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Você acredita que acredita ou desacredita livremente no livre-arbítrio ou sua escolha é predeterminada por fatores além do seu controle?

Acredito no livre-arbítrio e ele é compatível com a causalidade
8 (25.8%)
Acredito no livre-arbítrio, mas ele não é compatível com a causalidade
4 (12.9%)
Não acredito no livre-arbítrio, pois ele é incompatível com a causalidade
19 (61.3%)
Não acredito no livre-arbítrio, apesar de ele ser compatível com a causalidade
0 (0%)

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Autor Tópico: Livre-arbítrio  (Lida 14986 vezes)

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Offline uiliníli

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Re: O problema do livre-arbítrio
« Resposta #50 Online: 04 de Março de 2009, 18:56:03 »

Liberdade como ausência de coacção

Vimos dois importantes argumentos a favor do incompatibilismo. Estes argumentos destinam-se a mostrar que liberdade e determinismo não podem ser conciliados; assim, se o determinismo é verdadeiro, a imagem que a ciência nos oferece do mundo (incluindo fazermos parte dele) não é compatível com a existência de uma agência livre (entende-se por "agência" a capacidade para agir, isto é, para efectuar acções de forma voluntária e intencional). Ou o modo como olhamos para nós próprios está profundamente errado, ou é o determinismo que está errado.

Qualquer destas soluções tem custos difíceis de aceitar: há sempre algo que se perde, além de não ser claro em que medida o determinismo ser falso (e o indeterminismo verdadeiro) constitui realmente uma ajuda. À primeira vista, pelo menos, dir-se-ia tão difícil compatibilizar o determinismo com a liberdade como compatibilizar a liberdade com o indeterminismo. Ora, a posição compatibilista pretende reunir o melhor dos dois mundos e resolver o problema do livre-arbítrio sem que tenhamos de pôr de lado qualquer destas alternativas.

Mas como é isto possível? Tínhamos visto que interpretar o comportamento de Heitor à luz do conceito de liberdade nos obriga a concluir que Heitor podia não ter feito o que fez. Se interpretarmos o seu comportamento deterministicamente temos de concluir que Heitor não podia não ter feito o que fez. A contradição é evidente: Heitor podia não ter feito o que fez e Heitor não podia não ter feito o que fez. O problema, para um compatibilista, é evitar que esta contradição ocorra.

Uma estratégia consiste em tentar impedir que esta contradição seja derivável a partir de premissas que envolvam os conceitos de liberdade e de determinismo. Para manter o nosso exemplo, esse conjunto de premissas seria: "Heitor praticou livremente a acção A" e "A acção A praticada por Heitor tem uma causa". Para tentar evitar o resultado indesejado é preciso mudar pelo menos uma premissa: a estratégia compatibilista é mudar o conceito de liberdade.

Note-se, portanto, que um compatibilista não tem que se intimidar com os argumentos incompatibilistas apresentados (o argumento da causalidade à distância e o argumento da inevitabilidade). Em geral, os compatibilistas tendem a defender que a ideia de liberdade envolvida em cada um destes argumentos é realmente incompatível com o determinismo, mas que uma tal liberdade é um mito. Entendida como a capacidade do agente de ser a origem última das acções que pratica — ter sobre elas a última palavra — a liberdade não existe. (Isto parece dar razão aos libertistas, que acusam os compatibilistas de serem cépticos disfarçados, e nada mais.) Mas o conceito de liberdade tal como é utilizado para descrever as mais variadas situações do quotidiano, não requer o poder do agente para ter a última palavra sobre as acções que pratica. Requer apenas que o agente possa realizá-las sem que haja alguma coisa a impedi-lo.

Consequentemente, para um compatibilista, um agente pratica livremente uma acção se e só se:

    O agente pode fazer o que tem vontade de fazer (na ausência de obstáculos que o impeçam de prosseguir os seus fins)

Assim, uma acção só não é livre se o agente for confrontado com um impedimento que inviabilize a acção.

Estes impedimentos podem ser externos (quero comprar um disco mas não tenho dinheiro) ou internos (sou vítima de um impulso irresistível que não controlo — como o cleptomaníaco). Neste sentido, uma acção X pode ser livre e, em simultâneo, determinada: é determinada porque tem origem numa série causal que vem do passado e cujo último elemento é um desejo de fazer X; e é livre porque, dada a ausência de obstáculos, nada impede o agente de fazer o que deseja. Esta concepção de liberdade não está sujeita à objecção de que apenas somos livres se tivermos controlo sobre os elos passados das nossas acções. Não temos controlo sobre o passado. Mas também não se vê necessidade de o ter.

Vejamos uma vez mais o caso de Heitor. Um compatibilista dirá que Heitor enfrentou Aquiles livremente, e que tê-lo feito não implica pôr em causa uma visão determinista do mundo.

Heitor enfrentou Aquiles porque foi esse o seu desejo (nas circunstâncias dadas); e fê-lo livremente porque nada o impediu de o realizar. Esta ideia capta suficientemente bem que fazer o que queremos fazer é uma condição necessária da acção livre. Mas fazer o que queremos fazer pode não ser tudo. Talvez seja necessário que Heitor pudesse não ter feito o que fez. Poderá o conceito compatibilista de liberdade, além da ausência de coacção, incluir a ideia de que o agente possui alternativas reais? Heitor podia não ter enfrentado Aquiles?

