Caros foristas - boa noite.
Dado o interesse que tenho pelo tema em debate, tomo a liberdade de vos apresentar uma pequena amostra das especulações filosóficas de Espinosa, retirado da “História da Filosofia”, escrita por Bryan Magee.
“Toda a Natureza é Una; e Ela é Divina. Apesar Dela ser Tudo o que há, e estar em todas as coisas, esta totalidade também deve ser entendida, como aquilo que convém compreender como Deus; e deve ser pensado como um sistema material de física e matemática.”
Espinosa era judeu, o único judeu antes de Karl Marx a ocupar uma posição na primeira linha dos pensadores originais, entre os filósofos ocidentais.
Nasceu em Amesterdão na Holanda, em 1632. Recebeu uma educação e uma formação judaico-ortodoxa; mas devido às suas opiniões heterodoxas, foi expulso da comunidade judaica aos 24 anos.
Começou a viver uma vida solitária, ganhando a vida como polidor de lentes para óculos, microscópios e telescópios. Nessa altura, essa era uma profissão nova. Mesmo assim, apesar dessa vida solitária, as suas obras filosóficas tornaram-no famoso.
Mas quando lhe ofereceram, um posto de professor na Universidade de Heidelberg, em 1673, ele recusou, porque queria ficar sozinho a filosofar, de acordo com a sua própria mente, segundo ele mesmo disse.
Além da sua filosofia, Espinosa foi o primeiro erudito importante, a examinar as escrituras como documentos históricos. Ao fazer isso, inaugurou, o chamado “criticismo superior”.
Espinosa, tal como outros filósofos famosos, foi um polimata genuíno; por razões familiares, foi educado a saber falar espanhol e português, bem como neerlandês e hebraico e também escreveu em latim. Além disso para se tornar um distinto erudito bíblico, aprendeu matemática e aquilo que se apelidava “a nova ciência”; em particular as obras de Copérnico, Kepler, Galileu, Newton, Hobbes e Descartes.
O seu conhecimento profissional, sobre microscópios e telescópios, deram-lhe uma visão avançada para o seu tempo, das possibilidades das novas tecnologias, que estavam a ser desvendadas pela nova ciência, a óptica. Poder-se-á dizer que a sua filosofia tentava juntar estas coisas e as suas implicações num todo integrado e metódico.
Espinosa ficou profundamente impressionado pela ciência e aceitou o concelho de Descartes, de que a maneira certa de construir um sistema filosófico a partir dos nossos conhecimentos científicos era começar por premissas indubitáveis e deduzir as consequências destas pelo raciocínio lógico.
Mas, ao mesmo tempo, percebeu que a filosofia de Descartes deixou certos problemas fundamentais por resolver. Se a realidade total, consiste em dois tipos diferentes de substâncias, que são afinal distintas, nomeadamente a substância material e a substância mental, ou seja a Matéria e a Mente, como é possível que a mente movimente a matéria através do espaço?
A resposta do próprio Descartes a esta pergunta era tão frágil, que não convenceu ninguém e os seus sucessores, não a achavam suficiente pertinente para ser discutida. Mas havia outros problemas por resolver, que eram de igual importância para Espinosa.
Ele era um ser humano profundamente moral, e também por temperamento, um homem de extrema religiosidade. E isso levantou-lhe toda a espécie de dificuldades no que respeita à nova ciência.
Se a realidade total, é a instância de um sistema dedutivo, na qual tudo o que existe ou acontece, pode ser deduzido com toda a necessidade da lógica de premissas evidentes, qual será o lugar da escolha moral, ou até mesmo da livre vontade? Como pode haver livre arbítrio, se tudo é cientificamente determinado?
E também qual era o lugar reservado a Deus nesse sistema? Se tudo o que acontece no Universo, pode ser explicado em termos de leis físicas, e compreendidas cientificamente por meio de equações matemáticas, parece que já não precisamos de Deus para fazer parte desta explicação.
Ele é deixado à margem de tudo, alheio ao sistema, por assim dizer supérfluo... Do século XVII ao século XXI, muitas pessoas ficaram - profundamente perturbadas e perplexas - com questões desse tipo.
Newton respondeu que foi Deus quem criou todo o Universo, e que depois o deixou a funcionar sozinho de acordo com as leis que tinha estabelecido; e que agora descobrimos serem leis, cientificamente demonstradas com a matemática. Mas isto não satisfazia Espinosa, que precisava de um Deus omnipresente em toda a Natureza.
Contra o dualismo.
A solução que Espinosa deu para estes problemas, começou com a ousada proeza de negar a premissa básica: negar a distinção fundamental entre matéria e a mente. Segundo ele, nós sabemos através das razões dadas por Descartes, que Deus existe e é um ser infinito e perfeito.
Mas, se Deus é infinito, então não pode ter fronteiras nem limites, porque se assim fosse ele seria finito. Assim não pode haver nada que Deus não seja; por conseguinte, Deus não pode ser uma entidade e a Natureza outra muito diferente. Porque isso seria estabelecer limites ao Ser que é Deus. Logo tem de estar no mesmo plano de tudo o que existe.
Há uma outra boa razão cartesiana para que isto aconteça. Descartes definiu substância, como aquilo que não precisa de nada exterior a si para existir. Mas Espinosa salientou, que apenas a totalidade de tudo que existe, é que não possui nada que lhe seja exterior. Dentro desta totalidade, tudo o que procuramos entender, tem de ser explicado, pelo menos parcialmente, em termos de algo diferente; as nossas explicações, sempre tomam pelo menos até certo ponto, a forma de coisas em união com outras.
A única entidade que não pode ser assim, é a totalidade de tudo; e isso, não pode ser assim, por si explicável e desligada de tudo; porque não existe mais nada. Isto significa, que é a única substância verdadeira; a única coisa que existe por si, a única causa sem causa aparente.
Mas estas coisas, são o que Deus pretende que sejam. Por consequência – novamente, mas por uma razão diferente – Deus tem de necessariamente, ser igual a todo o Universo. Deus portanto, é toda a Natureza.
Isto significa que, quer descrevamos o Cosmos em termos de concepções religiosas espirituais, quer em termos de estrelas, átomos e planetas, ou outros objectos materiais estudados pela Ciência, estamos sempre a descrever a mesma realidade natural.
Um conjunto de categorias, é abstracto ou mental, outro é concreto ou material, mas elas são meramente, duas maneiras diferentes de descrever a mesma realidade. A mesma entidade existente, está a ser observada sob dois aspectos diferentes. Assim Deus não se encontra fora do Mundo, nem dentro do dele, ele é o Mundo.
Podemos dizer que o Universo físico é o seu corpo, apesar disso ser apenas uma forma de ver o assunto. Uma apreciação espiritual de analisar Deus, seria simplesmente outra maneira diferente de compreender o mesmo Ser.
Nós mesmos, apesar de aparentemente sermos criaturas finitas, temos o mesmo carácter dual num mesmo ser; nós somos os nossos corpos físicos, mas também somos as nossas almas: e isso não são duas pessoas diferentes, são uma e única pessoa. É como se o corpo fosse a alma na sua aparência exterior. O que leva a concluir que em realidade, só existe Deus sobre a aparência de Natureza e Universo; ou vice-versa.
Especulando paralogismo comparado – artur.