Trump pode testar acordo nuclear com IrãNovo presidente prometeu adotar postura mais rígida em relação ao cumprimento das metas do tratado com país persa
Uma das conquistas do presidente Barack Obama na política externa, o acordo nuclear do Irã, está em risco. Na quarta-feira, a Agência Internacional de Energia Atômica alertou que o Irã excedeu o limite de armazenamento de “água pesada”, substância usada para esfriar reatores de plutônio, pela segunda vez desde que o acordo entrou em vigor.
Quando isso ocorreu, em fevereiro, o governo Obama adquiriu o excesso produzido, regularizando a situação do Irã. Desta vez, a Casa Branca recorreu à semântica. O porta-voz do Departamento de Estado, Mark Toner, disse que a não obediência do limite pelo Irã não representava uma “violação” do acordo, o que poderia, teoricamente, disparar um processo de reaplicação de sanções. Ele disse que os iranianos estavam trabalhando com outras partes para resolver o problema.
Se Hillary Clinton tivesse vencido as eleições, o excesso de “água pesada” provavelmente permaneceria na situação de não cumprimento. Mas o novo presidente será Donald Trump, e ele prometeu aplicar rigorosamente o acordo de 2015.
O comitê consultivo sobre Israel da campanha de Trump divulgou nota este mês, afirmando: “Os EUA têm que reagir às violações do Irã.” A declaração também prometeu que Trump implementaria novas sanções para controlar as ameaças iranianas a seus vizinhos e a continuada proliferação.
Na quinta-feira passada, republicanos me disseram que as violações mais recentes do Irã seriam mais investigadas por um governo Trump do que pelo atual. “Não é surpresa que o Irã esteja mais uma vez testando os limites do acordo nuclear para ver com que pode se safar”, disse o senador Tom Cotton, do Arkansas, aliado de Trump. “O governo Obama encorajou exatamente este tipo de comportamento quando comprou o equivalente a US$ 8,6 milhões em ‘água pesada’ do Irã.”
No ano passado, Cotton organizou uma carta de seus colegas republicanos no Senado para os líderes do Irã, alertando que o próximo presidente tinha a prerrogativa de implementar ou não o acordo nuclear que os diplomatas de Obama estavam negociando. Em seguida, o chanceler iraniano, Javad Zarif, disse que os EUA e seus parceiros estavam pretendendo garantir o relaxamento das sanções do acordo por meio de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU (a Casa Branca não enviou o acordo nuclear para o Senado como um tratado, o que exigiria uma maioria de dois terços para sua ratificação).
Há agora uma grande incerteza sobre o que Trump fará quando assumir a Presidência. Segundo Cotton, “em janeiro, o presidente Trump e um Congresso republicano vão iniciar uma nova política em relação aos aiatolás”. Outros republicanos com quem falei não estavam convencidos de que Trump rasgará o acordo, como muitos candidatos nas primárias prometeram.
Uma razão para isso é que os EUA já cumpriram boa parte de suas obrigações: suspender as sanções. Os EUA também pagaram ao Irã em dinheiro pela liquidação de pleitos referentes à venda de armas pelos EUA ao regime deposto em 1979. Outras receitas devidas ao Irã por venda de petróleo foram descongeladas. Assim, a esta altura, uma decisão dos EUA de rasgar o acordo nuclear apenas afetaria as obrigações do Irã, tais como o monitoramento internacional de seu programa nuclear.
Defensores do acordo nuclear com o Irã temem que uma abordagem de pressão para que o país cumpra rigorosamente o tratado poderia enfraquecer o presidente iraniano e seu ministro de Relações Exteriores, que negociaram internamente o pacto com o regime iraniano. Sem um apoio como o de Obama, o Irã poderá se sentir tentado a abandonar o tratado como um todo. O presidente Donald Trump certamente vai testar essa hipótese. Mas vale a pena indagar quem será o culpado se o Irã abandonar o acordo, pois é o presidente dos EUA quem aplica seus termos. Será Trump ou o Irã que terão destruído o legado de política externa de Obama?
Eli Lake é colunista de geopolítica e política externa da Bloomberg News
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