Voltemos ao caso do fósforo. Admita-se estarem reunidas as seguintes condições: 1) há oxigénio no ar; 2) a lixa que seguro na mão está seca; 3) a pressão do fósforo na lixa é adequada; 4) o fósforo está em óptimas condições. A ocorrência dos factores 1-4 torna fisicamente impossível o fósforo não acender: isto é, 1-4 são suficientes para determinar o acendimento. A ocorrência dos factores causalmente relevantes para o acendimento não deixa outra alternativa.

Vejamos agora o caso das térmitas-soldado. Quando o formigueiro é atacado saem em sua defesa desde que não surja qualquer impedimento. Digamos que também aqui a ausência de obstáculos é necessária para que a acção tenha lugar; contudo, as térmitas-soldado — pensamos nós — não são livres. E não são livres porque não podiam ter agido de outro modo. As instruções contidas nos seus genes, em conjunto com as condições do meio — a situação em que se encontra o formigueiro — são suficientes para determinar o comportamento.

E no nosso caso? O que significa dizer que um agente A, numa situação S, tem ao seu dispor alternativas reais de acção? Significa que no momento imediatamente anterior à sua decisão, A tem ainda diante de si n > 1 cursos de acção; significa, portanto, que o conjunto de factores causalmente relevantes para a acção não é suficiente para a determinar. É isto que nos faz dizer que o agente é a origem última da acção (que tem a última palavra). A acção podia ter sido diferente do que foi mantendo-se todos os outros factores inalterados.

Aplicando esta ideia ao caso de Heitor: ele disporia de alternativas reais se, e só se, a sua decisão pudesse ter sido outra, mantendo-se tudo o mais idêntico: as circunstâncias em que se encontrava, mas também os seus desejos e as suas crenças — ou seja, a sua personalidade. (A personalidade do agente é causalmente relevante para o que o agente quer fazer.)

O que nos diz o compatibilismo? Diz-nos que, no sentido indicado, Heitor não podia ter feito outra coisa excepto enfrentar Aquiles. Mas diz-nos também que há ainda um outro sentido, não categórico, mas condicional, de afirmar que Heitor podia ter feito outra coisa: ele podia não ter enfrentado Aquiles se os seus desejos e crenças fossem diferentes. Se a série de causas que conduziu à decisão de enfrentar Aquiles incluísse outros desejos e crenças, se a sua personalidade fosse em algum aspecto diferente, então, no caso de nada o impedir, Heitor poderia não ter enfrentado Aquiles. E isto, obviamente, é compatível com o determinismo.

O que o determinismo diz é que as nossas acções são a consequência inevitável de causas anteriores (em conjunto com as leis da natureza aplicáveis no caso); mas isto não impede que se o passado tivesse sido diferente, também o presente (e o futuro) poderiam sê-lo. Será isto aceitável? Poderemos aceitar uma interpretação estritamente condicional de "um agente é livre se, e só se, podia ter feito outra coisa", em vez de uma interpretação categórica?

Para se ver melhor o que está em causa nas duas interpretações, observem-se cada uma das propostas.

    Interpretação categórica: Um agente A praticou livremente uma acção X se e só se

        podia ter agido de forma diferente de X.

    Interpretação condicional: Um agente A praticou livremente uma acção X se e só se

        podia ter agido de forma diferente de X, caso tivesse escolhido fazê-lo.

Avaliar os méritos e as lacunas destas posições não é fácil. Uma via possível seria a seguinte.

O compatibilismo supõe que uma definição condicional de diferentes cursos de acção é compatível com o uso vulgar do conceito de liberdade. Se for assim, dada a relação entre liberdade e responsabilidade, a interpretação condicional terá ainda de ser compatível com o conceito vulgar de responsabilidade. Uma maneira de avaliar se há compatibilidade no primeiro caso é, portanto, avaliar se há compatibilidade no segundo. Vejamos como isto pode ser feito.
Ausência de coacção e responsabilidade

Há uma importante relação conceptual entre liberdade e responsabilidade que todos admitimos. Ser livre implica ser responsável; ser responsável implica ser livre. (A relação entre liberdade e responsabilidade não é tão directa como esta formulação sugere. Está a ser pressuposto que os agentes são sensíveis a razões de ordem moral e que dispõem dos meios para as identificar.) A primeira implicação é óbvia: se um agente A praticou livremente uma acção X, A podia ter evitado praticar X; quaisquer que sejam as consequências decorrentes de X, elas só terão lugar se A decidiu não as evitar, embora pudesse tê-lo feito. São estas considerações que tornam algumas acções objecto de censura e outras dignas de elogio. Censuramos as acções que têm más consequências e elogiamos aquelas cujas consequências são boas. A segunda implicação também é óbvia: um agente A ser responsável por uma acção X, significa que A podia ter evitado X.

Vejamos dois exemplos. Um esquizofrénico assassina a mãe e a avó num momento de perturbação. A sua responsabilidade pode ser questionada se presumirmos que a doença lhe retirou momentaneamente o controlo dos seus actos; não pode ser responsabilizado porque não podia não ter feito o que fez. Um piloto decide arriscar um voo em condições meteorológicas bastante difíceis; a sua decisão pode ser questionada se as regras básicas da prudência tiverem sido violadas; é considerado responsável porque podia não ter feito o que fez.

