UOL, 14/04/20047
O CÉREBRO, O VERDADEIRO ÓRGÃO SEXUAL DOS SERES HUMANOSNicholas Wade
The New York Times
Quando se trata do desejo, a evolução deixa pouco espaço para o acaso.
O comportamento sexual humano não é um desempenho improvisado,
concluem os biólogos, mas guiado a todo momento por programas
genéticos
O desejo entre os sexos não é uma questão de opção. Os homens
heterossexuais, ao que parece, possuem circuitos neurais que os levam
a procurar as mulheres; os homens gays os têm programados para
procurarem outros homens. Os cérebros das mulheres podem ser
organizados para selecionar homens que apresentem maior probabilidade
de serem provedores a elas e seus filhos. O acordo é selado com outros
programas neurais que induzem uma onda de amor romântico, seguido por
uma ligação de longo prazo.
Tanto barulho, uma dança tão complexa, tudo para obter sucesso na
única coisa simples com que a evolução se importa, que é a condução do
maior número de crianças à idade adulta. O desejo pode parecer o
centro do comportamento sexual humano, mas é apenas o ato central de
um longo drama cujo roteiro está escrito basicamente nos genes.
No útero, o corpo do feto em desenvolvimento é naturalmente feminino e
se torna masculino se o gene que determina o gênero masculino,
conhecido como SRY, estiver presente. Este gene dominante, a única e
mais orgulhosa posse do cromossomo Y, muda o tecido reprodutivo de seu
destino de ovário e o transforma em testículo. Os hormônios dos
testículos, principalmente a testosterona, então esculpem o corpo na
forma masculina.
Na cena seguinte, a puberdade, os sistemas reprodutivos são preparados
para a ação pelo cérebro. Apesar de ser uma fantástica máquina
elétrica, o cérebro também pode se comportar como uma humilde
glândula. No hipotálamo, uma região na base central do cérebro, se
encontra um aglomerado de cerca de 2 mil neurônios que dão início à
puberdade quando começam a secretar pulsos do hormônio liberador de
gonadotropina, que dispara um efeito cascata de outros hormônios.
O gatilho que dispara estes hormônios ainda é desconhecido, mas
provavelmente o cérebro monitora os sinais internos para saber quando
o corpo está pronto para e reprodução e os indícios externos sobre se
as circunstâncias são propícias para produção do desejo.
Vários avanços na última década destacaram o fato bizarro de que o
cérebro é um órgão sexual pleno, com os dois sexos tendo versões
profundamente diferentes dele. Isto é obra da testosterona, que
masculiniza o cérebro amplamente como faz com o restante do corpo.
É um conceito errôneo pensar nas diferenças entre os cérebros de
homens e mulheres como sendo pequenas, erráticas ou encontradas apenas
em poucos casos extremos, escreveu Larry Cahill, da Universidade da
Califórnia, em Irvine, no ano passado na "Nature Reviews
Neuroscience". Amplas regiões do córtex, a camada externa do cérebro
que realiza grande parte de seu processamento de alto nível, são mais
espessas nas mulheres. O hipocampo, onde as memórias iniciais são
formadas, ocupa uma fração maior do cérebro feminino.
Técnicas de obtenção de imagens do cérebro começaram a mostrar que
homens e mulheres usam seus cérebros de formas diferentes mesmo quando
realizam as mesmas coisas. No caso da amídala, um par de órgãos que
ajuda a priorizar as memórias de acordo com sua força emocional, as
mulheres usam a amídala esquerda para este fim enquanto os homens
tendem a usar a direita.
Não causa surpresa o fato das versões masculinas e femininas do
cérebro humano operarem em padrões distintos, apesar da alta
influência da cultura. O cérebro masculino é sexualmente orientado
para ver as mulheres como objetos de desejo. A evidência mais direta
vem de um punhado de casos, alguns deles acidentes de circuncisão, nos
quais os bebês perderam seus pênis e foram criados como mulheres.
Apesar de toda indução social para o oposto, eles crescem desejando as
mulheres como parceiras, não homens.
"Se você não pode fazer um homem ficar atraído por outros homens
cortando fora seus pênis, quão forte pode ser qualquer efeito
psicossocial?" disse J. Michael Bailey, um especialista em orientação
sexual da Universidade do Noroeste.
Presumivelmente, a masculinização do cérebro molda alguns circuitos
neurais que tornam as mulheres desejáveis. Se for o caso, este
circuito está moldado de forma diferente nos homens gays. Em
experiências nas quais são exibidas aos indivíduos fotos de homens e
mulheres desejáveis, os homens heterossexuais são estimulados por
mulheres, os gays por homens.
