Vou pular alguns posts do DDV, pra não cair em mais do mesmo...
Exato.
Se alguém me explicar (usando a tese da mais-valia) como uma indústria 100% automatizada pode ter lucro, prometo que considerarei seriamente a tese.
(Há muito mais coisas que a mais-valia não explica, conforme explicitado em muitos tópicos aqui. Mas é melhor começarmos cada coisa por vez pra facilitar).
Inicialmente uma pequena , mas importante correção: mais-valia e lucro não são sinônimos , embora relacionados.
Mais-valia significa trabalho não pago , ou seja , existe uma diferença entre o valor que o trabalhador recebe pela sua força de trabalho e o valor que a utilização dela cria , esta diferença de valor é apropiada pelo propietário dos meios de produção no capitalismo*.
E qual é o trabalho não pago?
Agnóstico, vou usar um exemplo simplificado, com números chutados.
Um funcionário trabalha quarenta horas num tempo qualquer para produzir 10 tênis (4h/tênis).
Com o salário referente a essas 40h, ele pode comprar 5 tênis do mesmo tipo dos que ele produziu (ou seja, o equivalente a 5*4h=20h horas do seu próprio trabalho).
O custo da matéria-prima de 10 tênis equivale a 2 tênis prontos, ou seja, 8h.
40h // o que ele trabalhou...
40h - 8h = 32h // compensando o custo da matéria-prima, que vai pro produto...
32h - 20h = 12h // retirando o que ele recebeu...
Mais-valia de 12h. Ou trabalho não pago, como queira.
Se a produtividade do trabalhador variar (às vezes ele trabalha menos porque tá com caganeira, às vezes mais porque acordou de bom humor), use uma média - médias são menos prones a variações (esse caso se encaixa bem direitinho na distribuição t de Student, caso alguém vá fazer isso). Se aquele trabalhador é menos produtivo, ou mais, então use uma média de trabalhadores que realizam o mesmo trabalho. Se há diferenciação de trabalhos (um corta o couro, outro amarra, etc.), com produtividades diferentes e salários diferentes, pode-se levar isso em conta ou isolar completamente.
(Em off: isso tá no livro 1 d'O Capital... preciso reler, mas vou deixar pra depois dos livros do vestiba e o Karl Marx e o Fim do seu Sistema)
Sinceramente, isto é completamente sem sentido. Não existe relação direta entre o trabalho de alguém e o preço do material vendido.
E isso me faz pensar ainda em outro conceito sem sentido conhecido como "soma zero", onde alguém tem que perder para que o outro ganhe.
Não é necessário supor riqueza estática se você usa números relativos e não absolutos.
Se um profissional que trabalha na Kia faz exatamente o que outro da BMW faz, mas seus produtos tem preços completamente distintos, o profissional da BMW vai ganhar mais do que o da Kia?
Fazendo uma simplificação
EXTREMAMENTE GROSSEIRA com números chutados e pequenos pra simplificar contas.
Fábrica da KiaCusto final do carro: 30 mil reais/carro (menos que o Picanto)
Custo da matéria-prima: 10 mil reais/carro (não tenho a mínima idéia do quanto seria
mas acho que chutei alto)
Salário médio: 10 mil reais/trabalhador (tá alto? é de propósito)
Trabalhadores: 200
Carros produzidos: 200
Não estou considerando o tempo pra facilitar, deixo-o implícito no salário e no número de carros produzidos. Agora, vamos às contas.
Retirando o custo da MP (matéria-prima) do custo final do carro, o processo embutiu 20 mil reais no preço, devido ao trabalho realizado - 20mil/carro
A produção é de (200carros)/(200 trabalhadores) = 1 carro/trabalhador
O salário é de 10 mil/trabalhador
20mil/carro*1carro/trabalhador = 20mil/trabalhador
20mil/trabalhador - 10mil/trabalhador = 10 mil/trabalhador
Mais-valia obtida: 10mil/trabalhador*200 trabalhadores = 200mil
Se você fizer as mesmas contas com o carro da BMW, com um preço diferente, notará que ou a mais-valia será diferente ou o salário será diferente. Se quiser adicionar outros custos, sinta-se à vontade, mas se for complicar muito o sistema acho melhor usar os números reais e não meu chutômetro. Ah, por favor, confira meus cálculos, são 2h20min da manhã.
