 Idéias íntimas II
Idéias íntimas II (…) 
Borra adiante folgaz caricatura 
Com tinta de escrever e pó vermelho 
A gorda face, o volumoso abdômen, 
E a grossa penca do nariz purpúreo 
Do alegre vendilhão entre botelhas, 
Metido num tonel… Na minha cômoda 
Meio encetado o copo, inda verbera 
As águas d’oiro do 
Cognac ardente: 
Negreja ao pé narcótica botelha 
Que da essência de flores de laranja 
Guarda o licor que nectariza os nervos. 
Ali mistura-se o charuto havano 
Ao mesquinho cigarro e ao meu cachimbo… 
A mesa escura cambaleia ao peso 
Do titâneo 
Digesto, e ao lado dele 
Childe-Harold entreaberto… ou Lamartine 
Mostra que o romantismo se descuida 
E que a poesia sobrenada sempre 
Ao pesadelo clássico do estudo. 
XI Junto do leito meus poetas dormem 
— O Dante, a 
Bíblia, Shakespeare e Byron 
Na mesa confundidos. Junto deles 
Meu velho candeeiro se espreguiça 
E parece pedir a formatura. 
Ó meu amigo, ó velador noturno, 
Tu não me abandonaste nas vigílias, 
Quer eu perdesse a noite sobre os livros, 
Quer, sentado no leito, pensativo 
Relesse as minhas cartas de namoro… 
Quero-te muito bem, ó meu comparsa 
Nas doudas cenas de meu drama obscuro! 
E num dia de 
spleen, vindo a pachorra, 
Hei de evocar-te dum poema heróico 
Na rima de Camões e de Ariosto, 
Como padrão às lâmpadas futuras! 
Álvares de Azevedo - Lira dos Vinte Anos.