Será que estamos tendo um desentendimento sobre o que significa livre-arbítrio? Eu entendo livre-arbítrio como a capacidade de desejar, pensar e decidir coisas de forma absolutamente ilimitada, até mesmo absurdos. Eu vou desenhar para ver se entendem dessa vez o conceito:
O meu livre-arbítrio me permite desejar bater asas e voar até chegar na Lua. O meu livre-arbítrio me permite pensar nas formas mais ridículas possíveis de fazer isso. E o meu livre-arbítrio me permite decidir ir lá para fora tentar realizar. O livre-arbítrio é ilimitado. Não há o que discutir. Negar isso é ser cego voluntário.
Entretanto, as ações resultantes do meu livre-arbítrio são limitadas pela minha liberdade de ação. Eu desejei, pensei e decidi voar até a Lua. Mas a Lei da Gravidade me impede. Ainda que eu conseguisse sair do chão, ao chegar no espaço não adiantaria bater asas, etc...
O livre-arbítrio é uma função interna inerente ao ser. Já a liberdade de ação é exterior. Interiormente eu posso pensar o que quiser. Mas para exteriorizar, eu tenho limites.
Então, quando a Nina se refere ao "Fora da Caridade não há salvação", isso significa que
enquanto o meu livre-arbítrio decidir não ser caridoso (função interna), a minha salvação não virá (limites externos). E isso é sim uma espécie de determinismo que não abala o livre-arbítrio. Reparem que a palavra "Salvação" aqui deve ser entendida no seu sentido figurado.
Um espírito pode decidir interromper sua existência; se suicidar. Mas pode-se impedi-lo de exteriorizar o ato.
Então, acho que está clara a questão do livre-arbítrio como uma função interna. Ou não?
O assunto do tópico teria alguma contradição com o livre-arbítrio? Por quê?
Talvez você tenha se esquecido, mas já discutimos as conseqüências das suas conclusões sobre o artigo. Vou lhe refrescar a memória:
A causa da prática da caridade tem haver com princípios éticos e morais de cada indivíduo, assim como com as suas respectivas crenças pessoais.
E o estudo está demonstrando de onde vieram tais princípios éticos e morais.
E um dos efeitos da caridade feita seria a liberação da dopamina. Mas não é o desejo da dopamina que motiva a caridade, até porque poderíamos suprir essa deficiência por outros meios até mais eficientes, como os citados no próprio artigo.
Alguns são viciados em chocolate, outros em outros tipos de doces. Eu, por exemplo, como chocolate mas detesto outro tipo de doces… Retiro minha cota de dopamina do chocolate, não de outro doce. Alguns são viciados em esportes… Realmente há muitas maneiras de se conseguir satisfação.
O caso é que não é algo que você ou qualquer um possa escolher. Se a atitude lhe dá prazer, inconscientemente você voltará a praticar.
Pelo que entendi com o que escreveu, você diz que as pessoas não praticariam a caridade porque acreditam nela, mas simplesmente para satisfazer uma necessidade fisiológica. É nisso mesmo que você crê? Ou eu interpretei mal as suas palavras?
Perfeitamente! Eu não creio nisso. Até o momento é isso que se demonstra pelos fatos.
Porque se for isso mesmo, estaríamos reduzidos a simples máquinas sem vontade própria, obedecendo apenas a estímulos químicos que, assim como nos impulsionam quase que mecanicamente a respirar ou a ir ao banheiro, nos estimulariam a sermos bons ou maus, inteligentes ou estúpidos, caridosos ou indiferentes, e assim por diante… Eu nunca pensei que o materialismo nos reduzisse a tão pouco.
Temos a capacidade de compreender tudo isso e forçar-nos a agir de modo diferente em muitas ocasiões. No entanto, somos animais altamente instintivos, sim. Não é uma questão de reducionsimo, mas de fatos. Aponte evidências contrárias!
Olhe para dentro de você, analisando suas crenças e seus princípios, e responda para si mesmo se, toda vez que você fez alguma caridade espontânea (como por exemplo, dar uma esmola na rua, contribuir para uma instituição, dizer um muito obrigado sincero quando alguém lhe presta um favor, prestar um favor para alguém, perdoar uma ofensa, desculpar um erro ou qualquer outra variação possível da caridade), a sua motivação foi simplesmente fisiológica. Se você conseguir convencer a si mesmo disso, talvez algum dia consiga convencer a outros.
E como não poderia ser fisiológico? O que há além da fisiologia, da bioquímica, da interação entre moléculas? Mesmo que tal ato tenha sido desencadeado pelo raciocínio lógico que me leve a aceitar que eu tenho responsabilidade ou devo ajudar a alguém, todo esse raciocínio não passou de polarizações e despolarizações de membranas de neurônios em meu cérebro, liberando neurotransmissores.
Até o momento, é isso que temos de evidências, embora não consigamos compreendê-las completamente ainda.
E a questão que fica é: por que não pode ser assim?
Você simplesmente disse que somos máquinas guiadas por desejos e instintos. Eu não concordei e expus os meus argumentos em seguida. Somos livres inclusive para escolher tomar ações contrárias aos nossos desejos, como um viciado que se liberta das drogas.
Você ainda mantém a sua posição, ou seja, que o livre-arbítrio não existe? Mas por favor não confunda livre-arbítrio com liberdade de ação. Não confunda funções internas com limitações externas.
Um abraço.