Tais experiências não mostram a mesma divisão clara entre as mulheres.
Independente das mulheres se descreverem como heterossexuais ou
lésbicas, "o estimulo sexual delas parece ser relativamente
indiscriminado - elas são estimuladas tanto por imagens de homens
quanto mulheres", disse Bailey. "Eu nem mesmo tenho certeza de que as
mulheres têm uma orientação sexual. Mas elas têm preferências sexuais.
As mulheres são bastante seletivas e a maioria escolhe ter relação
sexual com homens."
Bailey acredita que os sistemas para orientação sexual e estímulo
fazem os homens procurarem por pessoas com as quais fazer sexo,
enquanto as mulheres estão mais concentradas em aceitar ou rejeitar
aqueles que desejam fazer sexo com elas.
Diferenças semelhantes entre os sexos são vistas por Marc Breedlove,
um neurocientista da Universidade Estadual de Michigan. "A maioria dos
homens é bastante teimosa em suas idéias sobre que sexo desejam,
enquanto as mulheres parecem mais flexíveis", ele disse.
A orientação sexual, pelo menos para os homens, parece ser
estabelecida antes do nascimento. "Eu acho que a maioria dos
cientistas que trabalham nesta questão está convencida de que os
antecedentes da orientação sexual nos homens ocorrem no início da
vida, provavelmente antes do nascimento", disse Breedlove, "enquanto
para as mulheres, algumas provavelmente nascem para se tornarem
homossexuais, mas claramente chegam a tal escolha mais tarde na vida".
O comportamento sexual inclui muito mais do que sexo. Helen Fisher,
uma antropóloga da Universidade Rutgers, argumenta que os três
sistemas primários do sexo evoluíram para orientar o comportamento
reprodutivo. Um é o impulso sexual que motiva as pessoas a buscarem
parceiros. Um segundo é um programa para atração romântica que faz as
pessoas se fixarem em parceiros específicos. O terceiro é um mecanismo
para ligação em longo prazo que induz as pessoas a permanecerem juntas
tempo suficiente para completarem seus deveres paternos.
O amor romântico, que em seu intenso estágio inicial "pode durar de 12
a 18 meses", é um fenômeno humano universal, escreveu Fisher no ano
passado em "The Proceedings of the Royal Society", e provavelmente é
uma função integrada no cérebro. Estudos de imagens do cérebro mostram
que uma área em particular do cérebro, uma associada ao sistema de
recompensa, é ativada quando os pacientes contemplam uma foto da
pessoa amada.
A melhor evidência para um processo de ligação em longo prazo em
mamíferos vem de estudos de ratos-calunga, um pequeno roedor
semelhante a um camundongo. Um hormônio chamado vasopressina, que é
ativado no cérebro, leva alguns ratos-calunga a se manterem fiéis por
toda a vida. As pessoas possuem o mesmo hormônio, o que sugere que um
mecanismo semelhante pode funcionar nos seres humanos, apesar disto
ainda não ter sido provado.
Os pesquisadores dedicaram um esforço considerável na compreensão da
homossexualidade em homens e mulheres, tanto por seu interesse
intrínseco quanto pela luz que pode fornecer aos canais mais comuns do
desejo. Os estudos de gêmeos mostram que a homossexualidade,
especialmente entre homens, é herdável, o que significa que há um
componente genético nela. Mas como homens gays têm cerca de um quinto
do número de filhos que homens heterossexuais têm, qualquer gene que
favorece a homossexualidade deveria desaparecer rapidamente da
população.
Tais genes poderiam ser retidos se os homens gays fossem protetores
incomumente eficazes de seus sobrinhos e sobrinhas, o que ajudaria
genes como os deles a serem transmitidos para gerações futuras. Mas os
homens gays não são melhores tios do que os homens heterossexuais,
segundo um estudo de Bailey.
Assim, isto deixa a possibilidade de que ser gay é um subproduto de um
gene que persiste porque amplia a fertilidade em outros membros da
família. Alguns estudos revelaram que os homens gays têm mais parentes
do que os homens heterossexuais, particularmente pelo lado materno.
Mas Bailey acredita que o efeito, se real, seria mais claro. "A
homossexualidade masculina é mal adaptada evolutivamente", ele disse,
notando que a frase significa apenas que os genes que favorecem a
homossexualidade não podem ser favorecidos pela evolução se menos de
tais genes chegarem à próxima geração.
Uma pista um pouco mais direta sobre a origem da homossexualidade é o
efeito ordem de nascimento fraternal. Dois pesquisadores canadenses,
Ray Blanchard e Anthony F. Bogaert, mostraram que ter irmãos mais
velhos aumenta substancialmente as chances de que um homem será gay.
