Henrique Rattner
Professor na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo; ex-professor no Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da EAESP/FGV
1. POLÍTICA INDUSTRIAL NO JAPÃO
Após a II Guerra, os esforços do governo japonês concentraram-se na reconstrução da economia do país, totalmente arrasada pelos bombardeios norte-americanos. Foram declarados prioritários os quatro setores industriais que historicamente constituíam a espinha dorsal da indústria japonesa - a siderurgia, o carvão, a construção naval e a geração de energia-e que deviam receber as matérias-primas e recursos financeiros para seu desenvolvimento.
Para agilizar a reconstrução, o governo japonês criou o Instituto Financeiro de Reconversão, a fim de apoiar o sistema' 'prioritário'' de produção, com a incumbência de prover fundos às empresas privadas visando o reinício da produção industrial. Ao mesmo tempo, foram implantadas políticas visando o controle da inflação, a modernização das plantas e equipamentos industriais e o fomento das exportações. As empresas exportadoras foram contempladas com isenções tributárias e diversos programas creditícios, para facilitar a aquisição de bens de capital. O capital estrangeiro, sob forma de empréstimos e investimentos diretos, patentes e licenças industriais e transferência de tecnologia, contribuiu também para a modernização da indústria japonesa.
Para estimular as exportações de produtos manufaturados, foram implantados escritórios de informação comercial no exterior, para assessorar as empresas japonesas na colocação de seus produtos nos mercados externos e, eventualmente, ajudar as empresas estrangeiras nas compras e negociações, no mercado japonês. Uma série de acontecimentos externos contribuiu favoravelmente para o desenvolvimento da economia japonesa: a Guerra na Coréia (1950-53), a admissão do Japão no Fundo Monetário Internacional e no Gatt (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) e, sobretudo, a Guerra do Vietnã (4963-73), durante a qual uma grande parcela dos produtos consumidos pelas tropas norte-americanas foi fabricada no Japão, impulsionaram o crescimento industrial e econômico, de forma praticamente ininterrupta durante duas décadas.
O período dos' 'milagres" começou em 1950, quando as tropas norte-americanas lutando na Coréia compraram materiais e equipamentos no valor (atualizado) de US$ 10 bilhões. O ingresso de divisas foi fundamental para a importação de máquinas e bens de capital para a indústria automobilística e outros. A década de 50 foi marcada pelo Jimmu boom, assim denominado pelos meios de comunicação japonesa em recordação à prosperidade do reino do Imperador Jimmu, por volta do ano 660. O início da década de 60 trouxe o Iwato boom, ou tempos felizes nunca mais experimentados desde o período mitológico remoto, quando a deusa do sol Amatarasu Omikami foi despertada de sua reclusão nas cavernas de Iwata. O plano do governo Ikeda (1960-64), proclamando como meta a duplicação da renda per capita em 10 anos (de fato cumprida em apenas sete anos), induziu a expansão dos investimentos públicos e privados, à razão de 259b ao ano, resultando em uma taxa média decrescimento do PIB de 13% a.a. e trazendo o Izanami boom (1967-69), referido a um passado ainda mais mitológico, quando a deusa Izanami, em ato de procriação com seu irmão, deu à luz as ilhas nipônicas.
Durante todas essas fases de prosperidade, o fator principal de crescimento não foram as exportações, mas sim os investimentos. De 1950 até 1970, os investimentos privados anuais cresceram em mais de 10 vezes, financiados por uma poupança privada que alcançou 259b da renda disponível em 1974. Mesmo as crises de petróleo de 1973 e 1978 não conseguiram diminuir o ritmo da poupança privada dos japoneses, estimada, em 1986, em 10 milhões de ienes por família (entre US$40 mil e US$50 mil, dependendo da taxa de conversão utilizada).
Durante esses sucessivos períodos, além do reerguimento das indústrias pesada e química, foram destinados recursos de vulto para o desenvolvimento da infra-estrutura - estradas, ferrovias, portos, água, energia, identificados como pontos de estrangulamento do processo de crescimento. Junto com a expansão e a modernização da rede de transportes, procedeu-se a uma relocação e descentralização dos estabelecimentos industriais e à implantação de um programa de construções habitacionais, visando uma melhora efetiva do padrão de vida da população japonesa. De fato, na década de 1960-70, o aumento da renda per capita superou as metas do governo, alcançando 10,99o ao ano, em vez de 7,29o do plano.
É interessante notar a complementariedade dos objetivos do Plano, combinando metas econômicas, sociais e políticas, tais como estas, fornecidas pela Economic Planning Agency of Japan:
• o desenvolvimento do capital social;
• a integração da estrutura industrial;
• a promoção do comércio e da cooperação internacional;
• o fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico;
• a diminuição das disparidades entre grandes e peque nas empresas;
• a consecução da estabilidade social e política.
