamar qualquer coisa de "científica", porque isso provavelmente vai afetar a liberdade e o direito dos outros homens. Quando há a Ciência, o direito à crença (no caso específico) desaparece. Mas onde a Ciência ainda não se fez ou não se fará presente como conhecimento, temos liberdade para preencher as lacunas com nossas crenças e convicções subjetivas, desde que tenhamos consciência e um discurso de que são somente crenças.
Mas e o dogma? Onde é que ele entra nisso?
Há várias formas de definições equivalentes para dogma. Mas uma definição que representa bem a ideia que quero transmitir aqui é a de que dogma é a crença que quer se disfarçar de Ciência.
O dogmático tem muita convicção sobre o ponto que defende e entende que se fosse universalmente aceito isso seria um grande bem para a humanidade como um todo. Mas infelizmente a natureza não colabora e não fornece a ele a prova ou a demonstração necessária para, com autoridade, obrigar a humanidade à adesão ao ponto defendido. O que faz então o dogmático? Por meios sofísticos e subtis, ele dá uma "forçadinha" na argumentação para disfarçar de Ciência aquilo que nada mais é do que sua crença subjetiva. E com qual objetivo? Obrigar a humanidade a aceitar os seus postulados.
Portanto, enquanto que a verdadeira Ciência tem um caráter de autoridade, o dogma tem um caráter autoritário, ou seja, ele quer ilegitimamente dobrar a humanidade à adesão aos seus pontos de vista, seja por imposições legais, seja por constrangimentos morais (ao fazer, por exemplo, uma crença passar por ridícula).
Dessa forma, por exemplo, quando alguns cientistas falam na mídia que a seleção puramente natural seria cientificamente comprovada, ou que experimentos científicos comprovariam que o livre-arbítrio do homem é uma mera ilusão, o que esses cientistas na verdade querem? Ora, a teoria da seleção puramente natural é uma teoria que, se for realmente verdadeira, seria a derradeira refutação do livre-arbítrio do homem e da existência de Deus (como inteligência). O que esses digníssimos homens querem, de fato, com essas pseudoevidências científicas é forçar a humanidade a abandonar a sua fé em Deus e no livre-arbítrio do homem, porque esses são postulados básicos da Religião, eles já se convenceram que a Religião faz mal à humanidade e por isso querem forçá-la, em nome e com a autoridade da Ciência, a renunciar à Religião. É apenas esse desejo autoritário que move essas pessoas. Não fosse por isso eles se contentariam em simplesmente não crer em Deus ao invés de disfarçar as suas crenças de Ciência.
Os filósofos teístas e espiritualistas não fazem melhor. Quando vemos, por exemplo, o Dr. William Craig em seus debates tentando demonstrar a existência de uma primeira causa do mundo (Deus), ou quando vemos os adeptos do design inteligente (os chamados "inteligentistas") tentando arranjar evidências de uma finalidade em certos artefatos na natureza, ou quando vemos espíritas (e olha que eu sou espírita) tentando provar cientificamente a reencarnação e a imortalidade da alma, o que todos eles querem afinal? Ora, a teoria do design inteligente, se verdadeira, seria a derradeira prova da existência de Deus (como inteligência) e do livre-arbítrio do homem. O mesmo se pode dizer dos argumentos do Dr. Craig. E uma prova da reencarnação pretende ser uma prova da existência e da sobrevivência da alma. O que esses digníssimos filósofos e cientistas querem então, de fato, com essas pseudoevidências científicas ou filosóficas, é forçar a humanidade a aceitar a existência de Deus, o livre-arbítrio do homem, a imortalidade da alma, a reencarnação, etc., e a renunciar ao ateísmo e ao materialismo, porque, ao contrário dos ateus e materialistas, esses homens se convenceram que esses postulados (da Religião) são bons para a humanidade e por isso não querem aguardar a adesão livre do povo como fé, mas querem apressar o processo e forçá-la, em nome da Ciência, a aceitar esses postulados como se fossem descobertas científicas ou filosóficas. É apenas esse desejo autoritário que move essas pessoas. Não fosse por isso eles se contentariam em simplesmente crer em Deus e no livre-arbítrio do homem, etc., ao invés de tentarem disfarçar a sua fé de Ciência.
Vemos, portanto, que não há diferença, em essência, do dogmatismo teísta/espiritualista para o dogmatismo ateísta/materialista, pois ambos compartilham o mesmo caráter autoritário. E ambos têm o interesse de favorecer certas teses em detrimento de outras, primeiro procurando pelas evidências legítimas que os permitiriam forçar as consciências humanas à adesão. E quando não encontram essas evidências legítimas, inventam pseudoevidências, ou sejam, criam uma pseudociência, um dogma, a fim de tentarem levar a cabo esse objetivo de forçar, agora ilegitimamente, as consciências humanas em direção àquilo que eles já julgaram e decidiram que seria "justo e bom".
O Sean Carroll deveria tomar um pouco mais de cuidado quando falar em nome da ciência, e talvez preferir uma posição mais humildade, do tipo “eu não creio em Deus, na alma ou em sua imortalidade”, ou ainda “eu creio que Deus não existe, nem alma, nem imortalidade”, ao invés de dizer tão categoricamente (e falaciosamente) que “Deus, alma e imortalidade não existem”.