A idéia era argumentar sobre mais-valia, mas pelo que percebi lendo este tópico, isso seria improdutivo. A existência da "mais-valia" requer que aceitemos com premissas vários outros conceitos econômicos. Se algum deles for refutado, ou não houver acordo entre eles, não dá para ter acordo em relação à mais-valia. Me parece que isso é o que está causando muitas desavenças.
Exato. A premissa básica que é necessária ter para concordar com a mais-valia é a de que 100% de toda a produção se deve à mão-de-obra humana empregada, e 0% se deve às máquinas dos empresários.
Primeiro, é necessário reconhecer que o que podemos chamar de "riqueza" nada mais é do que a existência de itens, objetos e coisas das quais precisamos e/ou desejamos. A "riqueza" de uma sociedade está na existência das mais diversas ferramentas, como telefones, roupas, remédios, computadores, comida, bebida, etc...
Exato.
A riqueza de uma nação ou soiedade não está somente no ouro ou pedras preciosas acumuladas (como acreditavam os mercantilistas) nem somente no que se produz da terra (como acreditavam os fisiocratas). Com relação à isso, creio que não há maiores polêmicas (eu acho), certo?
Exato. Pontuei essa parte só para deixar mais claro ainda que metais e pedras preciosas muitas vezes podem atrapalhar a riqueza de uma nação, ao invés de ajudar. A presença de uma fonte "fácil" de um bem de alto valor no mercado desestimula a capitalização e a inventividade da sociedade. Podemos citar Espanha, Portugal e diversos países africanos onde a disponibilidade de metais preciosos tiveram efeito bastante deletério em suas economias, no médio e longo prazo.
Além disso, metais preciosos isoladamente, sem bens disponíveis para comprar com os mesmos, não servem de muita coisa. Durante o ciclo do ouro no Brasil colônia, era comum os forasteiros se deslocarem para as minas aos atropelos, garimparem muito ouro...apenas para perceberem que não tinha comida no local para comprar. Ao final, os fornecedores de comida às minas ficaram com mais ouro do que os próprios garimpeiros (vendendo comida a preços altíssimos). Coisa semelhante a Inglaterra e Holanda fizeram com Portugal e Espanha.
Uma outra coisa interessante: O Brasil atualmente produz mais ouro anualmente do que todo o ouro que foi enviado a Portugal durante o período colonial! Ou seja, culpar Portugal por levar 20% do ouro produzido no Brasil naquela época, por nossas mazelas, é de uma tremenda burrice. A proibição de manufaturas no Brasil teve efeito MILHÕES de vezes mais deletério do que os 20% do ouro levados.
Segundo, é preciso reconhecer que a única forma de se produzir riqueza é à partir do trabalho humano.
Aqui eu discordo.
Tanto as máquinas simples (ferramentas diversas) quanto as complexas, culminando nas máquinas movidas à tração animal, à carvão, petróleo, quedas d'água ou urânio, todas elas têm um único efeito e finalidade: produzir mais bens com menos trabalho humano.
É como se os seres humanos estivessem "explorando" as quedas d'água, o urânio, o petróleo e o carvão para produzirem as coisas para si.
O raciocínio aqui é bem simples, não há como fugir disso:
1- Sem as máquinas, o trabalhador produz 1 sapato.
2- Com mas máquinas, ele produz 10 sapatos.
Logo, esses 9 sapatos produzidos à mais foram feitos às custas do "esforço" da máquina, e não do trabalhador. Quem deveria ficar com esses 9 sapatos é a máquina. Como a máquina tem dono (a pessoa que investiu dinheiro poupado na sua produção), o dono da máquina é quem deve ficar com esses 9 sapatos. Se o trabalhador receber 1 sapato como salário, ele está recebendo exatamente a parte da produção pela qual foi responsável.
Não há como fugir desse raciocínio.
Para termos qualquer tipo de objeto com alguma utilidade e valor, é preciso trabalhar. Alguém precisa plantar e colher nossa comida. Precisam garimpar para obter vários minérios que servem de matéria-prima. Precisam projetar e contruir as máquinas e ferramentas que levam à construção de várias coisas. É preciso apertar parafusos, costurar, moldar, encaixar, pintar, etc... Pode-se argumentar que além do trabalho, também precisamos de matérias-primas e de ferramentas que nos ajudem a construir coisas. Mas tanto as matérias-primas como as ferramentas de produção já estão sendo consideradas como "riqueza" em nossa análise. Elas também precisam do trabalho para poderem ser utilizadas. Requer trabalho construir as máquinas e também garimpar as matérias-primas. Dizer que toda a riqueza advém do trabalho já leva em conta a necessidade de matéria-prima e os meios tecnológicos necessários, já que tudo isso também tem origem no trabalho.
Dizer que toda riqueza advém do trabalho humano é ignorar o efeito multiplicador que o capital tem sobre a produção de bens e serviços.
Vou fazer uma analogia simples para um melhor entendimento:
Suponha que um caçador do período paleolítico tenha apenas uma lança tosca. A caça é difícil. Ele deve dedicar 18 horas de trabalho por dia para capturar 1 coelho, o qual ele usa para a sua alimentação diária.
