Comecemos questionando o clichê de que esse ou aquele assunto não deve ser discutido porque já foram muito discutidos.
Sou neto de um antigo anarquista aqui de Minas, espanhol exilado no Brasil quando a camarilha franquista, depois de estuprar a Espanha, amordaçou o país por quatro décadas. Já discuti e nunca me cansarei de bradar contra as iniquidades sociais ou qualquer outra do mundo, mesmo que milhões já tenham feito isso ao longo dos séculos. Se calarmos diante do erro, o erro só tenderá a se perpetuar. Ontem ouvi o frei Betto, homem de valor, embora eu não compartilhe nem um pouquinho de suas crenças religiosas, dizer numa entrevista que onde há drogas há menos utopia, e onde há utopia há menos droga. Ele disse também estranhar que se fale na falência do socialismo, quando, acrescenta, se esquecem de dizer que o capitalismo vem falhando para 2/3 da humanidade.
Quanto ao comentário do Marcel, a quem dou as boas-vindas, não compartilho com seu desalento em relação aos novos roteiristas, embora sinta a falta de nomes grandiosos quanto os citados por nosso colega da Suécia. Agora, a violência do Tarantino é um fato; ou melhor, o que Marcel chamou de "estetização da violência", expressão, a propósito, usada pelo crítico do NYTimes Andrew Sarris ao comentar "Cães de aluguel". A violência, até as pedras sabem, acompanha o homem desde que, milhares de anos atrás, o primeiro casal deu a primeira fornicada; o encontro das genitálias masculina e feminina, por si só, já é uma (doce) violência. Logo a seguir, quando dois machos disputaram uma fêmea, aí danou-se tudo. Depois, passaram a disputar um pedaço de terra (fala Rousseau!).
A questão, quando se trata de Tarantino e similares, é que eles não denunciam a violência; os safados gostam dela. A abordagem é diferente quando se trata de diretores como Kubrick e Fred Zinneman, talentos muitos acima do de Tarantino. Esses dois diretores, em filmes de temática bélica, mostraram como o homem é violento, o quanto somos o lobo de nós mesmos, mas que, apesar disso, devemos insistir em combater a violência nossa de cada dia, que, muitas vezes, começa em nossa própria casa. Contra a iniquidade e os que a sustentam, devemos estar sempre alertas.
E por falar em cinema, nas duas noites passadas, assisti aos filmes a seguir, que peço licença para recomendar. Já os assistira na tela grande, sem dúvida a forma mais adequada de ver filme; agora os revi em blue-ray: "Todas as manhãs do mundo", de Alain Corneau; "Maurice", de James Ivory; "Namoros eletrônicos", de Damian Harris; "Espionagem em Belgrado", de Milos Radivojevic; "Gestos de amor", de Liliana Cavani; e "Querelle", de Rainer Werner Fassbinder, a cabeça mais louca do cinema alemão, aliada a outra cabeça genialmente louca, Jean Genet, este, junto com Boris Vian, a dupla mais porralouca do existencialismo francês.