Enquanto orientava as empresas industriais, fixando metas a longo prazo, o governo japonês procurou evitar qualquer ingerência na atividade privada, permitindo, assim, que empresas e setores industriais formulassem suas próprias diretrizes de crescimento.
O início da década de 70 parecia anunciar o fim do "milagre" japonês. Primeiro, a desvalorização do dólar em 1971 e, posteriormente, o "choque'' do petróleo afetaram profundamente os rumos da economia nipônica. Diante das pressões dos parceiros comerciais (mormente os EUA), para reduzir e controlar a política de exportação agressiva, passou-se à promoção de importações e à liberalização de movimentos de capital de risco, enquanto internamente, identificando os limites de expansão das indústrias pesada e química, a ênfase foi deslocada para a promoção e o desenvolvimento de ramos P&D intensivos.
Posta em prática desde o início da década de 80, a nova política industrial procura dar o máximo de apoio ao desenvolvimento tecnológico nacional, visando estimular a criatividade industrial, elevar o valor agregado na transformação industrial e, ao mesmo tempo, difundir informações relevantes para conservar recursos energéticos, adquirir especialização industrial a nível internacional e para atender as necessidades básicas da população, crescentemente concentrada em áreas e atividades urbanas, conforme a tabela 1.
2. O PAPEL DO MITI (MINISTR Y OF INTERNATIONAL TRADE AND INDUSTRY) NA POLÍTICA ECONÔMICA E INDUSTRIAL DO JAPÃO
Criado em 1949, a partir da Junta de Comércio, o órgão intermediador entre o comando supremo das forças de ocupação norte-americanas e o governo japonês, o Miti passou a exercer as funções de planificação, formulação e implantação das políticas industriais do Japão. Entre essas funções convém destacar:
• A realização de estudos prospectivos sobre o desenvolvimento e as mudanças necessárias, na estrutura industrial japonesa. De acordo com esses estudos, são fixadas as metas a serem alcançadas pelo setor privado, para que seja mantida a competitividade dos produtos japoneses, nos mercados internacionais.
• Elaborar políticas e diretrizes para que aqueles setores considerados estratégicos possam obter os recursos financeiros dos bancos estatais e semi-estatais, para seu desenvolvimento. Essas políticas são elaboradas em estreita colaboração com o Ministério de Finanças, que orienta os bancos privados na concessão de crédito às indústrias, de acordo com suas normas.
• Embora considere o desenvolvimento tecnológico tarefa precípua do setor privado, as novas indústrias e tecnologias (microeletrônica, informática, automação industrial, biotecnologia, novos materiais etc.) recebem apoio governamental, porque:
- requerem longos períodos de pesquisa e desenvolvimento;
- exigem investimentos de grande vulto;
- constituem prioridades, no plano nacional de desenvolvimento;
- necessitam da coordenação do governo, por exigirem a colaboração de diversas empresas, normalmente concorrentes em um mesmo mercado.
• Constitui incumbência do Miti selecionar as indústrias a serem desenvolvidas pelo Japão e, logo, elaborar as diretrizes e políticas para apoiá-las. Essas medidas podem ser sintetizadas na proteção de concorrência estrangeira a indústrias nascentes e nos estímulos e incentivos para que alcancem a capacidade competitiva com seus produtos, no mercado internacional, o mais rápido possível.
• O controle de câmbio e de divisas estrangeiras, tarifas sobre produtos importados e o controle das importações e dos investimentos estrangeiros constituem alguns dos instrumentos de proteção às indústrias japonesas, aos quais se acrescentam, desde 1980, o apoio financeiro e as isenções fiscais-tributárias. Devem-se mencionar, também, as barreiras "invisíveis" ou não-tarifárias, representadas pelos critérios extremamente rigorosos de qualidade e de conformidade com as normas técnicas japonesas, bem como a inclinação e preferência dos consumidores japoneses por produtos de origem e marcas nacionais.
• Além de promover as "indústrias do futuro'', o Miti desempenha papel decisivo na formulação das políticas industriais nas chamadas "indústrias recessivas", tais como a têxtil, a de construção naval, a petroquímica e o alumínio, incentivando-as a diversificar suas atividades mediante a inovação de produtos. Assim, algumas empresas têxteis começam a produzir circuitos integrados, empresas petroquímicas entram na área de biotecnologia e produtores de relógios desenvolvem novos tipos de diafragma para câmaras fotográficas efloppy disk-drives. O Miti atua também como coordenador de projetos de pesquisa e desenvolvimento realizados com a participação do governo e do setor privado, tais como os de automação industrial, optoeletrônica e o projeto nacional de computadores super-rápidos.1 Um dos projetos coordenados pelo Miti e que chamou a atenção dos observadores internacionais refere-se aos computadores da "quinta geração", de "inteligência" superior aos que atualmente estão em uso. A "quinta geração" deve ter capacidade de simular processos dedutivos, receber ordens em língua natural, entendendo palavras que não estão armazenadas em sua memória etc.
