A defesa do socialismo é, inescapavelmente, uma apologia da violênciaHá uma piada mais ou menos assim:
Dois caipiras andavam pela estrada quando um deles quase pisou num objeto estranho. O outro o interrompeu e apontou para aquilo que ele achava ser estrume.
'Eu te salvei de pisar nessa m...! ', exclamou.
O caipira que foi salvo respondeu: 'Isso não me parece m..., apesar de ser marrom. Acho que é chocolate ou alguma coisa assim'.
E então eles começaram a discutir e resolveram decidir se era esterco ou chocolate pegando um naco daquilo e comendo pra provar. Descobriram que não tinha gosto de chocolate.
'Ocê tinha razão! Ainda bem que a gente comeu m..., senão a gente teria pisado nela!'.
E saíram se vangloriando do sucesso de sua experiência empírica.
De maneira semelhante, muitos tentam ver o lado bom de uma revolução socialista ter acontecido na Rússia. "Assim, temos certeza de que economia planificada não dá certo." Ou comentam, com razão, sobre o "laboratório" das alemanhas ou das coreias.
Qualquer pessoa em sã consciência e intelectualmente honesta há de reconhecer que o lado capitalista (ou menos intervencionista) apresentou muito mais qualidade de vida e liberdade que o lado socialista.
Mas, um momento. Por um acaso a importância de saber a priori que o socialismo é improdutivo e ditatorial não estaria justamente em utilizar esse conhecimento em um debate com esquerdistas e, assim, evitar que a nação passasse por privações econômicas e por um genocídio? E não foi justamente isso o que aconteceu com os países socialistas? Como podemos nos alegrar por saber que exatamente aquilo que nossos argumentos tentaram evitar não foi impedido?
O fato é que grandes massas da Rússia, da China e de Cuba, por completo desconhecimento das implicações de se ter uma economia planificada, aderiram aos movimentos revolucionários socialistas, o que significa que os pensadores liberais e conservadores desses países fracassaram em espalhar suas ideias.
"Mas sem essas experiências empíricas, será que o socialista não teria ainda mais força no debate, já que não teria casos reais dos quais se envergonhar? E como poderíamos provar que as ideias dele estão erradas, sem esses 'laboratórios'?".
É aí que entra o raciocínio crítico. Como já diria o narrador do Telecurso 2000: vamos pensar um pouco.
Criando cenário
Vamos conjecturar sobre o que deve acontecer para que se consiga coletivizar a economia inteira do país. O foco não será o problema do cálculo econômico sob o socialismo, que mostra como esse plano gera uma irracionalidade na alocação de recursos. O que queremos ver agora é: o que deve ser obrigatório para um regime que busca ser socialista?
Imagine que você é um esquerdista bem-intencionado e idealista. Acredita que se deve primeiro ter um estado máximo que dissolva as classes sociais e torne todos iguais. Esse é o socialismo. Cumprida essa parte, passaremos para o comunismo, e esse mesmo estado máximo se extinguirá e a sociedade não terá classes nem posses e nem estado. Ou seja, haverá uma anarquia igualitária. Deixemos de lado o quão utópico é acreditar que todos permaneceriam iguais, estáticos, como se fossem robôs, sem o uso da força. Tenhamos paciência.
Agora, pense no que deverá acontecer para você conseguir estatizar toda a economia, conforme prega o socialismo. Pergunte-se:
"Como posso fazer o estado ter o controle sobre todos os meios de produção?"
Bem, você terá que dominar o estado, estar em seu comando. É mais comum haver uma revolução armada, mas você também pode se eleger democraticamente, por meio de um discurso de luta de classes.
"Uma vez que eu me torne chefe-de-estado, como posso tomar controle das propriedades privadas dos burgueses?"
Muito simples. A ideia dos comunistas de primeiramente agigantar o estado e usá-lo para socializar os meios de produção para depois, de alguma forma, acabar com o próprio estado, era justamente se aproveitar do aparato de coerção estatal. Você, líder socialista, deve usar a força bruta para tomar posse das fábricas e de todos os bens de capital, em geral. Não importa se você é revolucionário ou foi democraticamente eleito. É exatamente isso o que deve ser feito, se quiser garantir que tudo seja controlado pelo estado, que está sob seu domínio.
Sim, a tomada dos meios de produção será violenta. De que outra forma o estado conseguiria ter controle de todos os ativos do país? Uma desapropriação seguida de indenização, talvez. Só que, sendo um socialista que acredita na causa, é improvável que você queira se sujeitar a dar alguma compensação àquele maldito burguês.
