Por alguma razão metafísica ou transcendental, dependendo da
ideologia de abordagem (alô, Madiba, um abraço
), o cachorro encara uma sessão de banho como um terrível castigo aplicado pelo seu dono. Naquele momento em que ele está sendo esfregado com espuma, deve passar pela sua cabeça pensamentos e dúvidas desse nível: "O que eu fiz de tão diabólico assim que mereça sofrer tamanha punição?". Eles se submetem a uma sessão de banho como a uma severa penitência a que foram sentenciados. O jeito é atravessá-la com aquela cara de derrota e sofrimento, típicos de cães que estão debaixo de banho.
Outra coisa que tenho notado, e que pode parecer esquisito para o nosso ângulo de visão, é a inversão dos valores quanto aos odores caninos. Eles adoram se esfregar na carniça, na bosta, na porcaria e, quanto mais fedorenta, melhor. Quando se esfregam na podridão, eles se esmeram em fazer passar para os pelos e corpo todo o fedor que for possível. Por que isso? Só encontro uma resposta: aquilo para eles é perfume. Eu costumo dizer que eles estão se perfumando quando encontram uma carcaça podre e passam a se esfregar nela. Note que eles saem daquela sessão perfumada felizes, alegres, como se estivessem rindo. E ostentam aquilo como um troféu, uma vaidade, um banho "perfumado".
Por outro lado, só posso concluir por oposição, que eles enxergam o xampu e o sabonete como odores insuportáveis, cheiros terríveis e medonhos e, por esse motivo, resistem o quanto podem ao banho. Fogem, se escondem, resistem como podem. Quando apanhados, ficam sem entender o motivo de tanta "crueldade" que o dono vai fazer com ele. "O que fiz para merecer tanto fedor esfregado em mim?"
Portanto, acho que esclarece um pouco aquele mistério transcendental a que me referi no primeiro parágrafo.