Irmãs mais velhas não contam, nem importa se os irmãos estão na casa
quando o menino é criado.
O fato sugere que a homossexualidade masculina nestes casos é causada
por algum evento no útero, como uma "resposta imunológica maternal a
gravidezes masculinas sucessivas", escreveu Bogaert no ano passado na
"Proceedings of the National Academy of Sciences". Anticorpos
antimasculinos poderiam talvez interferir com a masculinização do
cérebro que ocorre antes do nascimento, apesar de tais anticorpos
ainda não terem sido detectados.
O efeito ordem de nascimento fraternal é bastante substancial. Cerca
de 15% dos homens gays podem atribuir sua homossexualidade a ele, com
base na suposição de que entre 1% e 4% dos homens são gays, e cada
irmão mais velho adicional aumenta as chances de atração pelo mesmo
sexo em 33%.
O efeito apóia a idéia de que os níveis de circulação de testosterona
antes do nascimento são críticos na determinação da orientação sexual.
Mas a testosterona no feto não pode ser medida, e na idade adulta,
homens gays e homossexuais apresentam os mesmos níveis do hormônio, o
que não dá pista de exposição pré-natal. Assim a hipótese, apesar de
plausível, ainda não foi provada.
Um recente avanço significativo na compreensão da base da sexualidade
e desejo foi a descoberta de que os genes podem ter um efeito direto
na diferenciação sexual do cérebro. Os pesquisadores há muito
presumiam que hormônios esteróides como a testosterona e o estrógeno
realizam todo o trabalho pesado da moldagem dos cérebros masculino e
feminino. Mas Arthur Arnold, da Universidade da Califórnia, em Los
Angeles (Ucla), descobriu que os neurônios masculinos e femininos se
comportam de forma um tanto diferente quando mantidos em vidros de
laboratório. E no ano passado, Eric Vilain, também da Ucla, fez a
descoberta surpreendente de que o gene SRY é ativo em certas células
do cérebro, pelo menos em camundongos. Seu papel no cérebro é bem
diferente de suas atividades relacionadas à testosterona e os
neurônios das mulheres presumidamente realizam tal papel de outras
formas.
Acontece que um número incomumente alto de genes ligados ao cérebro
estão situados no cromossomo X. O repentino despontar de cromossomos X
e Y na função cerebral chamou a atenção de biólogos evolutivos. Como
os homens possuem apenas um cromossomo X, a seleção natural pode
promover aceleradamente qualquer mutação vantajosa que ocorra em um
dos genes X.
Assim, se aquelas mulheres seletivas estiverem à procura de
inteligência em um parceiro masculino potencial, isto poderia explicar
por que tantos genes relacionados ao cérebro acabam no X.
"É popular entre os acadêmicos do sexo masculino dizer que as mulheres
preferem os sujeitos mais inteligentes", disse Arnold. "Tais genes
serão rapidamente selecionados nos homens porque novas mutações
benéficas se tornarão rapidamente aparentes."
Várias conseqüências profundas derivam do fato dos homens disporem de
apenas uma cópia de muitos genes cerebrais ligados a X e as mulheres
duas. Uma é que muitas doenças neurológicas são mais comuns em homens
porque é menor a probabilidade de que as mulheres sofram mutações em
ambas as cópias de um gene.
Outra é que os homens, com um grupo, "terão mais fenótipos variáveis
de cérebro", escreveu Arnold, porque a segunda cópia de cada gene das
mulheres refreia os efeitos das mutações que surgem no outro.
A maior variação nos homens significa que apesar do QI médio ser
idêntico entre homens e mulheres, há uma média mais baixa entre os
homens e uma maior em ambos os extremos. O cuidado das mulheres em
selecionar homens, combinado com a rápida seleção possibilitada pela
falta de cópia reserva entre os homens dos genes ligados a X, pode ter
levado à divergência entre os cérebros masculino e feminino. Os mesmos
fatores podem explicar, acreditam alguns pesquisadores, por que o
cérebro humano triplicou em volume nos últimos 2,5 milhões de anos.
Quem pode duvidar? É, na verdade, o desejo que faz o mundo girar.
Tradução: George El Khouri Andolfato
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2007/04/10/ult574u7384.jhtm
"Se você não pode fazer um homem ficar atraído por outros homens cortando fora seus pênis, quão forte ode ser qualquer efeito psicossocial?"
Apenas eu que falho em conseguir ver um encadeamento lógico entre as coisas aí?