Mas, digamos que, em nome da paz, você aceite comprar dele a empresa, pacificamente. Ok, mas e se alguém não aceitar nenhum valor que seja oferecido? Ou será que, no país inteiro, todos vão aceitar pôr à venda sua propriedade? Se alguém quiser continuar mantendo suas posses, você não vai querer correr o risco de entrar na História como um mero social-democrata que fez tudo pela metade.
Considerando que a intenção desse exemplo é mostrar o que acontece ao se planificar a economia, você deve levar até o fim o seu ideal. Terá de usar as forças armadas para tomar de assalto todas as instalações fabris e fazendas.
Agora, sim, o estado poderá decidir o que será feito com os bens de produção, seja industrial ou agrária. Veja: você terá de abrir mão de qualquer pacifismo se quiser socializar a economia.
"Agora que eu já estatizei toda a economia, o que impede os cidadãos do país de tentar abrir o próprio negócio e se tornar um explorador de mais-valia?"
Aí está outro problema. Você terá de manter o exército socialista — ou melhor, a sua milícia armada revolucionária — em alerta contínuo. O estado não pode simplesmente deixar que as pessoas tentem produzir bens por conta própria, pois isso contraria o princípio fundamental do socialismo. Tudo o que for produzido, de aviões a alfinetes, terá de ser feito pelo estado.
Logo, haverá uma situação de eterna vigilância, na qual sempre se usará a força bruta para fechar negócios clandestinos. É como se a guerra às drogas fosse ampliada para todos os setores da economia, não apenas aos narcóticos.
Ou seja: o país será um ambiente militarista, onde o estado, para ter o controle total da economia, terá de ser totalitário. Sim, chega a ser ridículo de tão redundante. É como explicar que o círculo é circular. Como você poderia esperar que houvesse um estado máximo que não fosse ditatorial? Mesmo que o líder socialista tenha sido eleito democraticamente, ele terá de acabar com o que resta de liberdade ao ter controle sobre a economia.
Você, que acredita em independência entre os três poderes e oposição forte para manter o equilíbrio das instituições, pense. Será possível manter esse sistema de freios e contrapesos se a economia for centralizada? Imagine o Judiciário dependente de recursos materiais e financeiros, controlados pela burocracia central. O mesmo vale para a oposição.
A diferença entre alguém que socializa o sistema por dentro, pelas próprias vias legais, e alguém que faz uma revolução, é que o primeiro não tem uma data em que se possa precisar o momento em que o país passou a ser socialista. Quando os rebeldes ganham uma guerra civil, fica claro. Mas no caso de um governante que, pouco a pouco, nacionaliza cada setor, é difícil definir quando passou de meramente intervencionista para, de fato, socialista.
A Venezuela, por exemplo, já é uma ditadura, ainda que idiotas úteis neguem porque "lá tem eleições". Não é surpreendente que haja tanta repressão. Se quase toda a produção já é estatizada, é natural que Maduro precise ser linha-dura com todos os revoltosos que sofrem com o típico desabastecimento advindo do problema do cálculo econômico. Mas é difícil definir quando se tornou socialista.
A certeza é que, seja por golpe ou por sufrágio, o governo que estatizar a economia será uma ditadura totalitária. E qualquer um que se oponha é um ser monstruoso por não entender a grandeza do plano do grande líder e merece ser morto. A Grande Fome da Ucrânia, a Revolução Cultural da China e o paredón de fuzilamento em Cuba são casos de matança típicos de um regime que leve a sério a planificação econômica. Nada foi deturpado.
Retomemos a questão do militarismo. Se os países socialistas precisam de um aparato de coerção para mandar na população, é lógico que o clima será sempre beligerante. Qualquer um que for pego comercializando sem estar sob o comando do estado será um traidor da Pátria, alguém que se vendeu ao imperialismo estadunidense. Nem precisa ter feito algo contra o socialismo, na verdade. Muitos idiotas úteis que obedeçam a todas as ordens do comando central podem ser presos por motivos inventados, somente para esse comando usar um bode-expiatório contra quaisquer problemas.
E, para demonstrar todo o seu poder, o país sempre fará grandes desfiles militares em algum feriado nacional. Vários tanques paquidérmicos e caminhões lança-míssil colossais mostram que "a minha arma é maior que a sua". Um tanto freudiano. Veja a URSS, China, Cuba e Coreia do Norte. Será mera coincidência? Será que é porque eles deturparam o socialismo? Qualquer país socialista, obrigatoriamente, será extremamente militarista. Não haveria como manter essa planificação na marra, sem todo esse aparato.
Peter G. Klein
é professor de empreendedorismo na Universidade de Baylor e pesquisador do Ludwig von Mises Institute.
https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2311