Você quer dizer desigualdade puramente financeira, certo?
Acho oportuno postar um trecho de "Voltairine de Cleyre & Rosa Slobodinsky: O Individualista
e o Comunista – Um Diálogo "
[...]
C: Mas seu objetivo é idêntico ao do Comunismo! Porque tudo isso para me
convencer de que os meios de produção devem ser tirados dos poucos e dados a
todos? Comunistas acreditam nisso; é precisamente por isso que estamos lutando.
I: Você me interpretou errado se você acha que queremos tirar ou dar para
alguém. Nós não temos esquemas para regular a distribuição; não substituímos
nada, não fazemos planos. Deixamos tudo a cargo do infalível equilíbrio da oferta e
demanda. Dizemos que com oportunidades iguais para produzir, a divisão do
produto necessariamente se aproximará de uma distribuição eqüitativa, mas não
temos método para “estabelecer” tal equalização.
C: VOCÊ chama isso de igualdade! Que um homem possa ter mais do que outros
simplesmente porque ele é mais forte ou esperto? Seu sistema não é melhor do
que o presente. O que estamos lutando contra não é simplesmente contra essa
própria desigualdade nas posses?
I: Mas o que é igualdade? Igualdade significa que eu deva desfrutar do que você
produziu? De forma alguma. Igualdade significa simplesmente a liberdade de cada
indivíduo de desenvolver todo o seu ser, sem impedimento por parte de outro, seja
ele mais forte ou mais fraco.
C: O que! Você fará com que uma pessoa mais fraca sofra porque é mais fraca? Ela
pode precisar tanto quanto, ou mais do que uma pessoa forte, mas se ela não é
capaz de produzir o que acontece com sua igualdade?
I: Eu não tenho nada contra você dividir seu produto com o mais fraco se você
assim desejar.
C: Lá vem você com caridade novamente. O Comunismo não quer caridade.
I: Eu sempre me encanto com a singularidade da matemática Comunista. Meu ato
você chama de caridade, nosso ato não é caridade. Se uma pessoa faz um ato
benevolente você a estigmatiza; se um mais um, somados e chamados de comuna, fazem a mesma coisa, você aplaude.
Por alguma espécie de alquimia parecida com
a transmutação dos metais, o arsênico da caridade se torna o ouro da justiça!
Cálculo estranho! Não percebe que está fugindo de um rótulo novamente? Você
muda o nome, mas o caráter da ação não é alterado pelo número de pessoas
participando dela.
[...]
Não vejo nenhuma alquimia nem cálculo estranho (está certo, está evidente que foi ironia, mas como tem gente que parece impérvea a isso...). Tão simplesmente, enquanto I não tem nada contra C dividir o dele com quem quiser, o próprio C tem tudo contra si próprio compartilhando o que *terá* depois que todos os I dividirem os seus produtos com os outros e os C da elite imperarem sobre esse "estado" (de coisas). É redesign do velho e simples golpe barato de esquina. Deve dar uma raiva danada quando não caem.
Mas, o que me motivou a postar nesse tópico de um tema eivado de utopia foi esse detalhe:
Um gênio/a que nascer numa familia pobre do Norte/Nordeste do Brasil não terá o mesmo sucesso na vida que um mediocre qualquer que nascer numa familia rica .
Não é exatamente assim. Toda a riqueza humana não extraída como recurso natural bruto nasce de gênios e, normalmente, cresce (tem crescido mas isso tem mudado) nas mãos de trabalhadores. Mas o crescimento da riqueza nas mãos de trabalhadores humanos é acessório, os trabalhadores são acessórios e potencialmente dispensáveis. Do ponto de vista da produção, talvez mais nitidamente que de qualquer outro ponto de vista, humanos trabalhadores são máquinas operatrizes e, qualquer máquina que exista, sempre poderá haver melhor. Já o nascimento dela (da riqueza) nas mentes de gênios é essencial (embora estejamos/possamos estar à beira da linha depois da qual talvez até mesmo esse tipo de humano seja dispensável, embora eu pense que isso nunca poderá ser de modo absoluto). É justo o não entendimento disso o cerne da falha crassa das ideias comunistas, todas elas. Há que se considerar, entretanto, detalhes do fenômeno da genialidade humana.
Há muitos tipos de genialidade. Há aquelas variedades que conferem, SIM, muito maiores "oportunidades" de "sucesso" do que nascer no seio da família mais rica do mundo. Muitas famílias são ricas exatamente por algum ancestral genial desses que nasceu em meio a grande pobreza.
Mas há outros tipos de genialidade que não se direcionam a isso. E, nesses casos, o não aproveitamento das mesmas não é só um prejuízo pessoal para o gênio proprietário. Também o é para toda a sociedade. Entretanto, ainda considerando isso, não é uma "distribuição igualitária" das benesses em moldes comunistas, por parciais que sejam esses moldes, o melhor caminho para o aproveitamento de tais talentos (especialmente porque tais talentos, para serem aproveitados, normalmente demandam recursos em proporção muito maior do que seria um quinhão igualitário), mas um sistema de avaliação abragente que tenda a alcançar a todos. Nunca se deixando ludibriar pela ilusão de que seja outra coisa que não o aproveitamento desses talentos o que constrói sociedades mais capazes de oferecer melhores condições de vida aos seus integrantes, todos. Se a escolha for entre "escola para todos" e criação de centros de desenvolvimento e pesquisa para esses talentos, deixe o resto todo sem escola e dê a esses talentos o "alimento" que precisam. Eles deverão alimentar o resto. Escola para todos, não é um princípio democrático, é um princípio comunista ideológico. Educar-se não é direito, é obrigação e deve ser de interesse exclusivo do indivíduo. Escola para todos não faz nação nenhuma crescer; é só um luxo a que nações crescidas se podem dar.
A humanidade, como um todo, é pobre. Dividir essa pobreza entre todos enfraquece até os gênios e tira-lhes toda e qualquer oportunidade, que, em sequência, estende-se por toda a sociedade. Objetivar o aumento, não da riqueza (ou melhoria de vida) dos indivíduos todos precipuamente, mas da riqueza de toda a sociedade, pelo menos, transforma aquela chance zero em alguma chance; não foge da realidade darwiniana da vida que prima pelo indivíduo para que depois forme-se um grupo beneficiado. Podemos fazer isso porque a memética constrói especiação memética em sociedades como a humana em que as funções cognitivas assumiram elevadíssima influência na sobrevivência, mas continua o mesmo processo de deriva e seleção em que surgem mais aptos podendo transmitir sua aptidão por meios meméticos ou os benefícios finais dela aos demais. O comunismo é a negação dessa realidade. E já seria muito útil se boa parte da humanidade pudesse ter aprendido o que resulta da negação de realidades.
A primeira opção está embasada num princípio totalmente irrealista de estaticismo. Nenhuma sociedade, igualizada a força bruta, se manterá assim indefinidamente, pois, com tempo suficiente, sempre surgirão indivíduos que manifestarão competência para alterar a conjuntura não importa em que situação difícil se encontrem. Não é uma questão de escolha. A única sociedade estável possível é a segunda. De fato, observando-se períodos grandes, ver-se-á que é a única sociedade que existe; distúrbios igualitaristas do equilíbrio são transientes, são momentâneos, nada mais além de distúrbios.