E daí?
E daí que vc cobrou de Diamond coisa que ele nunca se propôs a responder, pois outros já haviam estudado o bastante o que ocorrera dos descobrimentos pra cá.
Espíritos mais adiantados colocados de um lado; espíritos mais atrasados colocados do outro. A diferença, como já disse, segundo o Espiritismo, nunca dependeu dos corpos ou da raça, etc... Uma única geração é mais do que suficiente para posicionar os "bonecos" em seus respectivos lugares. Quem ganha a guerra da secessão? O lado que deve predominar em tal tempo e em tal região. Nos Estados Unidos venceram os "bons" porque os bons deveriam predominar; na Alemanha venceram os "maus" (os nazistas) porque eram eles que deviam governar; e por aí vai... Cada país ou cada povo tem a sua função temporal, e as condições são formadas de modo a privilegiá-las. Isso tudo, claro, quando você analisa sob um ponto de vista espiritualista.
As mesmas explicações mais completas que deu a respeito do texto de Diamond eu poderia usar para justificar meu ponto de vista espiritualista. A diferença é que você enxerga "sorte" ou "azar" nos resultados, e eu enxergo planejamento.
Não é o que Kardec escreveu no artigo de frenologia: os corpos também fariam diferença. Então a opinião do movimento mudou. Até por ter florescido num país mestiço. Quanto ao "azar" eu não enxergo nada disso: foi tão somente o choque entre as conseqüências da colonização de exploração e a de povoamento. Podem até me chamar de "determinista histórico" por isso.
Há outro fator importante para Diamond: (falta de) isolamento geográfico. Em resumo: avançaram mais os povos que puderam se valer de grande intercâmbio, pois usaram o princípio de que "muitas cabeças pensam melhor que uma".
Quando não se destruíam, sim... Mesmo assim não afeta em nada o que eu disse anteriormente.
Afeta, sim, na medida que mostra o desenvolvimento humano como um processo coletivo e não obra de missionários.
Me refiro a contribuição individual de cada um. Newton não é conhecido só por plagiar o trabalho alheio. Mas se plagiou, não muda a idéia. Consideremos a contribuição individual do outro (ou outros) então. O fato é que foi a partir dele que as pessoas passaram a enxergar as coisas de modo diferente...
Em seu tempo, Hook era tão conhecido quanto Newton, mas quem entrou como "o grande" nos livros escolares foi este último. Não é de admirar a sua surpresa. A questão é que essa é uma visão "romântica" da ciência como um produto de homens que "fizeram toda a diferença". Quando um certo conjunto de conhecimentos atinge uma massa crítica, é comum que descobertas concomitantes ocorram:
Que isso [uso de anagramas para atestar autoria] não funcionou muito bem como meio de estabelecer anterioridade ficou demonstrado pelos estudos do sociólogo Robert K. Merton, que verificou que 92% dos casos de descobertas simultâneas no século XVII terminaram em disputas. É, provavelmente, ao desenvolvimento do artigo científico que devemos uma diminuição do questionamento das precedências nos séculos posteriores. Merton cita os números de 72% no século XVIII, 59% por volta da segunda metade do século XIX, e 33% na primeira metade do século XX. Talvez se tenha percebido melhor, à medida que passava o tempo, que a descoberta simultânea é um fato bastante usual. (grifo meu)
Hellman, Hal, "Grandes Debates da Ciência-Dez das maiores contendas de todos os tempos", UNESP, cap. 3
Se quer uma boa leitura, leia "Tudo é Relativo - E outras Fábulas da Ciência e Tecnologia", de Tony Rothman. Lá há uma coletênea vasta de descobertas simultâneas, contendas, créditos não reconhecidos, precursores esquecidos, etc.
Idem.
Vários contra-exemplos foram dados aos seus exemplos. Se for ler "Tudo é relativo", verá que história da máquina a vapor reúne bem mais personagens, Niels Bohr deu crédito a seu precursor na teoria atômica semi-clássica, o problema foram os livros que vieram depois... O único caso famoso de criação coletiva reconhecida do grande público (que eu me lembre) foi a mecânica quântica, que de Plank a Bohm coleciona vários "pais". E mesmo assim com alguns esquecimentos (como o predecessor de Bohr)...
E por que perderam? Essa pergunta vale tanto para os europeus quanto para os tasmanianos.
