Tudo a ver com petróleo
Documentos britânicos oficiais revelam que a invasão do Iraque em 2003 teve, afinal, tudo a ver com petróleo.
Nos oito anos desde a invasão do Iraque e derrubada do regime de Saddam Hussein pelos Estados Unidos, o petróleo tem sido um assunto tabu, ainda que quase metade das reservas provadas de petróleo do país tenha sido entregue a firmas e consórcios ocidentais, trazendo lucros de milhões de dólares por ano.
No entanto, um relato chocante presente em um novo livro – que foi publicado nessa semana e trata sobre o petróleo iraquiano após a ocupação americana do país – revela que o petróleo realmente esteve no coração da invasão liderada pelos EUA e Reino Unido, apesar das negativas de ambos os governos de que o petróleo fosse a motivação por trás da guerra.
Segundo dados de mais ou menos 1000 documentos publicados no livro “Fuel on Fire” pelo militante do petróleo Greg Muttitt, alguns desses reproduzidos pelo jornal “Independent” de Londres na semana passada, ministros do governo britânico discutiram planos para explorar as reservas de petróleo do Iraque nos meses anteriores ao Reino Unido assumir um papel de liderança na invasão do país.
As discussões secretas começaram depois das companhias britânicas de petróleo saberem que a administração do presidente George W. Bush estava silenciosamente se aproximando das corporações americanas de petróleo e tentava selar acordos referentes aos campos de petróleo do Iraque com os governos franceses e russos e com as companhias de energia no outono de 2002.
As divulgações mostram que, sob pressão da gigante petrolífera British Petroleum – que temia ser excluída dos campos iraquianos após a guerra – a então ministra do comércio britânico, Elizabeth Symons, fez lobby sobre Bush em defesa da companhia britânica de energia para assegurar uma parte das reservas iraquianas, a segunda maior do mundo.
Os documentos oficiais que foram divulgados, obtidos sob a legislação britânica de liberdade de informação, consistem em minutas de encontros entre grandes executivos do petróleo com então ministros do governo britânico. Eles destacam, pela primeira vez, as mentiras que estavam atrás das negativas públicas de interesse próprio na decisão de invadir o Iraque.
Oficiais britânicos e americanos sempre resistiram a colocar o petróleo entre os motivos por trás da “guerra preventiva” lançada pela administração Bush em 2003. De acordo com a sua versão dos eventos, a invasão era necessária para proteger os americanos contra as armas iraquianas de destruição em massa e contra o grupo terrorista Al-Qaeda.
Em outro desenrolar, a partir de suas memórias do período – também publicadas na semana passada – o ex-dirigente da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Mohammed El-Baradei, acusou lideres dos EUA de deliberadamente distorcerem a verdade quando clamaram que o Iraque possuía grandes estoques de armas de destruição em massa, apesar das evidências contrárias coletadas na época pelos inspetores de armas no país.
Nas 321 páginas de suas memórias, El-Baradei, um ganhador do Prêmio Nobel, condena a trapaça causada pela Casa Branca de Bush e sugere que a Corte Internacional de Justiça seja chamada para julgar se a guerra foi de fato ilegal e para “determinar quem foi o responsável”.
É hoje um fato estabelecido que não há nenhuma evidência que ligue o regime do ex-presidente Iraquiano Saddam Hussein com a Al-Qaeda, a rede terrorista que era liderada por Osama bin Laden.
Seguindo a invasão do Iraque liderada pelos EUA em 2003, empresas petrolíferas americanas, britânicas e de outras nacionalidades apressaram-se em tomar parte nas imensas reservas de petróleo iraquiano, com assinatura de contratos de 20 anos, que foram descritos como os maiores na história da indústria do petróleo e representaram cerca de 60 bilhões de barris de petróleo, ou metade das reservas do Iraque.
A empresa ExxonMobil Iraq é a empreiteira líder dos campos do sul do Iraque, com uma fatia de quase 60%. Seu contrato cobre o trabalho de 15 poços no campo de petróleo West Qurna Phase I, com capacidade de 8,6 bilhões de barris, um dos maiores do país.
A Halliburton – companhia dirigida por um dos arquitetos originais da guerra, o então vice-presidente dos EUA Dick Cheney – coordenou imensos contratos governamentais no Iraque durante a ocupação americana e é uma das principais sub-empreiteiras da Exxon Mobil no Iraque.
Na segunda-feira, 02 de maio, a Halliburton disse que havia sido contratada pela Exxon Mobil para estabelecer três plataformas de perfuração com objetivo de prover serviços de perfuração de petróleo em um grande campo em desenvolvimento no sul do Iraque.
A outra grande companhia americana a ganhar concessões no Iraque é a Occidental Petroleum. Ano passado essa corporação juntou-se ao conglomerado de energia italiano Eni e à Corporação de Gás Sul-coreana em um contrato de serviços técnicos para desenvolver o campo de petróleo de Zubair, com capacidade massiva de 4 bilhões de barris de petróleo, no sul do Iraque.