Ao contrário do esquizofrénico, o piloto é o único autor da acção: é sua a última palavra sobre praticar (ou não) a acção. Neste sentido, a atribuição de responsabilidade moral aos agentes parece implicar que são eles os autores das suas acções. Mas, para que o sejam, é necessário terem tido ao seu dispor verdadeiras alternativas: estava realmente em seu poder praticar (ou não) a acção. A questão é: será que uma interpretação condicional de liberdade, tal como os compatibilistas sugerem, está em condições de suportar este sentido de responsabilidade?

Para um compatibilista, defender que Heitor enfrentou Aquiles livremente é o mesmo que dizer que Heitor poderia não o ter feito se as suas intenções fossem outras, i. e., se tivesse outros desejos e crenças. Mas isto parece implicar que Heitor só podia não ter feito o que fez se fosse uma pessoa diferente — o que é insuficiente para o responsabilizar pelas suas decisões. É seguramente abusivo atribuir responsabilidade moral a um agente com base no poder de agir diferentemente se ele fosse uma pessoa diferente da que é. O que está em causa é, pelo contrário, saber se podemos responsabilizar moralmente um agente pelo que faz sendo ele a pessoa que é.

Se estas considerações estiverem correctas (e podem não estar; Harry Frankfurt, por exemplo, argumentou que o determinismo é compatível com a imputação de responsabilidade moral aos agentes; uma avaliação desta proposta vai, no entanto, muito além do que aqui está em causa), o conceito compatibilista de liberdade não é suficiente para suportar a atribuição corrente de responsabilidade moral aos agentes. Mas, nesse caso, não é compatível com o sentido vulgar de "liberdade". Se estas considerações estiverem certas, o conceito compatibilista de liberdade implica um desvio injustificado do uso padrão.
Paulo Ruas

Offline lusitano

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Re: O problema do livre-arbítrio
« Resposta #51 Online: 21 de Março de 2009, 07:18:23 »
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uiliníli

Humanista Secular

O problema do livre-arbítrio


Creio que o livre arbítrio é uma espécie de ilusão. Todos nós, somos educados para sermos seres responsáveis. Quanta vezes, as condicionantes sociais e orgânicas, nos impõem um comportamento, que aceitamos de bom grado como livremente escolhido e mais tarde, reconhecemos, que devíamos ter agido doutra maneira...

Todavia concordo com Sartre, estamos condenados a ser livres. Esse é um dos maiores ideais que que as sociedades "democráticas", tentam incutir nos seus indivíduos.

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Offline Leon Tiger Savage

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Re: O problema do livre-arbítrio
« Resposta #52 Online: 24 de Março de 2009, 20:59:13 »
Algumas questões. Eu tenho um cérebro e ele está sujeito ás leis da causalidade, certo? É por causa disto que não há livre arbitrio? Bem eu sou o cérebro e a minha mente inclui como parte de mim toda essa causalidade. É aquilo que eu sou. Onde está a marioneta?

Eu sou da opinião que o problema do livre arbitrio nem sequer é inteligível...

E exemplos como o cleptomaniaco não tem muito a ver com a questão. E se tivesse, provaria que há livre arbitrio, já que não é impossível resistir ao impulso de roubar.
« Última modificação: 24 de Março de 2009, 21:03:02 por Leon Tiger Savage »

Offline lusitano

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Re: O problema do livre-arbítrio
« Resposta #53 Online: 25 de Março de 2009, 16:59:50 »
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Leon Tiger Savage

Re: O problema do livre-arbítrio
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Algumas questões. Eu tenho um cérebro e ele está sujeito ás leis da causalidade, certo? É por causa disto que não há livre arbitrio? Bem eu sou o cérebro e a minha mente inclui como parte de mim toda essa causalidade. É aquilo que eu sou. Onde está a marioneta?


A marioneta é o "Eu consciente". Ou seja: "Eu penso logo existo". Portanto sou livre.

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Offline Leon Tiger Savage

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Re: O problema do livre-arbítrio
« Resposta #54 Online: 25 de Março de 2009, 20:14:20 »
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Leon Tiger Savage

Re: O problema do livre-arbítrio
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Algumas questões. Eu tenho um cérebro e ele está sujeito ás leis da causalidade, certo? É por causa disto que não há livre arbitrio? Bem eu sou o cérebro e a minha mente inclui como parte de mim toda essa causalidade. É aquilo que eu sou. Onde está a marioneta?


A marioneta é o "Eu consciente". Ou seja: "Eu penso logo existo". Portanto sou livre.

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Não existe nenhum eu cartesiano. Filosofos como Dennett (Diacho, até La Mettrie refutou Decartes) já refutaram essa história. Hoje há dualistas mas são mais subtis (tanto que eu não os entendo)...

Offline lusitano

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Re: O problema do livre-arbítrio
« Resposta #55 Online: 25 de Março de 2009, 20:51:46 »
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Leon Tiger Savage

Citação de: lusitano  em  Hoje às 16:59:50Citar

Re: O problema do livre-arbítrio
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Algumas questões. Eu tenho um cérebro e ele está sujeito ás leis da causalidade, certo? É por causa disto que não há livre arbitrio? Bem eu sou o cérebro e a minha mente inclui como parte de mim toda essa causalidade. É aquilo que eu sou. Onde está a marioneta?

A marioneta é o "Eu consciente". Ou seja: "Eu penso logo existo". Portanto sou livre.

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Não existe nenhum eu cartesiano. Filosofos como Dennett (Diacho, até La Mettrie refutou Decartes) já refutaram essa história. Hoje há dualistas mas são mais subtis (tanto que eu não os entendo)...