Vamos lá, estudos de caso, com boa documentação:
Um exemplo notável de transição do segundo tipo [de uma tecnologia poderosa para uma menos poderosa] foi descrito por Richard Bulliet em seu livro The camel and the wheel. Bulliet é um historiador que estuda a civilização árabe antiga. Demonstra, com vasta documentação, que, na era romana, todo o mundo árabe, compreendendo aproximadamente a área da Tunísia ao Afeganistão, baseava sua vida econômica em uma infra-estrutura semelhante à do Império Romano, ou seja, na tecnologia de veículos sobre rodas e estradas pavimentadas. Ao sul e leste do Meditarrâneo, assim como ao norte, a unidade básica de transporte de carga era o carro de boi. Por volta de 500 d.C., algumas centenas de anos antes da ascensão do Islã, ocorreu uma mudança drástica. Em todos os territórios árabes, caravanas de camelos dominaram o ramo do transporte de carga, as estradas arruinaram-se e os veículos sobre rodas desapareceram. Por mais de mil anos, até que os europeus chegaram com ferrovias e locomotivas de aço, os camelos reinaram soberanos.
Bulliet conseguiu identificar com alguma precisão um dos eventos cruciais que levaram ao declínio do carro de boi e à vitória do camelo. Ele encontrou um código tributário do século V pertencente à cidade de Palmyra, importante centro comercial no norte da Síria. Palmyra cobrava impostos de todas as remessas que atravessavam a cidade. As alíquotas tributárias determinavam que um carro de boi pagava o mesmo que quatro camelos. Mas Bulleit conseguiu calcular independentemente a carga útil de um camelo e a de um carro de boi. Descobriu que um camelo podia carregar em médio 272 quilos, e um carro de boi, cerca de 545. um carro de boi podia transportar tanto quanto dois camelos, mas pagava por quatro.
As alíquotas tributárias foram fixadas em detrimento dos carros de boi. Provavelmente, as autoridades que redigiram o código tributário tinham algum parentesco com os condutores de camelos. De qualquer modo, um código tributário discriminatório seria eficaz para fazer a balança pender contra o carro de boi. E a balança entre os dois sistemas de transporte concorrentes era inerentemente instável. A eficiência comercial desse carro dependia de uma infra-estrutura de estradas que requeria manutenção. Quando o transporte por carro de boi começou a declinar, as estradas teriam começado a se deteriorar. Assim que estradas se deterioraram, o declínio do carro de boi teria sido rápido e irreversível. Dentro de uma ou duas gerações, deixaria de haver artesãos especializados que soubessem construir e consertar carros de boi. Não só o carro mas também a lembrança de sua existência desapareceram do mundo árabe. A palavra para designar um veículo sobre rodas sumiu da língua árabe por mil anos.
Outra transição do segundo tipo deu-se no Japão, no século XVII. É descrita no livro Giving up the gun, de Noel Perrin. No século XVI, após a chegada dos primeiros navios europeus ao Japão, os armeiros japoneses logo aprenderam a produzir armas de fogo e de alta qualidade. As armas de fogo japonesas eram exportadas em grande quantidade, e um número ainda maior delas era usado pelos exércitos japoneses no exterior e no país. Perrin ilustra seu livro com antigos desenhos japoneses de guerreiros seiscentistas portando e disparando armas de fogo. Durante meio século, o corpo de samurais foi um grande aficionado desse tipo de arma. Travavam-se batalhas com armas de fogo com baixas numerosíssimas. Foram tantas que os líderes samurais convenceram-se de que elas estavam arruinando sua honorável profissão. Decidiram voltar a lutar com suas espadas. Por dois séculos e meio, a espada foi reinstituída como base do poder militar. Sua supremacia manteve-se até 1879, quando os samurais foram derrotados por um exército em novo estilo, atento à modernização e portando armas européias.
Freeman Dyson, "Infinito em todas as direções", Companhia das Letras, cap. 14
Os egípcios não viam com bons olhos a existência de um vizinho tão poderoso ao sul [os núbios], sobretudo porque dependiam das minas de ouro da Núbia como fonte de financiamento de seu domínio sobre o Oriente Próximo. Por isso, os faraós da 18a. dinastia (1539-1292 a.C.) mobilizaram seus exércitos para conquistar a Núbia e erguer guarnições militares ao longo do Nilo. Nomearam chefes locais como administradores e permitiram que os filhos dos núbios mais favorecidos estudassem em Tebas. Subjugada, a elite núbia adotou os costumes culturais e espirituais do Egito - adorando suas divindades, em especial Amon, comunicando-se na língua de seus conquistadores, adotando práticas funerárias e, mais tarde, a própria construção de pirâmides. Pode-se dizer qeu os núbios foram o primeiro povo a ser tomado por uma onde de "egitomania".
os egiptólogos do fim do século 19 e início do 20 interpretaram isso como sinal de fraqueza. Mas estavam equivocados: os núbios tinham talento para interpretar as tendências geopolíticas. No fim do século 8 a.C. o Egito estava dilacerado por facções, com a região sob o controle de chefes líbios. Um vez consolidadas no poder, tais facções começavam a desestimular a devoção a Amon, e os sacerdotes de Karnak passaram a temer por um futuro ímpio. Quem tinha condições para fazer com que o Egito recuperasse seu estado anterior de poderio e santidade?
