Infelizmente não li entrevistas (não tenho acesso à revista), mas li o artigo. Não achei mau de todo, mas leve demais (falta de coragem?), com uma conclusão que não tenho meios para confirmar (temos de ter grande cuidado com estatísticas) e pode dar entender que os ateus todos andam numa cruzada contra a religião (apesar de haver referências a ateus moderados).
O grande problema do artigo é não explorar tanto os argumentos teísta que são mostrados...
Um perigo na religião fundamentalista na saúde e ciência está representado neste parágrafo:
Com o sucesso da fertilização in vitro, em 1978, ativistas religiosos foram aos tribunais tentar impedir que a técnica se popularizasse. A briga mudou de foco com a epidemia de aids no início dos anos 80. Líderes católicos diziam que bastava ser fiel para evitar a doença. Chegaram até a dizer que o vírus HIV teria capacidade para ultrapassar a barreira de látex da camisinha. Neste século, a polêmica passou para a clonagem e estudos com células-tronco. O Vaticano e alguns evangélicos acusam os cientistas de brincar de Deus. Nos EUA, uma coalizão cristã levou George W. Bush à Presidência e, de lá para cá, influencia a política federal para assuntos que vão da Justiça à alocação de verbas para pesquisas.
Segundo Gould, que se dizia agnóstico, os cientistas se limitariam a explicar o que diz respeito ao mundo natural. Já os filósofos e religiosos se encarregariam de questões sobre o sentido da existência.
Há imensos filósofos que dizem não haver sentido na existência, e até fazem ilustrações sobre isso, como na peça "O Caso de Makropulos", de Karel Capek. Os religiosos que defendem um sentido da existência devem mostrar que existe um sentido, senão não há qualquer sentido em procurar sentidos arbitrários...
Nessa hora, diz Gleiser, um ouvinte entrou na linha e se queixou: "Mas o doutor está querendo tirar até Deus da gente". Foi um estalo, diz. "A gente tira Deus e não oferece nenhum apoio espiritual no lugar."
O que significa "apoio espiritual". Espírito não passava de vento, e alma era corpo com ar (aquilo que respira, ou vida). Com o tempo, mudou-se de conceito em relação ao termo, tornando-se tão abstracto e vasto, rodeando as descobertas que eram feitas sobre o ar, que é difícil perceber bem o que é o espírito ou o que é espiritual. Será que apoio espiritual é o mesmo que consolo? Em
http://www.priberam.pt há várias definições para espiritual, e não vejo qualquer necessidade para incluir essas ideias na vida e no sistema cognitivo. Portanto, pensar que em tudo deve haver uma substituição (e ainda por cima, da mesma natureza) é um erro.
"Enquanto discutíamos o ateísmo, a aula ia bem. Quando mostrei minha posição - sou atéia -, as pessoas ficaram incomodadas e agressivas." A aula fazia parte de um curso sobre grandes religiões. Um dos dias era dedicado à falta de religião. "As pessoas se revoltaram." Até por causa dessa cultura religiosa, a maioria dos ateus brasileiros aprendeu a conviver bem com a fé do próximo.
Eu já verifiquei esse ódio em relação a ateus. Já ouvi até dizer que os ateus fazem de si mesmos deuses, e que são egoístas e que não têm moral. Acho que é bom haver informação que mostre que são ideias preconceituosas. Talvez seja por ser improvável converter um ateu, ao contrário de uma pessoa com uma crença qualquer; há até manuais para converter pessoas com determinadas crenças. Ou então, por não um ateu não ter uma autoridade moral absoluta, concluem (erradamente) que não tem moral ou que faz a si próprio essa autoridade, como se fosse realmente necessário haver autoridades absolutas. São meras hipóteses...
Mas os religiosos - inclusive vários cientistas - lembram que não seria possível pretender que a ciência, limitada a observar fenômenos materiais, fosse o instrumento adequado para avaliar a existência de Deus.
Então qual é o instrumento adequado? Uma pomba pousar em livros para formar o Novo Testamento? Não há objectividade, e assim fica difícil falar sobre o assunto. Devem dizer que instrumento é adequado, não basta simplesmente dizer. Mas se um conceito particular de deus -- como os deuses teítas -- são negados pelas descobertas científicas e por argumentos racionais, como há por meio da Filosofia, considero a Ciência e Filosofia como instrumentos adequados para avaliar a existência de Deus.
Mas isso não capacita o conhecimento científico a desafiar o argumento mais metafísico da fé: que a marcha do Universo tem um objetivo. Qual experimento científico poderia comprovar o contrário?
Mais uma vez: há realmente necessidade de haver um objectivo, ou um sentido?
Sem a religião também não haveria missionários para tratar de doentes de aids na África, defender lavradores na Amazônia, visitar os presos ou criar algumas das mais belas manifestações artísticas.
E há necessidade de implicar religião no auxílio dos outros? O tratamento de doenças existe graças à Ciência. Há vários movimentos sem relação religiosa. Ideias para melhorar a vida dos presos não têm ligação religiosa: aliás, foi uma preocupação que surge com descrentres, depois da Revolução Francesa. Devo reconhecer que há belíssimas obras artísticas com temas religiosos, e que me agradam, mas essas obras mais belas devem-se mais ao Classicismo (basta verificar que têm motivos pagãos) e não há necessidade de ser crente para criar arte, mesmo que tenha temas religiosos (eu próprio já fiz desenhos com temas religiosos). Um artista pode fazer obras extraordinárias por orgulho ou humanismo, mas devo tembém reconhecer que seria difícil construir algo como as pirâmides egípcias (que exigem esforço colectivo) sem um ideal absoluto, mas é possível em obras sem conotação religiosa, como as que por vezes surgem nas notícias, ou em programas no "Discovery Channel".
Dawkins tenta mostrar como os melhores impulsos humanos podem ter evoluído naturalmente, pelo mesmo mecanismo de seleção natural que produziu a linguagem. O instituto da generosidade teria se desenvolvido quando os humanos ainda viviam em bandos pequenos e a sobrevivência de todos dependia de cooperação.
Está provado cientificamente que os sentimentos, como a simpatia, podem ser controlados artificialmente removendo partes do encéfalo (acho que é nas amígdalas) ou injectando hormonas. No "60 minutes" uma senhora que era depressiva, melhorou com uma intervenção cirúrgica, colocando um eléctrodo num ponto do cérebro.
O que eu vejo é que exigem dos ateus que expliquem tudo na hora, explorando a nossa ignorância para justificar a ignorância religiosa. Não há responsabilidade dos ateus em provarem que não há deuses; aquele que afirma a existência de uma entidade é que tem a responsabilidade de provar. Se assim não for, cada crente tem de provar que os deuses não existem, o que é um absurdo.
Acho que vai sempre haver muita coisa que não conhecer, apesar da grande velocidade no progresso do conhecimento científico e tecnológico que tem havido desde parte do último século. A adesão religiosa tem diminuido, e até à grupos religiosos que apontam isso para os seus adversários (principalmente à Igreja Católica), sem olharem para si. Os outros é que estão errados...