Também eu creio - que o "eu" - não seja propriamente "Cartesiano"... Mas continua apesar disso, a ser uma certa auto-percepção, ou sentimento de si, como sugeriu António Damásio na sua crítica a Descartes.

No entanto, para evitar confusões, o que é que você entende por um "eu" cartesiano?

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Offline Johnny Cash

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Re: O problema do livre-arbítrio
« Resposta #56 Online: 25 de Março de 2009, 21:29:48 »
Embora eu não goste que seja assim: "Não acredito no livre-arbítrio, pois ele é incompatível com a causalidade".

Offline Bruno Coelho

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Re: O problema do livre-arbítrio
« Resposta #57 Online: 04 de Abril de 2009, 04:44:24 »
Diferentes dos animais nós temos uma grau de liberdade maior pois raciocinamos, estas capacidades nos tornam responsáveis moralmente mesmo que estas propriedades sejam determinadas.

Offline Zeichner

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Re: O problema do livre-arbítrio
« Resposta #58 Online: 04 de Abril de 2009, 19:11:03 »
Diferentes dos animais nós temos uma grau de liberdade maior pois raciocinamos, estas capacidades nos tornam responsáveis moralmente mesmo que estas propriedades sejam determinadas.

Sou contra o determinismo, apesar dos instintos serem herdados geneticamente, o grande encéfalo humano permite superar isso. Determinismo para mim é desculpa de vadio.

Offline Johnny Cash

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Re: O problema do livre-arbítrio
« Resposta #59 Online: 04 de Abril de 2009, 22:53:59 »
[...]
Determinismo para mim é desculpa de vadio.

Como você chegou a essa conclusão?
Eu, por exemplo, não sou vadio e acredito no determinismo.

Offline Zeichner

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Re: O problema do livre-arbítrio
« Resposta #60 Online: 04 de Abril de 2009, 23:53:37 »
[...]
Determinismo para mim é desculpa de vadio.

Como você chegou a essa conclusão?
Eu, por exemplo, não sou vadio e acredito no determinismo.

ahhh sou assim porque deus god yavé me fez assim. Sou pobre porque nasci assim, sou bandido porque não tive outra escolha, etc... Não  gosto do determinismo, porque, quando dizemos que somos destinados a algo, simplesmente é porque desistimos de tentar mudar... é uma excelente desculpa. èuma aceitação do que seria inevitável, mas é possível mudar sim. Nada está escrito, não existe destino.

Quando olhamos para o passado, as escolhas parecem lógicas, a trilha parece ser uma só,apenas porque os outros caminhos ficaram escondidos, mas estiveram lá.

Offline Johnny Cash

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Re: O problema do livre-arbítrio
« Resposta #61 Online: 05 de Abril de 2009, 13:11:46 »
Zeichner, não é simples assim. Não é questão de dar desculpa, ou de atribuir a carga de minhas escolhas a Dísâs Cruaisti e etc.

Leia novamente a parte que trata de Heitor e talvez fique mais nítido. Nós somente tomamos uma certa escolha, por que já carregamos uma série de fatores que só nos possibilitam tomar aquele caminho (personalidade, valores sociais, etc...). Ainda acho que, se nos fosse possível inserir com precisão, todas as infinitas variáveis que estão nos influenciando constantemente, em um simulador, nós conseguiriamos determinar alguns prováveis eventos que aconteceriam daqui a um tempo.

Não se trata de exoterismo, nem de varrer más escolhas para baixo do tapete.

Offline Zeichner

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Re: O problema do livre-arbítrio
« Resposta #62 Online: 05 de Abril de 2009, 22:24:58 »
Eu só acredito em Murphy.

Nós que tentamos dar sentido pro que Murphy faz. É próprio do cérebro humano tentar fazer isso.

Offline Johnny Cash

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Re: O problema do livre-arbítrio
« Resposta #63 Online: 06 de Abril de 2009, 19:03:58 »
No fim, Zeichner, vale mais o que Raul disse: Faça o que tu queres, Há de ser tudo da lei.

 :biglol:

Offline _tiago

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Re: O problema do livre-arbítrio
« Resposta #64 Online: 20 de Abril de 2009, 23:21:38 »
Dia desses li que a teoria da relatividade não aceita o livre arbítrio pois não existe casualidade. O problema foi a fonte, escassa (a Super). Ao menos me fez tirar da estante "Uma Breve História do Tempo" do Hawking, quero ver se encontro alguma coisa mais substâncial sobre o assunto. Quem entende e pode me indicar uma leitura, por favor!
A reportagem, a princípio, não compara o tempo com um rio, mas com um bloco de gelo, ou um rolo de filme. Dessa forma, passado e futuro não são momentos no tempo, mas sim lugares. Acelerar próximo à veloc. da luz não te adianta apenas no espaço, mas no tempo também.
Estou no comço do livro, encontrando algo relacionado, mesmo que desdizendo a reportagem, posto aqui.

Abçs.

Offline ronysalles

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Livre arbítrio...?
« Resposta #65 Online: 12 de Maio de 2009, 11:05:06 »
Livre-arbítrio...?


Teria o ser humano capacidade de mudar aquilo que ele é?(natureza) Seria o homem capaz de mudar suas preferências subjetivas espontaneamente? É possível alguém, de repente, mudar os traços genéticos e culturais que determinam seu comportamento? É o ser humano capaz de mudar, sem influência ambientais o seu caráter? Se o ser humano, por natureza, não pode mudar aquilo que ele é (hereditariedade); não é capaz de mudar suas preferências; não é capaz de alterar suas características biológicas e culturais, nem mudar de preferências próprias e intrínsecas a sua natureza, onde podemos “encaixar” o livre-arbítrio?