Dividido em três etapas, o projeto "quinta geração" realizou, na primeira (1982-84), a pesquisa e o desenvolvimento dos elementos tecnológicos básicos para a construção do sistema, tendo sido os resultados positivos divulgados em um congresso, em Tóquio, em fins de 1984.
Na segunda etapa (1985-88) estão sendo desenvolvidos os algoritmos e as arquiteturas básicas para os subsistemas e os modelos de pequena e média escalas.
Na etapa final (1989-91) será construído o protótipo de um sistema "quinta geração", integrando todos os resultados dos trabalhos anteriores.
Esse projeto teve repercussões nos países do mercado comum europeu e nos EUA. Assim o governo britânico lançou o projeto Alvey; a CEE está implantando o projeto Esprit; o governo francês prossegue com o projeto Eureka; e, nos EUA, tanto as empresas privadas quanto o Departamento de Defesa estão desenvolvendo projetos de inteligência artificial.
Outros projetos de destaque, com profundas implicações para o futuro do setor, estão sendo financiados pelo Miti2 para ajudar um grupo de empresas de fiação, tecelagem, costura e eletrônica a desenvolver um sistema automatizado de costura, até 1990, integrando CAD/CAM e robôs na indústria de confecções. Faz parte do projeto uma linha de montagem que deve reduzir o tempo da entrega, desde a encomenda, de meses para alguns dias. O desenho dos modelos far-se-á por meio de CAD, o corte com raio laser e a costura com máquinas eletrônicas, eliminando as perdas de material e o tempo morto entre uma operação e outra.
Essa tecnologia deve restaurar a liderança dó setor às empresas japonesas, ultimamente pressionadas pelo produtos mais baratos dos países do sudeste asiático. Embora resulte em eliminação de empregos, os sindicatos dos trabalhadores da indústria têxtil, ainda que reticentes, têm concordado com a introdução das novas tecnologias.3
Novamente, a incursão dos laboratórios japoneses de pesquisa no setor têxtil encontra paralelos nos EUA, onde empresas privadas estão desenvolvendo sistemas de confecções robotizados, e na CEE, que contratou um projeto semelhante.
Ainda em sua fase de desenvolvimento experimental, os principais problemas do projeto parecem concentrar-se na área de software, ou seja, de programas capazes de interligar todos os equipamentos e operações em um sistema integrado.
Outra função importante do Miti se situa nas negociações com as empresas privadas, a fim de obter seu consenso em ações orientadas para a implantação de diretrizes da política econômica. Como exemplo, podemos citar a solicitação às empresas para que reduzam "voluntariamente" as exportações de determinados produtos (automóveis, vídeos etc). Outro exemplo mais recente constitui a solicitação do Miti às empresas líderes para que aumentem suas importações, a fim de diminuir os conflitos com os parceiros comerciais do Japão, afligidos por elevados déficits comerciais.
O Miti conta, para o exercício de suas funções, além de seus funcionários permanentes e institutos filiados de estudos e pesquisas, com um corpo de consultores, do qual fazem parte representantes da indústria, das finanças, acadêmicos, jornalistas e consumidores. O grupo mais destacado de consultores encontra-se no Industrial Structure Council (ISC), que pesquisa e recomenda, por iniciativa própria ou por solicitação do Miti, ações referentes às políticas industriais básicas a longo prazo.
2.1 O Miti e as empresas
Logo após o fim da II Guerra Mundial, o governo japonês procedeu à reconstrução da economia nacional e, em particular, daquelas indústrias capazes de competir com seus produtos nos mercados externos, tais como as de produtos químicos, aço e eletrônica. Foram elaboradas políticas e diretrizes visando motivar as empresas a diversificar e desenvolver as linhas de produtos, cujo sucesso dependia da competitividade nos mercados interno e externo. O baixo custo dos produtos japoneses -transistores, máquinas fotográficas, rádios e outros - levaram empresas norte-americanas e européias a subcontratar a produção de determinados produtos, posteriormente comercializados com suas próprias marcas. A baixa qualidade inibiu, contudo, o desenvolvimento mais rápido da produção, o que levou as indústrias a procurarem consultoria e tecnologia no exterior. O próprio Miti incentivava as empresas a importar tecnologia, embora controlasse as condições contratuais, para não causar prejuízo às políticas industriais do governo, nem à autonomia e à capacidade de inovação das firmas. Para obter licenças de importação de tecnologia, as empresas deveriam apresentar ao Miti estudos detalhados da capacidade de produção estimada e dos planos de comercialização. Com base nessas informações, procurou-se regulamentar ou evitar importações indiscriminadas e controlar, ainda que oficiosamente, as empresas e os investimentos em cada setor.
