"Contra a religião , a utopia é ao mesmo tempo " expressão da miséria real e protesto contra a miséria real" [1]. Pensar o comunismo por vir é invalidar o capitalismo presente. Mas tudo muda a partir do momento em que a utopia toma o poder. A invocação da sociedade por vir se torna , então , não mais a condenação mas a desculpa e a justificação0 da sociedade presente. O mesmo ideal comunista que servia para condenar o capitalismo serve para absolver o socialismo. Podem ser sacrificadas assim gerações inteiras. Vocês sofrem, mas não tem importância: serão felizes , ou seus filhos serão... Há erros , mas não tem importância: eles tendem à verdade... Há crimes , mas não tem importância: eles preparam a justiça por vir... Há terror ,mas não tem importância: ele prepara a liberdade , amanhã... Finalmente a utopia no poder reproduz a vigarice que está no âmago de toda religião: como o paraíso está por vir , é preciso suportar pacientemente os sofrimentos que o merecem e anunciam. Tudo é justificado , santificado , anulado. Tudo está bem pois tudo vai na direção do melhor. Tudo vai muito bem no melhor dos mundos possíveis...em gestação. A utopia é a religião dos ateus. Não é de espanter que Ernst Bloch tenha feito da religião a utopia dos crentes. Mas isso ,a nosso ver , condena a utopia e não salva a religião. Não nos importa que uma utopia tome lugar de outra: a mesma cilada sempre renasce , a cilada da esperança e da fé. O futuro é a terra prometida de todas as alienações.Camus tinha razão:"A utopia substitui Deus pelo futuro. Ela identifica o futuro com a moral: o único valor é o que serve a este futuro. Eis por que ela , quase sempre , foi obrigatória e autoritária. Marx , como utopista , não se diferencia de seus terríveis predecessores e uma parte de seu ensinamento justifica seus sucessores..."A cada um suas beatitudes. " Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça , porque serão fartos..." Tudo cabe no futuro. Amanhã , Deus e Stalin barbearão de graça... A utopia é o ópio do povo. Trata-se de aprender a desesperar."
Andre Comte-Sponville , Os Labirintos da Política , in Tratado do Desepero e da Beatitude , Ed Martins Fontes
A citação de Camus ( que tem tudo a ver com as posições do Renato) é do livro O Homem Revoltado , que foi o pivô de sua ruptura com Sartre. Um livro que infelizmente ainda não li.
E Comte-Sponville , especialmente este livro , merece ser lido pelos que se interessam pela relação entre ética e política.
Excelente texto sobre a religiosidade na política. Muito bom mesmo!!
Dbhor, não vou responder à provação. Não tinha ficado ofendido com o patético também, respeito sua decisão.
Todavia...
Temos algo a discutir aqui. Para mim, está claro que o racional que apresentei no post abaixo é um racional que justifica assassinatos e sofrimento com a promessa de um futuro que não pode se realizar a partir de premissas que não são sustentáveis.
E o que gostaria de pontuar é que se você trocar socialismo por islamismo no post abaixo, vai reconhecer a argumentação de um fanático religioso. Não podemos reconhecer fanatismo religioso em discursos políticos?
Então gostaria de testar com os foristas a seguinte afirmação:
O racional do Renato T, proposto no kink abaixo, é uma das fontes de crimes odiosos realizados contra o nosso mundo.
Gostaria de ouvir opiniões.
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