Adiamento do trem-bala favorece debate que ainda não houve sobre custo-oportunidade do projeto Com os R$ 33 bilhões da obra dá para duplicar as malhas de metrô de São Paulo e do Rio e aumentar o calado de oito portos Receoso de que pudesse faltar competição, o governo adiou do dia 16 para 29 de abril o leilão para a escolha do consórcio que vai construir e operar o trem-bala entre São Paulo-Rio-Campinas, com estações nos aeroportos do Galeão, de Guarulhos e de Viracopos.
É um projeto grandioso, caro e polêmico, orçado em R$ 33 bilhões, estimativa que pode dobrar, segundo outras fontes, inclusive a da consultoria inglesa que fez o primeiro estudo de massa. A idéia é que a obra esteja pronta até 2015, a tempo de ser inaugurada como vitrine das realizações brasileiras antes das Olimpíadas no Rio.
A repercussão do adiamento tomou o que representa outra chance de discussão sobre a oportunidade do projeto como sinal de recuo do governo diante das pressões dos grupos interessados em disputar a concessão. Houve as duas coisas. Se o leilão fosse mantido no dia combinado, o provável é que se apresentasse apenas o consórcio que reúne o fabricante de trens de alta velocidade, conhecidos por TAV, da Coréia do Sul a empreiteiros e investidores nacionais.
A expectativa é que a obra atraia fabricantes do Japão, França, China e Espanha, países detentores da tecnologia do TAV, assim como a Coréia. Todos foram convidados pelo governo a considerar os termos do projeto, inclusive a premissa de repasse de tecnologia.
As incertezas atribuídas às eleições, mais que desinteresse pelas condições do leilão, explicam a relutância dos grupos potenciais. O projeto tem riscos, o maior dos quais é o de jamais alcançar o ponto de equilíbrio entre a receita e despesa - mais ainda durante o período de amortização do investimento, já considerando o prazo de carência. Mas o governo oferece condições excepcionais.
O consórcio vencedor se habilita a um financiamento do BNDES, com juros favorecidos, de até R$ 19,8 bilhões. A garantia é o próprio ativo, ou seja, a concessão. Insuficiências de receita oriundas de frustração do tráfego poderão ser compensadas, já que, conforme os termos do edital do leilão, há teto para a cobrança de tarifas.
Os riscos de algum modo estão mitigados para o investidor. Para o contribuinte, tais condições são menos claras. Em países com obras desse porte normalmente o empreendimento é 100% estatal, o que faz o custo ficar transparente. Aqui se optou pela empresa privada com financiamento por meio de banco público e garantia estatal, modelo que torna o custo social do projeto muito mais opaco.
As obras com R$ 33 biA questão relevante não é de natureza financeira. O que importa - e ainda está pouco discutido, especialmente no Congresso -, é o custo-oportunidade do trem-bala vis-à-vis as outras prioridades. O coordenador do núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Tarso Resende, estimou, em artigo recente, uma lista impressionante de projetos equivalentes a um trem-bala, se tomássemos o custo do projeto como uma medida monetária.
Um trem-bala a R$ 33 bilhões equivale ao custo somado do aumento do calado de oito portos, incluindo os de Santos e Paranaguá, mais a duplicação das malhas de metrô de São Paulo e do Rio, com acesso aos aeroportos de Guarulhos e Galeão.
Com a mobilidade urbana nas duas capitais à beira do colapso – com congestionamentos de 120 a 180 quilômetros diários nas horas de pico em São Paulo -, não há só um problema viário, mas de saúde pública gravíssimo.
As outras prioridadesA análise do especialista da Fundação Dom Cabral merece reflexão. “Todas as regiões têm suas necessidades e dividir os recursos para resolver gargalos diversos é uma demonstração de gestão pública avançada e mais comprometida com a eficiência e competitividade”, ele escreveu.
Quais prioridades? Além do caos urbano, ele enumera o aumento da densidade ferroviária, principalmente nas fronteiras agrícolas, a duplicação das principais rodovias do Sudeste, Sul e Centro-Oeste, melhoria dos acessos na entrada das cidades e a mais falada que executada ampliação dos aeroportos. A lista continua.
Plano, cadê o plano?Duas questões aparecem como notas de rodapé dos megaprojetos que o governo fincou para os sucessores, no plural, pois vão alem de um mandato de quatro anos.
A primeira é que demandam pouca mão-de-obra depois da construção ou empregos muito específicos, o caso do trem-bala e pré-sal.
Segundo, tais projetos levarão a taxa de investimentos em quatro anos a 23%/26% do PIB, sem que se saiba o plano de consistência para integrá-los à estabilidade macroeconômica. O adiamento do leilão é o último trem para que se faça esse debate.
A polêmica do traçadoO que há a discutir não é só a prioridade do trem-bala, mas mesmo o seu propósito. Para o desenvolvimento não deve ser. Até hoje não há coisa assim no Canadá e EUA, países desenvolvidos com dimensões continentais.
Onde há, como no Japão, une regiões harmônicas – tal como pensado na campanha do senador Aloizio Mercadante ao governo de São Paulo, em 2006. A idéia era unir o triângulo Campinas, São José dos Campos, São Paulo. Depois, Sorocaba. Olhe-se a fotografia noturna dessa região no Google Earth: é uma mancha urbana única.
O trem-bala desconcentraria a ocupação urbana para onde há grande oferta de terrenos e maior qualidade de vida, aliviando as áreas centrais. A linha SP-Rio passa pela Serra das Araras, de proteção ambiental, e une cidades sem conexão urbana. Então, para quê?
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