Ocupação do Alemão reduz baleados em mais de 30% e muda perfil de hospitalLevantamento do iG revela que Getúlio Vargas passou a ter mais atendimentos clínicos e atrai pacientes que antes temiam violênciaA ocupação dos complexos do Alemão e da Penha pelas forças de segurança, em novembro, resultou na redução considerável do número de baleados e na mudança do perfil de atendimentos no Hospital Getúlio Vargas (HGV), na região do conjunto de favelas. De uma unidade tradicionalmente voltada para o trauma (vítimas da violência e de acidentes, por exemplo), o HGV passou a ter mais pacientes clínicos.
“Tivemos uma baixa muito significativa do número de baleados”, disse o diretor-geral do hospital, Luiz Verbicaro.
Nos primeiros dois meses após a tomada da região, antes ocupada pelo tráfico, a queda foi de 32,1% em dezembro de 2010, em comparação ao mesmo mês em 2009 (de 38 para 56); e de 36,5% em janeiro deste ano (40, em comparação a 63), de acordo com estatísticas oficiais, obtidas pelo iG. Em fevereiro, as vítimas de tiros até o dia 23 haviam sido 26; se mantida a proporção, seriam 32 até hoje – o que representaria diminuição de 43,9%.
Os dados dos últimos cinco anos revelam que o último mês de dezembro teve redução de 32% em relação à média dos quatro anos anteriores – em comparação ao mesmo mês em 2007 (71 baleados), por exemplo, a queda chegou a 46,5%. O histórico também aponta redução, mas inferior, de 23,7%.
O mês de novembro de 2010, quando ocorreu a ocupação policial-militar, foi um mês violento a se tomar como referência o número de baleados no hospital, vizinho do complexo de favelas. Foram levados ao Getúlio Vargas 94 pacientes vítimas de PAF (projétil de arma de fogo). Quatro morreram após ser atendidos, e 21 já chegaram sem vida ao hospital.
Foi o segundo mês em número de internações por PAF na série histórica, desde 2006 – só superado por maio de 2007, quando chegaram 99 vítimas no hospital, no mês anterior ao início de operação policial na região, quando, houve 71 baleados internados.
A indicação da relação entre o número de baleados e os complexos de favelas é o fato de que 45 dos 94 (48%) baleados no HGV em novembro moravam nos bairros que circundam os complexos (Penha, Ramos, Bonsucesso, Olaria e Inhaúma) – 11 casos não tinham procedência informada.
A partir de dezembro, a proporção de casos da região caiu consideravelmente. Esses locais representaram apenas quatro casos de 38, ou 10,5%; em janeiro, foram oito de 40 pacientes, ou 20%, bem menos da metade dos 48% de novembro.
Confirmando as estatísticas de violência, 31 (78%) de 40 vítimas de tiros no HGV em janeiro tinham 30 anos de idade ou menos. O Mapa da Violência, estudo do Ministério da Justiça divulgado semana passada, mostra que os jovens são as principais vítimas de mortes violentas no país.
Sem violência, pacientes deixam o medo e vão mais a hospitalO hospital foi inaugurado em 1938 pelo próprio Getúlio Vargas, em meio à ditadura do Estado Novo (37-45) e ao culto de personalidade dos fascismos – daí o nome em homenagem ao presidente que o criou. Cerca de 400 médicos e 1200 enfermeiros cuidam dos atuais 311 leitos – inicialmente, eram 400.
Mas o perfil tradicional de pacientes com traumas (baleados, esfaqueados, atropelados) está sendo alterado, dando espaço ao atendimento clínico e a acidentes domésticos, com idosos, por exemplo. É efeito da ocupação dos complexos do Alemão e da Penha e também do incêndio que interditou em outubro o Hospital Estadual Pedro II, em Santa Cruz (zona oeste). Sem a unidade, moradores da zona oeste passaram a procurar o HGV, segundo Valeria Moll, superintendente de Saúde do Estado. As enfermarias estão lotadas.
Há 40 anos no hospital – inicialmente como acadêmico, na universidade, e depois como médico –, o diretor Verbicaro vê um impacto “psicológico” positivo da nova realidade de ocupação das favelas. “A população se viu mais livre para procurar o hospital. Há mais segurança e, consequentemente, mais pacientes. As pessoas agora podem esperar tranqüilas.”
Segundo ele, a violência afastava muitos médicos que poderiam trabalhar no hospital. “Era muito pesado [o clima]. A gente era assaltado aqui na frente. Tinha briga para estacionar dentro do hospital, por segurança. Uma vez, um médico de plantão foi assaltado; no fim do dia, o mesmo assaltante chegou ferido, e o médico recolheu com ele os objetos roubados. Era muita insegurança, uma espécie de guerra”, contou o diretor.
O hospital continua a ser referência em trauma e neurologia, por exemplo – tem dois tomógrafos – mas aumentou o volume de ortopedia, com o reforço de médicos bombeiros da especialidade. Houve aumento de cirurgias por vídeolaparoscopia, desde a chegada de dois aparelhos, o que reduz o pós-operatório de três dias para um e libera leitos – dez camas são destinados aos pacientes desse tipo de procedimento.
O cirurgião-geral Verbicaro lembra da evolução dos ferimentos a bala, fruto do aumento dos calibres de armas. “Antes eram tiros de revólveres calibre 22 e 38. Mas aí começaram os ferimentos resultados de projéteis de pistola, fuzil, metralhadora, estilhaços de granada...”
Na tarde de sexta-feira (25), havia 54 pacientes na sala de emergência de homens, em atendimento. Eram 30 para atendimentos clínicos e 24 de trauma (11 de ortopedia) e um baleado.
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