14/10/2008 - 06h07
Atuação dos EUA para conter crise foi 'escandalosa', diz economista sueco
http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u455814.shtml CLAUDIA VAREJÃO WALLIN
da BBC Brasil, em Estocolmo
A atuação do governo americano desde o agravamento da crise financeira nos Estados Unidos foi "escandalosa", na opinião do economista sueco Arne Berggren, um dos arquitetos do pacote que salvou a economia da Suécia de uma crise semelhante na década de 90.
Berggren, no entanto, elogia a intenção do governo Bush de injetar dinheiro diretamente nas instituições financeiras ameaçadas, anunciada última sexta-feira. Mas, em sua opinião, o governo americano perdeu muito tempo antes de atacar os reais motivos da crise.
"Em geral, até o momento a atitude adotada pelos Estados Unidos tem sido escandalosa", disse Berggren, que atualmente é consultor do Banco Mundial, à BBC Brasil.
"Considerando-se a progressão da crise, o governo americano perdeu tempo demais contando com o que o Federal Reserve (Banco Central americano) poderia fazer e, em seguida, gastou mais tempo valioso tentando aprovar um plano no Congresso que não levou em conta todas as opções disponíveis para estabilizar os mercados", acrescentou Berggren, que, desde setembro, faz uma intensa ponte aérea Estocolmo-Washington a fim de explicar o sucesso do plano sueco.
A Suécia viveu no início da década de 90 um inferno financeiro parecido ao que os Estados Unidos enfrentam hoje, com a explosão de uma bolha imobiliária e um sistema financeiro em colapso.
O modelo sueco criado na época para debelar rapidamente o caos tornou-se referência para crise atual.
Ação
Para o economista, as medidas anunciadas pelo Banco Central americano foram necessárias para evitar um colapso total do sistema bancário, mas representaram o remédio errado para a crise.
Os problemas não serão solucionados, segundo ele, até que se enfrente a raiz do problema: o medo de um sistema em franca insolvência.
"O pacote de resgate de US$ 700 bilhões aprovado pelo Congresso americano para comprar ativos podres de bancos em dificuldades é astronômico, mas não resolve a questão fundamental. Para remover o medo da insolvência, quantias substanciais de capital precisam ser injetadas no sistema a fim de fortalecer os bancos."
O anúncio da última sexta-feira de que o governo Bush planeja agora injetar capital diretamente nos bancos americanos --nacionalizando assim em parte o sistema bancário-- representa, na visão do economista sueco, o "primeiro passo positivo na direção correta".
"Até recentemente, a idéia de nacionalizar temporariamente os bancos, como fizemos na Suécia na década de 90, foi amplamente rejeitada nos Estados Unidos, inclusive pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson."
Mas é um equívoco, segundo ele, interpretar este tipo de intervenção como o fim do capitalismo ou algo parecido.
"Sou a favor da liberdade dos mercados, mas quando ocorre um terremoto desta dimensão no sistema financeiro, o governo precisa intervir, socializar os bancos e fazer o que precisa ser feito. O risco é alto demais para investidores privados e, portanto, em situações de crise severa existe apenas uma fonte possível de capital, que é o dinheiro dos contribuintes, representado pelo Ministério das Finanças".
"Não se trata de ideologia, mas de gerenciamento de crise. Ao final da crise, o Tesouro pode vender as ações compradas dos bancos e repor o dinheiro dos contribuintes usado para resgatar o sistema", acrescentou o economista, que embarca esta semana para Washington a fim de debater no Banco Mundial estratégias para combater a atual crise.
Arne Berggren ressalta que o novo plano americano reflete o teor do pacote de cerca de US$ 880 bilhões anunciado na quarta-feira passada pela Grã-Bretanha, que prevê a nacionalização parcial de bancos para resgatar o sistema.
"O plano britânico enfrenta diretamente o problema da solvência. Espero que a Grã-Bretanha possa exercer liderança política para solucionar a crise, e que o governo de George W. Bush possa coordenar seus esforços com o modelo europeu", destacou o economista sueco.
Sobre os efeitos da crise atual na Suécia, Arne Berggren diz que o sistema de pagamentos e crédito do país tem sido afetado pela crise. Mas ele ressalta que os bancos suecos estão bem capitalizados e que o sistema de crédito doméstico talvez possa voltar à normalidade de forma relativamente rápida, assim que que a confiança básica seja restaurada a nível internacional.
Em relação às possíveis conseqüências da crise sobre o Brasil, o economista prefere não especular, mas opina.
"Uma boa tática para o Brasil e outros países é provavelmente desenvolver uma estratégia e uma infra-estrutura organizacional capazes de lidar com a possibilidade do pior cenário, e tentar costurar o fundamental consenso político para adotar as medidas necessárias", observa Arne Berggren.
O modelo sueco
Assim como a atual crise financeira global, a crise do sistema bancário da Suécia nos anos 90 teve origem na explosão de uma bolha no mercado imobiliário, criada em conseqüência da desregulamentação do mercado de crédito do país em 1985.
Os sete maiores bancos do país acumularam perdas equivalentes a 12% do PIB, e as taxas interbancárias saltaram para 500%.
Em 1992, frente ao virtual colapso do sistema, o governo de centro-direita do então primeiro-ministro Carl Bildt decidiu interferir de forma rápida e drástica. Arne Berggren destaca dois fatores decisivos para o sucesso do modelo sueco: "Todas as medidas foram tomadas com pleno consenso de todo o espectro político e o governo assumiu garantias vitais assim que elas se mostraram necessárias".
O governo anunciou garantias imediatas aos credores de todos os bancos do país a fim de restabelecer a confiança - mas não concedeu nenhuma garantia aos acionistas das instituições.
Uma agência governamental foi estabelecida para supervisionar todos os bancos que necessitavam ser recapitalizados, mas sob uma condição: em troca de ajuda, os bancos tiveram que ceder capital.
"Decidimos que, se íamos entrar com o dinheiro, então teríamos que assumir o controle parcial ou total dos bancos", destaca Arne Berggren.
"Usar o dinheiro do contribuinte para salvar bancos em dificuldades, sem exigir nada em troca, seria como passar um cheque em branco para as instituições que agiram da forma mais irresponsável", acrescenta o economista, que após a crise trabalhou como consultor do Fundo Monetário Internacional para crises sistêmicas, além de assessorar os governos da Tailândia e Coréia do Sul durante a crise asiática de 1997.
O governo chegou a controlar mais de 20% do sistema bancário do país. No total, a Suécia gastou cerca de 4% de seu PIB para salvar os bancos --montante proporcionalmente semelhante ao proposto pelo secretário do Tesouro nos EUA.
No final de 1993, a crise bancária foi superada. Em 1994, os bancos começaram a apresentar lucros e o governo pôde vender sua participação nas instituições, retornando assim o dinheiro aplicado no resgate aos cofres dos contribuintes.