O único caso de um personagem capaz de prodígios sobrenaturais da Antiguidade e que se manteve até hoje como narrativa histórica no Ocidente é o de Jesus Cristo. Isto é um fato, mesmo que não tenha havido a comprovação de nenhum milagre, aliás, sequer a comprovação da existência daquele personagem como indivíduo histórico.
Como explicar isto sob a perspectiva histórica? Parte da explicação foi apresentada pelo Angelo Melo, quando ele apontou que o real criador do cristianismo foi Saulo, de Tarso, inclusive com a transformação do (possível) personagem de Jesus de histórico para místico. Na sequência, entre os anos 60 e 328 AD os responsáveis pela nascente religião cristã promoveram a sua expansão e fortalecimento sob a tolerância da Roma 'pagã'.
Pois foi neste período que fervilharam as primeiras questões exegéticas e que sempre foram decididas e consolidadas a partir do primeiro concílio, o de Nicéia em 325. Neste caso foi decidido que: a) Criava-se a Trindade (similar ao do politeísmo de algumas cidades-estado da Grécia e de mitos celtas); b) Que o Filho tem a mesma substância do Pai por geração - hommoùsion - e não por criação - homoioùsion); c) Confirmação do Espírito Santo como de mesma substância que o Pai.
Outra decisão importante, não doutrinária, mas organizacional, é que os bispos somente podiam ser ordenados por seus pares, pois até então a comunidade é quem decidia. Ou seja, a partir daí a Igreja Cristã tornou-se não mais a vassala, mas sim a senhora do seu destino e das comunidades de entorno das igrejas.
Isto contou com a ajuda decisiva de Constantino, pois com sua crescente ambição política, ele precisava de um cristianismo sem nuances ou ambiguidades, capaz de ser absorvida facil e rapidamente pela população. A partir dele houve a militarização da religião cristã e, ponto fundamental, pela primeira vez, o cristianismo tornou-se religião de Estado.
Portanto, some-se a ambição política de governantes; a ignorância e credulidade de populações ignaras e o crescente poder político e material dos chefes religiosos cristãos e ter-se-á as condições perfeitas para a mistificação, mitologização mesmo, do principal personagem do cristianismo, Jesus.
E isto independente de que pouquíssimas fontes históricas apócrifas citam o nome de Jesus e nenhuma delas afirma que ele fazia prodígios da maneira diferente como outros o faziam. Sim, há relatos de outros homens capazes de prodígio, mas nenhum deles passou da condição de mera referência para a condição de símbolo-mor da maior religião ocidental.
Referências: O Livro Negro do Cristianismo (Fo, Tomat e Malucelli, 2007); A Idade da Fé (vários, 1974); Storia del Cristianesimo - dalle origini a Giustiniano (Donini, 1977).