O Livre-arbítrio diz respeito à crença em que o homem tem o poder de escolher suas ações. Por exemplo, alguém pode escolher beber água, ou não quando estiver com sede; ele tem total liberdade de escolher entre essas duas ações. Mas o problema no conceito está na palavra LIVRE. Se analisarmos as circunstâncias em torno da situação, vemos que não se trata etimologicamente de LIBERDADE, muito menos liberdade da vontade. Primeiro porque nossa vontade não é livre, pois se dissermos que o homem tem a opção de escolher entre uma coisa e outra, nos permite fazer a seguinte pergunta: foi o “eu” individualmente quem criou as opções? (o meio)

A [vontade] que é o resultado de uma série de fatores, como genéticas e culturais levanta outras questões. Esses fatores estão completamente fora de nosso domínio imediato. Portanto, nos cabe perguntar até que ponto existe uma VONTADE LIVRE. Se não podemos decidir qual tipo de comida nos será preferível (antes de nos tornarmos adultos) – pois cabe ao meio e a genética “fazê-lo”–, como posso dizer que essa vontade é livre?

Um índio não decide valorizar mais a um arco e flecha do que um rifle; um brasileiro não decide valorizar mais a Língua Portuguesa do que o Mandarim; uma criança não decide preferir um refrigerante a um copo de cerveja. O meio em que ela vive; as circunstâncias, o tempo, as propagandas, os pais, a escola, os costumes culturais, o tipo de música, as tendências e muitos outros fatores serão a causa dessa VONTADE.

Arbítrio é vontade. Mas não há livre-arbítrio, isto é, vontade-livre. Pois uma vontade livre não se submeteria às circunstâncias que lhe rodeiam.

Dizer que temos livre-arbítrio seria o mesmo que dizer que alguém que quer dormir, assim o faria se pudesse. Pergunte a uma pessoa que sofre de insônia se ela tem domínio de seu sono. Dormir é tudo que ela quer, mas não consegue. O mal de insônia não lhe permite... Esse exemplo poderia ser aplicado ao psicopata, ele o é porque quer?

Ter vontade livre é o mesmo que ter a capacidade de mudar os rumos de seus desejos. “Eu gosto muito de laranjas, mas a partir desse momento vou passar a não gostar mais, ou seja, a minha vontade está submissa a mim. Eu tenho poder de mudar, pois sendo minha, eu posso livremente decidir”. 

Se tivéssemos livre-arbítrio; ou seja, se nossa vontade fosse LIVRE, nós não seríamos afetados pelo nosso ambiente. O tipo de comida que comemos; o tipo de música que gostamos; a religião que seguimos; os costumes que temos; os valores sociais que praticamos etc. nada disso seria capaz de influenciar nosso comportamento, pois sendo uma vontade livre, não teria porque esses fatores determinarem nossa maneira de ser.

Um cristão poderia decidir ser mulçumano sem a interferência do meio. Um estalar de dedos, e você é um mulçumano. Um esquizofrênico poderia – com um estalar de dedos – decidir não mais ser o que é. Um padre, do nada, poderia decidir ser um ateu, pois sua vontade é livre, não precisa de fatores externos para mudar seu caráter. 

Se há livre-arbítrio, por quê os cristãos não conseguem acreditar nos deuses indígenas? Por que não conseguem crer nos deuses nórdicos? Apenas pra sentir qual seria a sensação, depois poderia decidir voltar a crer nos seus deuses de origem. Afinal a vontade É LIVRE.

QUEM CRIOU AS OPÇÕES?

O grande problema em torno do conceito da palavra livre-arbítrio é de cunho etimológico e filosófico. A palavra livre é sinônimo das palavras: autorizado, permitido, lícito, desobrigado, dispensado, eximido, isento, liberado, desatado, desligado, desprendido, solto, imune etc.

A palavra arbítrio seria: vontade, anelo, anseio, ânsia, aspiração, desejo, arbítrio, volição, bel-prazer etc.

Portanto livre é aquele que não depende de absolutamente nada. Sendo assim nem os pássaros que tanto elogiamos por sua “liberdade” não são livres, pois eles dependem de “N” fatores para voar.

Um preso não seria livre por ganhar sua “liberdade” ao sair da prisão.. Ele não tem idéia do lhe espera lá fora.

Um consumidor não é livre por “escolher” um refrigerante no supermercado. Ele não tem idéia do bombardeio ideológico pelo o qual ele passou até o ato da compra. 

Sendo assim, o relativismo é a única  solução na aplicação da palavra livre-arbítrio. Partindo de um determinado ponto de vista é que o conceito dessa filosofia poderia fazer algum sentido. Pois dizer que existe livre-arbítrio no sentido literal da palavra não faz sentido.

Quando Adão e Eva foram condenados pela desobediência, por não ter escolhido não comer a maçã, eles poderiam ter questionado a Deus sobre as opções que já havia, muito anteriormente sido planejadas. Se eles eram LIVRES, por que não participaram no projeto do Éden e de toda trama? Assim as ditas opções que lhes foram impostas, não seriam tão injustas.

Muitas pessoas adoram dizer que as desgraças que ocorrem no mundo é por culpa do pecado. Recorrem à idéia de que o ser humano tem livre-arbítrio, e por isso o homem será cobrado. Mas infelizmente poucos entendem sequer, o que significa livre-arbítrio.