Se a Boeing investiu 10Bi em um projeto de avião, fez um protótipo, vai vender aviões por 10 anos para pagar o investimento (isto é, está com prejuizo na operação), devemos descontar do salário dos trabalhadores o valor investido enquanto a operação não atingir o breakeven?
Falácia do apelo à natureza - "se as coisas são X, deve-se fazer Y". O modelo é descritivo e não prescritivo.
Ou se os produtos de uma empresa encalham, qual a mais valia que pago para o meu funcionário?
Considere prejuízos na mais-valia também, oras. A MV não será estática, e sim flutuante - pois a economia é flutuante. Apenas usa-se valores estáticos pra simplificar as contas.
Vamos falar bem claro. Mais valia não tem o menor sentido, é incalculavel e sem senso prático algum.
Sentido de mais-valia: explicado acima.
Incalculável: explicado acima.
Sem senso prático: Economia é ciência social ("softcore", assim como Sociologia, Psi e etc.), mas ainda assim ciência. Procurar paradigmas e/ou teorias para descrever algo não tem senso prático nenhum. Ciência pura não tem senso prático nenhum, não é esse o objetivo de nenhuma ciência (e sim de engenharias e outras
aplicações do conhecimento científico).
Como o trabalho humano é a única forma de produção de valor, uma economia baseada em indústrias 100% automatizadas não produziria qualquer mais-valia ( e pode-se perguntar como existiria uma economia monetária nestas condições , quem teria meios de adquirir produtos se não recebe para produzi-los?) ; na verdade um sistema assim se pareceria com o conceito marxista de comunismo.
O conceito de mais-valia foi desenvolvido justamente pra não ser restrito ao capitalismo, mas a qualquer sistema que utilize trabalho. Se o comunismo de Marx usa trabalho, a aplicabilidade da mais-valia é a mesma, nem maior nem menor.
Valor é o que alguém está disposto apagar por algo.
Pode-se usar outras definições de valor. No exemplo que você citou das (ipsis litteris) "latas da própria merda", você usou euros, poderia ter usado simoleons, dólares, reais, francos javaneses da Babilônia. Ou horas de trabalho.
Isto porque um software não tem um custo direto associado a sua produção. A empresa investe milhões, e depois para a distribuição o custo direto é ZERO, basta que a empresa baixe pela internet o software.
Qual é a mais valia justa para o programador do Software?
Software é atípico, se você considera apenas o custo de distribuição e o salário do garoto de programa ( ops, programador
). Considere outros custos junto,
one-time cost e permamentes, até a saleta de programação vale. O programador trabalha em casa? Sem problemas, considere o custo da energia elétrica que ele gasta e deduza do salário. Considere a depreciação do trabalho do programador com o tempo.
A informação (o que inclui softwares) é atípica por ser não-exclusiva, com certeza... isso é no mínimo tão velho quanto Aristóteles. Mas ela não se processa sozinha.
Marx foi uma pessoa meio tosca com uma visão simplista da realidade. Modelos e conceitos que ele criou estão longe de descrever a situação atual, e muito mais longe ainda de solucionar um problema que ele não conseguiu detectar.
Se todo mundo que tem uma visão simplista da realidade é tosco, há seis bilhões e meio de toscos no mundo...
Pode-se supor uma indústria totalmente automatizada como um caso isolado dentro de um setor industrial , mas uma maioria de tais indústrias se torna incompatível com o sistema capitalista.
Na verdade não. Existe uma migração de empregos da industria para serviço. Foram cortados milhões de empregos, e milhões de empregos foram criados em outros setores.
A fome do ser humano para serviços é imensa, quanto mais se criam, mais se usa.
Costuma-se chamar isso de toiotismo (de Toyota) - maleabilidade da mão-de-obra, inchaço do setor de serviços, entre outros.
Esse equilibrio do capitalismo baseado em empregos na industria é um dos muitos erros de Marx. Ele simplesmente não conseguiu prever o desenvolvimento tecnológico que viria (e não o culpo por isso é claro, mas o culpo por ser simplista e tosco).
Indústria é mais simples de explicar. Só isso. Requer menos variáveis, as variáveis se referem a coisas concretas como aço ou soda cáustica e não 'informação' ou 'software'... além do mais, ei, Marx viveu no século XIX, queria que ele falasse do quê? Programadores?