"O Globo" 13/10/06
Achada no cérebro a origem do comportamento altruísta
Cientistas brasileiros e americanos mostram que a generosidade surgiu como estratégia evolutiva do homem
Roberta Jansen
Um grupo de cientistas brasileiros e americanos acaba de identificar no cérebro a origem do comportamento altruísta.
O estudo, publicado na prestigiada “Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS)”, indica que fazer o bem foi uma importante estratégia evolutiva para garantir o sucesso do homem.
Estudos recentes já demonstraram as vantagens evolutivas da cooperação e das trocas interpessoais. Para além disso, o grupo decidiu pesquisar o comportamento altruísta caracterizado, sobretudo, por doações anônimas a instituições de caridade, aquelas que não trazem nenhum ganho social ou financeiro.
Mapeando, por ressonância magnética, o cérebro de 19 indivíduos, os pesquisadores constataram que, ao fazerem as doações anônimas, as pessoas ativavam o chamado sistema de recompensa do cérebro.
Esse sistema é responsável por associar sensações de prazer a determinados comportamentos, sobretudo os considerados importantes para a perpetuação da espécie, como o sexo, por exemplo. A estratégia garante que se voltará a buscar algo positivo do ponto de vista da evolução.
— Constatamos que quando faziam doações para uma causa que consideravam justa, as pessoas tinham o seu sistema de recompensa ativado — conta o coordenador da Unidade de Neurociência Cognitiva e Comportamental da Rede D’Or e pesquisador associado do Instituto Nacional de Saúde de Betheseda, nos Estados Unidos, Jorge Moll, um dos autores do estudo. — Como as doações eram anônimas, isso só pode ser explicado porque existe uma sensação recompensadora de fazer o bem, ligada a sistemas inatos do cérebro.
Ou seja, encontramos uma base neurológica para esse mecanismo.
Curiosamente, o mesmo sistema de recompensa também é ativado quando, por exemplo, se recebe dinheiro. Porém, os cientistas constataram que o altruísmo ativa ainda uma região mais primitiva, chamada córtex subgenual, ligada à formação de laços sociais e ao amor.
— A caridade está ligada ao apego a causas abstratas, ideológicas e políticas. Mas envolve mecanismos muito primitivos do cérebro relacionados a formas mais simples de apego, como o amor de mãe e filho e o amor romântico — explica Moll.
Isso não acontece por acaso, segundo o cientista.
— A capacidade de se apegar a manifestações simbólicas e abstratas, como religião e arte, provavelmente teve um grande papel na evolução humana.
Certamente esse mecanismo foi selecionado por ser benéfico para o sucesso da espécie. Dar valor a práticas culturais é uma forma muito poderosa de estimular a cooperação, especialmente entre os não geneticamente relacionados.