Um dia ele tem uma idéia. Ao invés de comer 1 coelho por dia como fazia antes, resolve comer metade do coelho por dia. Com isso, ele terá 1 dia de trabalho livre (embora com o estômago menos forrado). O que ele faz nesse dia livre de trabalho? Confecciona um arco-e-flecha.
Com o arco, ele agora consegue caçar 4 coelhos por dia!
Suponha agora que esse caçador resolva "contratar" um outro para usar seu arco para caçar. Dos 4 coelhos que o outro capturar, ele ficará com 3, deixano 1 para o outro.
Percebam no caso acima que o arco-e-flecha é um bem de capital, poir permite a amplificação da produção de bens. Percebam também que ele é derivado de uma poupança feita pelo seu dono (ele poupou metade de um coelho para investir na produção do arco), e percebam também que o "salário" que ele paga ao outro caçador que usa seu arco corresponde exatamente à quantidade que o outro caçador conseguiria produzir sozinho, sem o arco. Ou seja, não há exploração.
Com as máquinas e demais bend de capital artificiais exixtentes, algo igual acontece.
O papel do trabalho no valor das coisas pode ser visto no caso do ar. Ele é muito útil para nós, mas não tem qualquer valor econômico, pois não requer trabalho nem muito esforço nos apropriarmos de algo que está por toda a parte. Se o ar fôsse raro (podíamos estar em uma estação espacial), ele teria um valor maior. A dificuldade em obtê-lo (que tem uma relação direta com a sua raridade) aumentaria o seu valor. Daria até para comercializarmos ar armazenado em cilindros metálicos.
A questão nem é tanto o trabalho, mas a ESCASSEZ. O trabalho é apenas UM DOS fatores que influenciam na escassez ou abundância de um produto, mas não é o único. Se um produto ou serviço só é ofertado por poucos especialistas, ele terá mais valor embora o trabalho médio necessário para produzí-lo seja igual ou mesmo menor ao trabalho para produzir outras coisas.
Temos também a questão da DEMANDA, que varia mais ainda. Um MESMO produto, feito com a MESMA quantidade de trabalho pode ter valores diferentes a depender da moda, da estação, das circunstâncias sociais, econômicas, geográficas, climáticas, da cultura, etc.
Na verdade, se assim não fosse, especulações seriam impossíveis!
A recíproca também é verdadeira: o trabalho investido em coisas menos úteis não fará tais coisas serem mais valiosas por causa disso.
Ninguém quer saber como um produto foi produzido. As pessoas olham apenas a utilidade do mesmo. A quantidade disponível tem relação com o trabalho E com muitos outros fatores que influenciam a oferta.
A teoria do valor-trabalho é uma exceção das exceções. Ela pode ser útil como aproximação em uma sociedade simples, pequena e sem tecnologia.
Terceiro ponto: quando vamos analizar a responsabilidade pela produção de algo, a intencionalidade é um fator importante. Tecnicamente, animais e ferramentas são utilizadas na produção de nossos alimentos. Entretanto, os animais não tem como compreender o que estão fazendo. Eles não estão somente alienados da compreensão, eles realmente não tem modo algum de entender para quê serve o trabalho que desenvolvem. O mesmo pode se dizer das ferramentas utilizadas. Portanto, ao imputar a responsabilidade da produção à alguém, devemos escolher as pessoas como responsáveis. São os seres humanos os responsáveis por produzir a riqueza (o que não significa que eles façam as coisa sozinhos sem a ajuda de máquinas).
Essa distinção precisa ser feita para evitar algumas coisas absurdas. Usando as minhas próprias mãos, eu não conseguiria causas lacerações em outra pessoa. No máximo poderia causas escoriações com socos e chutes. Entretanto, eu posso esfaquear alguém com uma faca e será de pouco valor para a minha defesa alegar que eu causei apenas escoriações e a faca foi quem causou as lacerações que mataram o outro indivíduo. Embora isso até possa estar certo, dependendo do ponto de vista adotado, sou eu quem tem o cérebro e pode assumir a responsabilidade pelo que foi feito. O mesmo pode ser dito sobre a produção de riquezas. A palavra-chave é responsabilidade pela ação, e isso é o que deve ser levado em conta na discussão.
Considere este argumento refutado no dia em que desenvolverem máquinas pensantes e conscientes capazes de nos ajudar na produção. Ou quando os ratos e golfinhos realmente se revelarem e mostrarem que são mais inteligentes que nós.
Aqui pode ser refutado em 2 frentes:
1- Intenção por intenção não importa. O que importa é o resultado. Se um trabalhador não consegue produzir 10 sapatos pod dia sem as máquinas, não tem como dizer que foi ele o "responsável" pela produção dos sapatos ponto final.
Se fosse assim, bastaria apenas o trabalhador ser colocado num determinado local e pedido para fazer determinadas tarefas, sem ter a mínima idéia do objetivo delas, que magicamente a produção deixaria de ser "responsabilidade" sua! (risos).
2- Supondo que "o que vale é a intenção", como você coloca, você parece se esquecer injustificadamente da intencionalidade dos donos das máquinas.
Os caras trabalham, poupam dinheiro, investem na produção de máquinas, que são as responsáveis pela maior parte da produção, colocam-nas para funcionar, contratam trabalhadores para manejá-las, comercializam os produtos... e você ignora completamente a "intencionalidade" deles! (risos).