Olhando para o sul, os sacerdotes egípcios encontraram a resposta - um povo que, sem jamais ter cruzado suas fronteiras, havia conservado as tradições espirituais do Egito. Naquela altura, como diz o arqueólogo Timothy Kendall, os núbios haviam se tornado "mais católicos que o papa".
SOB O DOMÍNIO NÚBIO, o Egito voltou a ser Egito, Quando Piye morreu em 715, seu irmão Shabaka consolidou a 25a. dinastia ao estabelecer-se na capital egípcia de Mênfis. Assim como o irm]ao, Shabaka identificava-se com as antigas práticas faraônicas, adotando como soberano o nome do faraó Pepi II, da 6a. dinastia, tal como Piye adotara o de Tutmés III. E, em vez de mandar executar seus inimigos, Shabaka colocou-os para construir diques que protegessem as aldeias egípcias das inundações do Nilo.
National Geographic Brasil - Faraós Negros, reportagem de Robert Draper, fevereiro de 2008
No livro "Armas Germes e Aço", Diamond também fala das armas de fogo japoneses, dá outro exemplo interessante ocorrido na China: durante o século XIV ela construiu embarcações gigantesca quando comparadas às caravelas dos europeus. Seus navios cruzaram o Índico (garantido) e, segundo alguns chegaram às Américas (duvidoso). Porém, um mudança de facção palaciana foi fatal para os descobrimentos chineses: os novos donos do poder (como muitos dos nossos políticos atuais) procuraram apagar tudo que fosse relacionado à facção anterior. Inclusive os estaleiros e seus navios...
Que temos aqui: decisões políticas pode, sim, extinguir uma tecnologia ou cultura florescente. Seja pelos impostos discriminatórios dos árabes de Palmyra, ou por proibição pura e simples, como os estaleiros chineses, as armas de fogo japonesas e a cultura egípcia sob o jugo líbio. Os grandes descobrimentos europeus não deixaram de ser uma "reinvenção" independente do pioneirismo chinês; a Núbia serviu de "Arca de Noé" para antigo Egito, permitindo que ele ressurgisse quando ameaçado; as armas de fogo japonesas foram salvas pela Europa.
Como Diamond chega a comentar em seu livro que um governo isolado (Japão) ou sem inimigos próximos (China) pode se dar ao luxo de cometer um burrada e ficar por isso mesmo (se bem que o preço foi cobrado mais tarde, em cima de seus descendentes). Os europeus, não. Eram vários reinos rivais e interligados. Uma cabeça coroada fraca era superada por outra mais ajuizada. Colombo tomou vários "nãos" antes de receber patrocínio espanhol. Quando o ouro da América começou a chegar, os demais reis correram atrás do prejuízo. Sem adversários para competir ou invejar, o que eles fariam? Como recuperar uma arte perdida, se ninguém a documentou?
Qual seria o equivalente para os caçadores-coletores da Tasmânia? Talvez a matéria-prima tenha escasseado e as pessoas tenham parado de fazer os artigos que dependiam dela (assim foi na Ilha da Páscoa). Talvez um violento catalisma ou uma peste tenha dizimado boa parte de uma tribo e os sobreviventes não eram os mais habilidosos. Talvez um xamã ou cacique tenha imposto um tabu sobre a prática por uma razão fútil (a exemplo das embarcações chinesas). "Sempre que isso acontece com uma cultura que tem contato com outras, a tecnologia perdida pode ser readquirida quando as pessoas demandam o padrão de vida mais elevado que seus vizinhos desfrutam. Mas na isolada Tasmânia, o povo teria precisado reinventar a proverbial roda toda vez que ela fosse perdida, por isso seu padrão de vida gradualmente se deteriorou." (S. Pinker, Tábula Rasa)
Se não me engano, Diamond também relata povos indonésios que perderam tecnologia (de canoas, acho), a recuperaram e perderam de novo.