Seria o ser humano também culpado pelas catástrofes naturais que acontecem? Terremotos, furacões, maremotos, doenças, pragas etc. Milhares de pessoas morrem todos os anos por causa dos efeitos da natureza – pessoas boas e más. Apesar da ação humana sobre a natureza, não podemos deixar de lembrar que esses fenômenos sempre existiram – desde os primórdios de nossa história. Portanto, não convém apontar o homem como o único causador desses fatos, ou seja, há aqueles que são fomentados pela a ação do homem e há aqueles que são próprios da transformação do planeta.

O fato é que esses acontecimentos põem em xeque a crença do livre-arbítrio. Os acontecimentos de cunho históricos e políticos também são determinantes no comportamento das pessoas. A cultura ocidental é diferente da cultura africana, por conseguinte os mesmos terão crenças, atitudes e opiniões diferentes.

Na Idade Média os padres católicos achavam que queimar pessoas era uma boa maneira de punir um indivíduo por um crime, especialmente àqueles que contradiziam as regras da Igreja (heresia). Hoje os tempos são outros, a ciência, o humanismo, as opiniões mudaram; por conseguinte as atitudes também mudaram, ou seja, os fatos em transformação influenciam o comportamento do cidadão, e não uma vontade LIVRE, pois a vontade do homem não é imune aos acontecimentos que lhe rodeiam.


« Última modificação: 12 de Maio de 2009, 17:13:41 por ronysalles »
“A maior decepção de um crente fervoroso seria, ao chegar no céu, vê um ateu”. ronysalles

Offline _tiago

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O não tão livre arbítrio (Hélio Schwartsman)
« Resposta #66 Online: 09 de Setembro de 2009, 20:33:56 »
Citar
O não tão livre-arbítrio

Imagine a mais deliciosa sobremesa que suas papilas gustativas podem conceber. Acrescente uma camada extra de cobertura de chocolate. Agora imagine o garçom lhe estendendo uma generosa porção dessa iguaria. Você consegue recusar?

Se, como a maioria dos seres humanos, não resiste à tentação, pode perguntar-se onde diabos está o livre-arbítrio de que tanto falam filósofos e padres. A questão é debatida há pelo menos dois milênios e não estamos nem perto de uma resposta definitiva. Esse conceito reúne numa só trama alguns dos mais cabeludos problemas filosóficos, como a natureza do universo (se ele é ou não determinado), a causalidade e se o homem é ou não um agente moral.

O leitor de boa memória se lembrará de que, no final de minha coluna anterior, comentando o caso da pequena Isabella, sugeri que o tal do livre-arbítrio talvez seja menor do que exigiriam as noções mais comuns de justiça.

A pergunta fundamental é: somos livres para agir como desejamos? Suas implicações não são triviais. Se nossas ações são determinadas, seja pela biologia, pela física ou por Deus, como responsabilizar alguém por seus atos?

Assim, a primeira parte do problema é física. Importa saber se tudo o que ocorre no mundo é uma fatalidade ou se há espaço para decisões autônomas. Quem melhor colocou a questão foi o célebre matemático francês Pierre-Simon de Laplace (1749-1827), ao propor, na introdução ao seu "Essai philosophique sur les probabilités", um experimento mental que mais tarde ficou conhecido como "o demônio de Laplace": "Podemos ver o estado presente do universo como o efeito de seu passado e a causa de seu futuro. Um intelecto que em dado momento conhecesse todas as forças que colocam a natureza em movimento, e as posições de tudo aquilo de que a natureza é composta, se tal intelecto também fosse capaz de submeter esses dados a análise, ele abarcaria numa única fórmula tanto os movimentos dos maiores corpos do universo como os do menor átomo; para este intelecto nada seria incerto e o futuro assim como o passado estariam presentes diante de seus olhos".

Bem, se acreditamos como Laplace que todos os eventos presentes e futuros são o resultado do passado do universo em combinação com as leis da natureza, então somos deterministas. É uma posição especialmente confortável para os que não querem carregar em suas costas o peso de decisões morais. Se tudo o que se passa no mundo é o resultado de uma fórmula matemática, culpar alguém por um assassinato faz tanto sentido quanto responsabilizar o leão por devorar a gazela ou um asteróide por ter dizimado os dinossauros.

Na mesma situação se encontram aqueles que postulam a existência de um Deus perfeitamente onisciente e onipotente. Tal entidade atrairia para si todas as culpas do universo.

Deixemos, porém, a teologia de lado e voltemos à física. Ainda que numa versão mais nuançada, Albert Einstein pensava mais ou menos como Laplace. É por isso que tinha horror à mecânica quântica (na qual as previsões estão limitadas a mera probabilidade), sobre a qual sentenciou: "Deus não joga dados".

A "solução" de Einstein para sustentar um universo determinista sem não atirar a noção de responsabilidade num buraco negro foi rebaixá-la um bocadinho: "Um ser humano pode perfeitamente fazer o que quiser, mas não pode desejar o que quer". Aqui, o físico alemão acompanha o bom e velho Schopenhauer. Somos todos filhos da necessidade.