Também na segunda-feira, o Ministro do Petróleo do Iraque, Abdel-Karim Luaibi, anunciou detalhes da próxima rodada de licenciamento para concessões de exploração de petróleo e gás-natural no país, referente a blocos que contêm um total de 29 bilhões de metros cúbicos de gás e de 10 bilhões de barris de petróleo bruto.
Espera-se que essas concessões sejam destinadas a companhias americanas, inglesas e de outras nacionalidades.
As reservas confirmadas do Iraque colocam o país como detentor da 3ª maior reserva de petróleo do mundo, com aproximadamente 143 bilhões de barris. No entanto, o governo iraquiano declarou que novas explorações têm mostrado que o Iraque é, na verdade, detentor das maiores reservas de petróleo do mundo, com mais de 350 bilhões de barris.
Os interesses dos EUA no petróleo iraquiano vêm desde o início do século 20, quando o mesmo foi descoberto no país. Desde então, o Iraque tem sido cenário de disputa pelo controle de sua grande fortuna em petróleo.
Após a 1ª Guerra Mundial, e com a derrota alemã na guerra, a parte da Alemanha na Companhia de Petróleo Turca, que anteriormente tinha a concessão por todo o território iraquiano, foi dada à Inglaterra e França, as duas novas potências coloniais no Oriente Médio.
No entanto, a dominação dessas duas potências não permaneceu inconteste. Sob pressão dos Estados Unidos, a emergente nova superpotência, duas companhias de petróleo americanas, Jersey Standard e Socony, receberam uma fatia de 23,75% da recém formada Companhia de Petróleo Iraquiano, com o resto sendo dividido pelas companhias de petróleo Inglesa, Francesa e Royal Dutch-Shell.
O monopólio estrangeiro do petróleo iraquiano terminou com a nacionalização da indústria petrolífera nacional, em 1972.
Especialistas da indústria do petróleo dizem que atualmente todos os campos do Iraque estão produzindo petróleo e juntos são responsáveis por mais de 90% da atual produção iraquiana. Por isso, a necessidade de investimentos e tecnologia é relativamente menor.
Além disso, os custos de produção no Iraque são relativamente baixos, uma vez que os campos de petróleo localizam-se em regiões relativamente acessíveis. O petróleo bruto iraquiano, conhecido como “light sweet”, é de alta qualidade e adequado às refinarias americanas.
Com os preços do petróleo subindo sem sinais de alívio, as companhias norte-americanas de petróleo não devem permitir que outras gigantes tomem posse das imensas reservas iraquianas, ainda que o exército americano encontre-se em vias de deixar o país em breve.
Isso pode explicar porque altos funcionários militares americanos recentemente aumentaram a pressão para que o governo do Iraque concorde com a extensão da presença dos militares americanos no Iraque além da data previamente acordada, apesar da garantia do presidente americano Barack Obama que todas as tropas se retirariam até o final de dezembro.
O primeiro-ministro iraquiano, Nuri Al-Maliki, deve agora decidir se pedirá às tropas americanas para ficar no país além da data programada para a retirada, ou se será cumprido o acordo de segurança de 2008, que afirma que a maioria das tropas americanas deveria sair até o final desse ano.
O principal rival político de Al-Maliki, o clérigo xiita apoiado pelo Irã, Muqtada Al-Sadr, avisou que seus seguidores irão retomar sua oposição armada se as tropas americanas permanecerem além do final deste ano.
O mentor de Al-Sadrs, o Grão Aiatolá Kazim Al-Haeira, também emitiu um decreto religioso de sua base no Irã proibindo qualquer extensão da presença militar americana no Iraque além daquilo que havia sido previamente acordado.
Esses desenvolvimentos podem ser expressões parciais da política interna iraquiana e das ambições do Irã em ter um papel maior no Iraque após a retirada dos EUA. No entanto, apresentam também um importante aspecto que envolve o petróleo.
O Irã tem contado com uma escassez do petróleo iraquiano para manter sua posição como o segundo maior produtor da OPEP, desse modo enfrentando as sanções lideradas pelos EUA. O Irã preocupa-se que qualquer ressurgimento da produção de petróleo iraquiano afetará sua própria posição no mercado internacional.
As motivações por trás das tentativas das companhias de petróleo americanas de aumentar seus investimentos no Iraque podem não ser a redução das exportações do petróleo iraniano, mas do ponto de vista do Irã é isso que provavelmente acontecerá.
Permanece verdadeiro o fato de que 75% de todo o petróleo mundial encontra-se na região do Golfo, e quem controlar essa região controlará a economia do mundo. Isso por si só pode explicar as mentiras e trapaças sobre os verdadeiros motivos por trás da cara ocupação estrangeira no Iraque.
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