Eu cheguei a pensar nisso que você escreveu. O problema é que ela já parte de uma premissa falsa, de que os assaltos acontecem por causa do capitalismo. Assaltos acontecem desde os primórdios da civilização, desde as caravanas até mercadores, que fazem disso seu meio de vida.
Os assaltantes roubam porque gera um lucro maior com menos esforço, apesar do risco alto.
E quase ninguém assalta para ter algo que não tinha antes. As pessoas assaltam para tirar bens de pessoas indefesas para então revender e fazer disso um meio para ganhar a vida.
Interessante. Mas a pergunta não foi sobre assaltos especificamente, foi "sobre os altos índices de criminalidade".
Eu vou fazer aqui também umas provocações "pelo avesso", e já tenho a certeza que vai ser muito fácil pegar qualquer frasinha isolada e me fazer parecer um radical ou um idiota ( embora sejam quase sinônimos ).
Já postaram aqui neste fórum dois vídeos que eu achei muito interessantes. Mais que interessantes, achei reveladores.
Um foi uma matéria antiga sobre arrastões nas praias do Rio de Janeiro, quando esse problema reapareceu recentemente. O outro acho que fui eu mesmo que postei: um documentário sobre a guerra contra o tráfico de drogas no RJ.
O primeiro abordava o choque cultural e a difícil convivência entre as pessoas da zona sul e suburbanos que passaram a frequentar estas praias depois que disponibilizaram linhas de ônibus. E claro, os arrastões vieram logo em seguida.
Em algum momento um repórter pergunta a um desses moradores da periferia o que ele faria se ganhasse na loteria. Bom, me desculpe mas vou citar tudo de memória, vi estes vídeos há anos.
O cidadão responde: " Pô, eu ia comprar um apê aqui, ia andar numa kawasaky com uma loira dessas na garupa, só ia usar roupa bacana, de marca, etc, etc, etc..." Mais ou menos isso.
No outro documentário entrevistam um preso que está em uma cela hiperlotada de uma delegacia, onde os presos precisam se revezar para dormir porque não tem espaço pra todo mundo. Você, só de ver aquilo, quase consegue sentir o calor infernal lá dentro: 80 homens amontoados em um espaço onde mal caberiam dez, sem ventilação e no verão do Rio de Janeiro. Se inferno existe deve ser quase tão ruim quanto isso, e então o "cidadão" começa a dizer coisas ( pra mim ) espantosas.
"Olha, eu fiquei preso no presídio tal 3 anos, mas graças a deus consegui fugir, aí assaltei um banco, fiquei mais 2 anos mas deus foi bom e consegui fugir, aí meti um carro forte, fiquei mais 5 anos, Jesus me ajudou e logrei êxito em escapar de novo... assaltei e agora estou aqui. Mas quando eu sair vou assaltar de novo, só banco, carro forte... porque a sociedade de m... não me dá oportunidade não. Não vou morrer como a minha vozinha que trabalhou a vida inteira e no final não tinha nada. Eu não, assalto mermo, quando sair vou andar só de tênis redley e coisa e tal"
Alguma coisa te chama atenção nestes depoimentos? Não me refiro a essa crença de que Jesus esteja dando fuga a bandidos perigosos, mas no que há de revelador e em comum em ambos os depoimentos.
O primeiro cara é um pobre que mora em um destes subúrbios do Rio, que são lugares horríveis em tudo, a começar pela aparência mesmo. Longe, quente, sujo, não tem lazer, não tem praia, não tem segurança, o transporte é um suplício diário, a população não tem assistência de saúde decente, escola decente, nada.
Mas quando ele se imagina ganhando na megasena quais são as aspirações que lhe vêm à cabeça? Em nenhum momento ele lembra de contratar um bom plano de saúde para sua família, de botar os filhos em uma boa escola, da possibilidade de morar em um lugar onde a família tenha segurança... enfim, nada de realmente fundamental na sua qualidade de vida. Não, ele só consegue pensar na possibilidade de consumir símbolos de status! A apê na Vieira Souto, a moto, a loira... Que coisa maluca, né? Maluca ou doentia?
Acho que os dois, e isso está acontecendo porque se estabeleceu essa mentalidade de consumo na sociedade, que induz as pessoas inconscientemente a vincularem seu próprio valor aos tipos de produtos e serviços que são capazes de consumir. Trocando em miúdos, o que incomoda a esse sujeito, mais do que a vida de merda que ele leva, é ele se sentir um merda como ser humano quando vê alguém da zona sul em uma moto bacana, com uma aparência legal, com uma mulher de aparência legal também. Ele não se sente só um cidadão de segunda classe, ele se sente um ser humano de segunda classe lobotomizado por esse tipo de mentalidade que se tornou ubíqua, mas ele não possui o senso crítico necessário para não ser uma marionete nas mãos dessas influências, e ser capaz de cultivar valores que efetivamente contribuam para sua própria qualidade de vida. Ao contrário, ele é programado para desejar contra seus próprios reais interesses. E claro, isso serve à produção e ao consumo: o desejo de consumir não é uma coisa ligada simplesmente ao utilitarismo daquilo que se consome, mas vem associado a desejos inconscientes muito mais fortes. Óbvio, se não fosse assim 90% das pessoas que compram um Iphone não comprariam, porque o preço, comparado com o que elas têm de renda, não compensa dentro de uma simples lógica de custo-benefício.
E o presidiário? Imagina o cara que passou 70% da vida dele naquele inferno de cadeia, e ainda diz que quando sair vai roubar de novo pra andar de tênis da redley!!! Eu nunca usei um tênis da redley e nem vou usar, mas duvido muito que seja uma coisa tão divinamente confortável, que seja assim um prazer orgástico a cada passada, a ponto de valer a pena ficar espremido durante meses com 90 machos em uma sala sem ar condicionado. E o cara ainda fala da vozinha que morreu sem nada. Não conheço a vó do simpático cidadão, mas duvido muito que ela tenha tido uma vida pior que a dele.
Pra você ver como esse tipo de pressão irracional e artificialmente criada, têm mesmo um impacto sobre os "altos índices de criminalidade". Quando a Xuxa, nos anos 80, vendia um mundo de fantasia e bonecas e brinquedos caros para um público infantil onde 90% não podia nem sonhar em consumir aquilo, ela estava colaborando de uma maneira indireta mas muito real para os índices de criminalidade que temos hoje.
Acho que essa paródia do Balão Mágico, do premê, explica melhor do que eu o que eu tô tentando dizer.
EDIT - Apenas corrigindo alguns dos erros de Português e esperando melhorar também um pouco a semântica.