Só que a mecânica quântica se firmou. E não apenas como uma ignorância provisória, como desejava Einstein. Cada vez mais o "mainstream" da física vai se convencendo de que a impossibilidade de determinar ao mesmo tempo a posição e a velocidade de uma partícula está na natureza da matéria, sendo um dado da realidade e não uma simples incompletude da teoria. Com isso, o demônio de Laplace, se não sai de cena, ao menos passa para um segundo plano. O mesmo, suspeito, ocorre com o Deus das religiões monoteístas, daí que escolas dominicais não ensinem física quântica.

Mas será que a consolidação de um universo não inteiramente determinado basta para salvar a responsabilidade moral de seus demônios? Talvez não. Achados no campo na neurociência nos fazem ficar com a pulga atrás da orelha.

Num experimento seminal dos anos 80, Benjamin Libet, da Universidade da Califórnia, ligou seus alunos a aparelhos de eletroencefalograma e demonstrou que a atividade cerebral inconsciente que faz alguém mover o braço, por exemplo, precede em pelo menos meio segundo a "decisão consciente" de mexer o braço.

A partir daí, neurocientistas desenvolveram vários experimentos semelhantes, obtendo a corroboração dos resultados. Hoje são mais ou menos unânimes em afirmar que o livre arbítrio não é mais do que uma ilusão, mais ou menos como a consciência, que, embora não passe de um efeito colateral de vários sistemas cerebrais ligados em rede, nos leva sinceramente a crer que somos algo diverso da matéria que nos compõe. A maioria da humanidade é dualista (se vê como uma mistura de corpo e alma), só uns poucos materialistas ateus somos devidamente monistas (não somos mais do que o amontoado de impulsos eletroquímicos produzidos por nosso corpo).

Nosso livre arbítrio seria mais ou menos como um tique nervoso ou a necessidade que um viciado tem de conseguir sua droga, movimentos que ficam a meio caminho entre o voluntário e involuntário. Temos aí uma boa seara para advogados de defesa, a exemplo dos alquimistas em busca da pedra filosofal, tentarem extrair o habeas corpus universal.

Será que estamos assim condenados a descartar toda idéia de justiça possível? Talvez não. Afinal, existem viciados que conseguem superar sua compulsão. A resposta não chega a ser um segredo. Se, por um lado, ele quer a droga (desejo de primeiro grau); por outro, ele sabe que o vício lhe faz mal e pretende livrar-se dele (desejo de segundo grau). O livre arbítrio talvez exista como um poder de veto dos desejos de segundo grau sobre os de primeiro. Não é à toa que os mais relevantes dos dez mandamentos assumem a forma "não + verbo", como em "não matarás", "não cobiçarás a mulher do próximo".

Os filósofos norte-americanos Harry Frankfurt e Daniel Dennett desenvolvem algumas idéias interessantes de como reconciliar um universo em grande parte determinista (nossas ações sociais, até prova em contrário não são regidas por leis quânticas) com uma versão ainda que mitigada do livre arbítrio. É o salvamento do compatibilismo.

Segundo Dennett, nós temos o poder de veto e o poder de veto sobre o veto, além de boas noções de causalidade, que nos permitem imaginar cenários futuros e projetar-lhes conseqüências de decisões passadas. Não é necessário um milagre para ter responsabilidade.

Como eu disse no início deste texto (que, por sinal, já está ficando mais longo do que eu teria desejado), não disponho de uma resposta definitiva para o problema do livre arbítrio. Só o que procurei aqui foi lançar, de forma infelizmente meio caótica, algumas luzes sobre sua complexidade e alcance. Mal resvalei em todas implicações e pressupostos. Acho, entretanto, que as idéias esboçadas já bastam para que reavaliemos as bases da noção mais comum de justiça que circula por aí.

Nossas inseguranças em relação ao livre arbítrio, que não são poucas, já deveriam nos fazer abandonar o conceito de justiça retributiva. Se não estamos muito certos do nível de controle que temos sobre nossas ações e se é até mesmo possível que cada uma de nossas decisões já esteja escrita desde o início dos tempos, então não faz sentido punir alguém como retribuição à falta cometida. Mesmo que houvesse um Deus a nos dizer insofismavelmente o que é certo e o que é errado, seria preciso não torná-Lo demasiado poderoso, ou Ele se tornaria o responsável último por todos os nossos pecados.

Além da contradição interna à idéia de um deus onipotente e bondoso, temos como subproduto que a justiça, mais do que para expiar culpas, se presta a evitar que o próprio criminoso e outras pessoas voltem a delinqüir. A meta deixa de ser "fazer justiça" (uma completa inutilidade) e passa a ser organizar melhor a sociedade.

Se, por um lado, essa noção utilitarista salva algo da nossa posição de agentes morais, ela não nos eleva para muito além dos cãezinhos pavlovianos, que fazem o que deles se espera sob a compulsão de eletrochoques e outras artimanhas da necessidade.

Assim, antes de sair por aí linchando suspeitos de crimes hediondos ou de pedir uma segunda porção daquela sobremesa deliciosa que entope artérias, pense nas conseqüências. A diferença importante entre nós e os cãezinhos de Pavlov é que projetamos o futuro mais longe.

 Hélio Schwartsman, 44, é articulista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.
 

Offline André T.

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Re: O não tão livre arbítrio (Hélio Schwartsman)
« Resposta #67 Online: 09 de Setembro de 2009, 22:54:42 »
Putz, quero ser igual o Schwartsman quando crescer.
Aquela coluna 'Deus e o jardim das delícias' ( http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u595384.shtml ) até agora foi a melhor dele.
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Offline _tiago

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Re: O não tão livre arbítrio (Hélio Schwartsman)
« Resposta #68 Online: 10 de Setembro de 2009, 10:09:14 »
Véio, eu morro de inveja.

