Damásio elogia, muito apropriadamente, a autobiografia de Bergman. Sem poder falar na edição brasileira, portanto sem condições de avaliar a qualidade da tradução, mas, se se tratar um trabalho de categoria, certamente terá conseguido revelar outro talento de Bergman, qual seja, o de escritor. Além de diretor de cinema e, se isso é possível, ainda mais extraordinário como encenador teatral (ao chegar à Suécia, mais de 25 anos atrás, tive a ventura de assistir a duas montagens dirigidas por Bergman), ele era um magnífico escritor. O equivalente, na área de cinema, ao estilo primoroso de Paulo Emílio Salles Gomes.
O existencialismo do cinema de Bergman, consequência natural de quem teve Kierkegaard e Strindberg como mestres do pensamento, é a mais extraordinária tradução em imagens dessa corrente filosófica, que no Brasil, acreditem, tem alguns de seus melhores intérpretes.
Agora, como dizia um ex-professor meu, pouco entusiasmado com o cinema, assistir Bergman exige coragem. Quem bisbilhota o mundo com lentes cor de rosa é melhor tirar Bergman de sua agenda. O mundo, diz através de seu cinema, o grande diretor, é um lugar inóspito. Daí que, no final dos tempos, em vez do humanismo da música de Mozart, teremos como trilha sonora os ruídos (do agrado de neonazistas) do heavy metal.
(daqui de Uppsala, Suécia, boa tarde/bom dia)