Olhem aí um retrato da nossa República.
Olhem aí o que significa fisiologismo, toma-lá-dá-cá ao pé da letra.
Olhem aí como está longe, muito longe do dia em que o país bananeiras chegará perto de ser sério.
'Mercado persa' no Planalto
ERICH DECAT
O Estado de S.Paulo
19 Maio 2015 | 02h 04
Como o ministro Eliseu Padilha comanda do 4º andar da sede do governo a distribuição de cargos a aliados

Eliseu Padilha tem planilha com status das vagas
BRASÍLIA - Noite de terça-feira, dia 12 de maio, Câmara em ebulição em razão das votações do ajuste fiscal.
"Olha o tanto de ligações que já anotei para dar retorno, comenta um assessor por volta das 22h no 4.º andar do Palácio do Planalto para outros três colegas. O local é a atual antessala do ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, novo inquilino do espaço destinado à extinta Secretaria de Relações Institucionais.
De dentro da sala, com mesa de reunião no centro e vistas para o Congresso, o ministro se dedica a ouvir as demandas dos aliados realizadas pessoalmente em um momento de discussões acaloradas.
A missão foi concedida ao ministro pelo vice-presidente da República, Michel Temer, coordenador do governo com os aliados. Para não ser interrompido pelas dezenas de ligações, a maioria de parlamentares e até de alguns ministros, Padilha prefere deixar o aparelho celular aos cuidados do assessor, que tem ao alcance um bloquinho e uma caneta. Em meio às ligações há um entra e sai do gabinete por onde passam de deputados do "baixo clero" a presidentes de partidos da base.
Com envelopes nas mãos, os políticos são recebidos na porta do gabinete pelo ministro que tem o cuidado de chamar cada um pelo nome. Cerca de meia hora depois saem com o semblante de satisfação. "Isso aqui é um verdadeiro mercado persa", brincou um outro ministro de passagem pelo local.
"O problema é que num processo de total desconfiança com o governo, todos resolveram pedir tudo ao mesmo tempo", reclamou o presidente de um partido da base, após deixar o gabinete de Padilha, com uma pasta nas mãos. "Não posso mostrar", se esquivou, trazendo os documentos para próximo do corpo, como se tivesse em mãos algo precioso.
O segredo em torno das negociações também faz parte do ritual e das conversas. A estratégia ocorre porque muitas vezes estão em jogo os espaços que também são disputados por outras legendas, sempre interessadas em ampliar o seu quinhão ou não perderem nenhuma cadeira no governo federal.
O principal foco dos partidos aliados tem sido conquistar as estruturas que estão sob o guarda-chuva do ministério comandado pela própria legenda.
Cores. Para tentar dirimir possíveis guerras entre os aliados, num momento em que os votos a favor do governo estão escassos, foi estabelecido um mapa com a divisão dos cargos dos segundo e terceiro escalões. A pasta, que carrega o simbolismo de poder ditar o ritmo da fidelidade dos aliados, fica em cima da mesa de Padilha, numa planilha dividida em três cores. Vermelho: inegociável. Amarelo: em negociação. Verde: negociado. "Hoje temos mais verde", comemorou Padilha, no fim daquela noite de terça-feira, após cerca de 12 horas divididas entre reuniões e despachos.
Mesmo após várias reuniões, Padilha realiza uma última ligação às 23h para o ministro da Previdência, Carlos Gabas. Quer tirar uma dúvida sobre a votação da Medida Provisória 664, sobre a redução de benefícios previdenciários, que iria a plenário no dia seguinte. Após as explicações, ele se despede: "Tudo bem, meu doutor, desculpa estar incomodando nesta hora. Estou aqui cumprindo a missão". Gabas responde: "Soldado não escolhe hora, você sabe que telefone nunca desligo, né!". Risadas. "Nos vemos amanhã do Jaburu." Além das negociações do segundo escalão, passou ser rotina a realização do "petit déjeune" na residência oficial do vice-presidente da República no dia de votações importantes para o governo. "É para desfazer os últimos focos de tensões", diz Padilha.
No dia seguinte, quarta-feira, a MP 664 passou, mas não sem uma derrota para o governo: oposição e rebeldes da base incluíram nela a flexibilização do fator previdenciário.
Nesse governo, ministro não toma conta de sua pasta.
Quase uma dúzia de ministros somente cuida de articulação política.
Os ministérios aos quais eles respondem estão entregues às traças, administrados pelo "imediato" (como se diz em Marinha).
Ministro não cuida de Ministério, mas somente de política.
Ajuste fiscal chega, ajuste fiscal vai, impostos são aumentados, população recebe pacote de maldades,...
...mas quantidade de ministérios (
39), ninguém fala em reduzir ou enxugar outros gastos.