Offline pablito

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Re: O não tão livre arbítrio (Hélio Schwartsman)
« Resposta #69 Online: 10 de Setembro de 2009, 11:31:46 »
Olá,

Ele começa criticando a idéia de um universo determinista.

Depois ele cita experiências neurológicas que afirmariam o determinismo de ações humanas.

Mas depois ele volta a falar do universo e defende um “universo em grande parte determinista”.

Logo depois ele volta a falar da responsabilidade humana sobre seus próprios atos e nosso “poder de veto” sobre alguns desejos – o que diminui o determinismo de nossas ações.

Aí ele fala de “inseguranças em relação ao livre arbítrio” (inseguranças de quem?)  e começa a criticar a noção de justiça retributiva – pois se não houvesse livre-arbítrio a punição perderia o sentido.

Depois ele critica a noção de um deus onipotente (determinista) e bondoso para chegar à noção de que a justiça não serve para nada além de regular o comportamento social (precisava da física quântica ou do universo determinista para isso?).

E no final ele termina com um chamamento (moral) para que prestemos atenção às conseqüências de nossos atos.

É, Schwartsman tem razão, seu texto foi confuso.

Como a discussão sobre um universo determinista ou um universo probabilístico relaciona-se com a discussão sobre o livre-arbítrio de, por exemplo, uma Susana Richthofen ao matar os pais?

E, em que uma noção retributiva de justiça contraria uma noção de justiça reguladora?

Gosto muito dos textos do Schwartsman, mas nesse ele saiu atirando pra todo lado e, ao final, foi moralista* – “Ei menino, presta atenção às conseqüências de seus atos, viu?”.

*nothing wrong with that

Offline West

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Re: O não tão livre arbítrio (Hélio Schwartsman)
« Resposta #70 Online: 10 de Setembro de 2009, 15:31:52 »
Alguém que já nasce com a barriga pregada no espinhaço em alguma aldeia dos confins da África ou em um rincão qualquer do sertão nordestino teve livre-arbítrio?
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Offline Galthaar

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Re: O não tão livre arbítrio (Hélio Schwartsman)
« Resposta #71 Online: 12 de Setembro de 2009, 10:06:51 »
O grande erro nesta história toda é querer relacionar livre-arbítrio com justiça.

Por quê um Universo determinista, como provavelmente o é, anularia a hipótese ou necessidade de se julgar os atos? Isto é um non sequitur tremendo.
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Offline West

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Re: O não tão livre arbítrio (Hélio Schwartsman)
« Resposta #72 Online: 13 de Setembro de 2009, 09:53:22 »
O princípio da igualdade consiste em julgar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida da sua desigualdade.

Num universo totalmente determinista não sobra espaço, de fato, para julgamentos morais.

Já em um universo parcialmente determinista(e eu acredito mais nessa possibilidade) a necessidade de julgamentos morais não é eliminada, mas se impõe, como critério de justiça(moral), que os parâmetros desse julgamento sejam ajustados caso a caso.
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Offline Galthaar

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Re: O não tão livre arbítrio (Hélio Schwartsman)
« Resposta #73 Online: 13 de Setembro de 2009, 12:02:42 »

Num universo totalmente determinista não sobra espaço, de fato, para julgamentos morais.



E por quê não? Um julgamento moral não necessariamente deve analisar se a intencionalidade é determinística ou não. As pessoas fazm julgamentos morais até mesmo de atos naturais dos quais as pessoas não tem a mnor culpa.

Um psicopata pode não ter culpa de o ser, mas deve, sim, ser julgado, pelo bem da sociedade. Todo julgamento, é, por natureza, moral, mesmo quando baseado em pressupostos objetivos, pois a própria decisão sobre "o quê" se deve julgar ja é moral.
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Offline lusitano

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Re: Livre arbítrio...?
« Resposta #74 Online: 06 de Novembro de 2009, 09:09:19 »
ronysalle

livre para aprender.

Citar
Livre arbítrio...?

Caríssimo!!!

Desconfio que você é absolutamente razoável... Então o que é que convence a maioria das pessoas, de que teêm livre arbítrio? Será apenas um ideal de liberdade?

já li que certos praticantes de auto-domínio, conseguem modificar os seus gostos e a sua personalidade, como fazem os actores nas peças de teatro, ou nos filmes.

Aparentemente certas pessoas podem transformar em si próprias o sabor amargo em doce; a dor em prazer...
Regular a percepção de estímulos como a audição, a visão e o olfacto, e o frio em calor. Outros ainda vão mais longe: disciplinam o sono e fazem do dormir um óbi; dormem sempre que querem.

Mas auto-controlar o ADN, parece-me muitíssimo mais difícil. O que levaria essas pessoas a serem sempre jovens e saudáveis. Altas ou baixas, gordas ou magras à vontade; em suma completamente transformistas. O que incluiria a imortalidade

Entretanto certos engenheiros genéticos, afirmam justamente isso: O homem tem hipóteses de vir a ser um mutante tipo "X-Men".

Isto provavelmente, grosso modo, ainda não passa de ficção.

 
« Última modificação: 07 de Novembro de 2009, 07:25:17 por lusitano »
Vamos a ver se é desta vez que eu acerto, na compreensão do sistema.

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Especulando realismo fantástico, em termos de
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paralogismo comparado - artur.

 

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