Através do Miti, o governo limitou o número de companhias desejosas de entrar em determinados segmentos tecnológicos, procurando evitar a concorrência interna excessiva, pelo menos até que as firmas pioneiras tivessem conseguido economias de escala suficientes para tornar seus produtos competitivos.
Durante esse processo de seleção de tecnologias estrangeiras e de apoio às indústrias renascentes, o Miti tomou cuidado para manter um certo equilíbrio: aprovar os pedidos de importação de determinada tecnologia para várias empresas, a fim de evitar a formação de monopólios. As empresas estrangeiras normalmente não foram autorizadas a estabelecer subsidiárias no Japão, por receio de que monopolizassem o mercado local, a não ser em casos especiais em que se exigia a transferência de tecnologia às empresas japonesas.4
Iniciada a produção local de um certo produto, foi limitada a importação de similares capazes de competir com o nacional. Assim se assegurava o abastecimento do mercado interno, atual e futuro, com produtos da indústria nacional. No caso dos computadores, quando as firmas japonesas ainda não estavam aptas a concorrer com similares dos outros países, no começo da década de 60, o governo japonês impôs restrições às importações, a fim de proteger as empresas nacionais, em particular da pressão da IBM. Cada caso particular de importação de computadores requeria licença especial do Miti, concedida ou não de acordo com o enquadramento da solicitação nas normas e diretrizes governamentais.
As empresas interessadas na introdução de determinadas tecnologias estrangeiras poderiam conquistar uma fatia importante do mercado e, com isto, conseguir uma situação econômico-financeira favorável que lhes permitisse continuar o processo de inovação e incorporação de tecnologias.
As empresas japonesas responderam de forma eficiente às políticas e diretrizes tecnológicas do governo, pois, no fim da década de 70, o registro de patentes industriais no Japão era três vezes maior que o da República Federal da Alemanha, embora os gastos das empresas alemãs com P&D, em percentagem de suas vendas, fossem bem superiores.
As políticas tributárias tiveram também um papel importante no desenvolvimento da indústria. Por exemplo, no caso da eletrônica, quando começava a fabricação de televisores em cores, foram reduzidos os impostos sobre os aparelhos que incorporavam circuitos integrados, procurando, assim, incentivar o uso de semicondutores e reduzir o custo de sua fabricação. Reduzindo os custos e, conseqüentemente, os preços, estimulou-se a demanda, fato que repercutiu entre os fabricantes, visando inovar as tecnologias de produção e o desenho dos produtos finais. A diminuição do número de peças e do tempo necessário para a montagem final dos aparelhos5 foi conseguida com uma série de inovações tecnológicas cujo resultado foi também uma melhoria da qualidade dos produtos.
O clima de concorrência agressiva causou também suas vítimas: empresas que não conseguiram "sobreviver" foram absorvidas pelas mais dinâmicas ou encerraram suas atividades. Em casos que representam impactos económicos e sociais mais sérios, o Miti assume a responsabilidade de orientar e incentivar as empresas em declínio, para outras áreas de tecnologia.
Essa orientação é de tipo informal, quando o número de empresas é pequeno, através de reuniões para trocar idéias e levá-las às atitudes e decisões consideradas necessárias. Quando se trata de setores tecnológicos em que concorrem muitas firmas, o Miti pode assumir posições mais rígidas, mediante decretos e regulamentações.6
Em retrospectiva, é lícito afirmar que o sucesso da reconstrução da economia nipônica foi alcançado devido à colaboração efetiva entre as empresas e o governo, bem como à estabilidade e à continuidade do mesmo, ao longo de várias décadas. Os órgãos governamentais, especialmente o Miti, orientam e incentivam as empresas para expandir-se nos ramos e setores considerados favoráveis à economia nacional, e as instituições financeiras são orientadas para seguirem, em suas políticas creditícias, as mesmas diretrizes.
Ademais, para reforçar essa cooperação entre o governo e as empresas, funciona um intercâmbio de pessoal bastante intenso, sendo correntes os casos de transferência de administradores de empresas para repartições governamentais ou designação como adidos às embaixadas japonesas no exterior. O movimento em sentido oposto, mais raro e ocorrendo, sobretudo, no fim de carreira, embora útil nos contatos entre as empresas e as diversas repartições do poder público, encerra o risco de corrupção, da qual também o mundo de negócios japonês não esta totalmente isento.
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http://www.scielo.br/pdf/rae/v27n1/v27n1a02.pdfhttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-75901987000100002