Os militares, do Iluminismo ao terraplanismo, por Luis NassifComo Mourão está fazendo o mesmo curso intensivo de história do Eduardo Bolsonaro, confundiu as bolas e transformou as capitanias hereditárias em exemplo de empreendedorismo.
Por Luis Nassif -03/10/2019
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Reparem no raciocínio do vice-presidente Hamilton Mourão.
1. A Escola de Sagres, criada por Dom Henrique, Infante, foi um movimento de alta tecnologia, que projetou Portugal pelos séculos seguintes. Permitiu dominar a técnica da navegação, a construção de navios, a contabilidade das viagens. Empreendedorismo nato.
2. As capitanias hereditárias estão na raiz do patrimonialismo brasileiro. Enquanto os Estados Unidos abriam a possibilidade de propriedade da terra para os pioneiros, e a Argentina conquistava os pampas com os terratenientes, as capitanias estratificaram a propriedade da terra, foram responsáveis pelos latifúndios improdutivos, impediram o desenvolvimento de várias regiões do país, especialmente o Nordeste. Ou seja, antiempreendorismo nato.
Como Mourão está fazendo o mesmo curso intensivo de história do Eduardo Bolsonaro, confundiu as bolas e transformou as capitanias hereditárias em exemplo de empreendedorismo.
Some-se a visão rasa do general Alberto Heleno para se imaginar as Forças Armadas como um conciliábulo de terraplanistas. Não é bem assim. Os institutos militares têm formado engenheiros e tecnológos de alto nível.
E historicamente, não foi assim.
Os iluministas da República
O livro “Forças Armadas e Política no Brasil”, de José Murilo de Carvalho, tem um capitulo sobre a formação intelectual dos militares no período da Abolição e da Proclamação. Havia uma formação ampla, humanista, uma fé inabalável na ciência, estudo das escolas de pensamento, criando verdadeiros bacharéis fardados, com uma diferença. Os bacharéis civis provinham de famílias abastadas e iam buscar colocação no serviço público. Os militares vinham de famílias de militares e de baixa renda, portanto com uma visão de país diferente do patrimonialismo histórico.
Abaixo, alguns trechos do livro:
Separada da Escola Central, que, sob o nome de Politécnica, se encarregou do ensino da engenharia civil, a Escola Militar continuou a dar ênfase ao ensino das ciências e da engenharia. A quem completasse os cinco anos do curso, como foi o caso de Euclides, era concedido o diploma de bacharel em matemática e ciências físicas e naturais, um título nada militar. Sua importância na formação de Euclides foi muito grande. Buscarei resumi-la distinguindo quatro dimensões, a cultural, a intelectual, a política e a social.
Pelo lado cultural, paralelamente às matérias do curso, fortemente centradas nas matemáticas, engenharias e ciências da natureza, os alunos desenvolviam intensa atividade extracurricular em sociedades, clubes e revistas literárias. As revistas eram porta-vozes dos clubes. Destacaram-se, por ordem cronológica, a Phenix Literária (1878), a Club Acadêmico (1879), e a Revista da Família Acadêmica (1886).
A Revista do Club Acadêmico não destoava e publicava trabalhos sobre “A morte do amor”. A Revista da Família Acadêmica, de cuja direção fazia parte Cândido Mariano da Silva (Rondon), falava sobre “Evolução cósmica”, “H. Spencer e o evolucionismo”, “Concepção de Leibniz”.
Leia também: As polêmicas sobre a história militar, comentário de Carlos Dias
Um dos mais destacados atores militares foi o futuro marechal Setembrino de Carvalho, ministro da Guerra de Artur Bernardes. Era tal o entusiasmo dos alunos pelo teatro e pelas atrizes que certa vez tomaram o lugar dos cavalos que puxavam a carruagem de Sarah Bernhardt.
Depoimentos de ex-alunos da época de Euclides garantem mesmo que o maxixe teria sido inventado lá dentro nos caroços, que vinham a ser bailes em que dançavam cadetes vestidos de homem com cadetes vestidos de mulher.[ 5] Fico imaginando uma parada militar ao ritmo de um maxixe.
As correntes mais populares eram o positivismo e o evolucionismo, com seus respectivos gurus, o francês Auguste Comte, os britânicos Charles Darwin e Herbert Spencer, e o alemão Ernest Haeckel. A juventude estudantil militar era dominada por crença fanática no poder da ciência. Esse cientificismo, partindo das ciências exatas e da biologia, estendia-se à sociedade, como doutrinavam Comte e Spencer.
A sociedade, ou, no caso de Comte, a Humanidade com H maiúsculo, eram governadas por leis tão rígidas quanto as da biologia ou da astronomia.
A faceta política da Escola é mais conhecida porque é um componente da conjuntura que vivia o país na segunda metade da década de 1880. A Escola Militar, as outras escolas superiores, a imprensa, o mundo político, todos discutiam a abolição e, sobretudo depois de 1888, a República. Os militares envolveram-se ainda no que ficou conhecido como a Questão Militar.
O abolicionismo lá chegou já em 1880, quando foi criada uma Sociedade Emancipadora que fazia propaganda e coletava fundos para a libertação de escravos. Em 1883, ela se uniu a outras sociedades dedicadas à mesma causa para fundar a Confederação Abolicionista. Em 1887, os alunos publicaram por conta própria um discurso de Rui Barbosa pronunciado na Confederação Abolicionista, aplaudindo a adesão do Exército à causa da libertação dos escravos.
Mais contundente foi o apelo que o Clube Militar dirigiu ao governo, em 1887, assinado por seu presidente, o então general Deodoro, solicitando que o Exército não fosse empregado na captura de escravos fugidos.
Os alunos da Escola foram ainda mais longe. Segundo alguns depoimentos, eles teriam desenvolvido ação semelhante à dos caifazes de Antônio Bento em São Paulo: furtavam escravos, escondiam-nos em suas repúblicas e os enviavam para o Norte.[ 7]
Os alunos da Escola foram ainda mais longe. Segundo alguns depoimentos, eles teriam desenvolvido ação semelhante à dos caifazes de Antônio Bento em São Paulo: furtavam escravos, escondiam-nos em suas repúblicas e os enviavam para o Norte.[ 7]
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Entre os principais incentivadores do conflito estava a mocidade da Escola Militar e agora também da Escola Superior de Guerra, criada em 1889 para abrigar os alunos dos dois últimos anos do curso da Praia Vermelha.
Veio de outro ex-aluno, contemporâneo e amigo de Euclides, Alberto Rangel, a definição da Escola como “uma academia em um quartel”. Os alunos referiam-se em geral a ela como Tabernáculo da Ciência, título que lembra o de Sorbonne usado para designar a moderna Escola Superior de Guerra. Suspeito que meu saudoso professor Francisco Iglésias se referiria às duas designações com um adjetivo que só dele ouvi: desfrutáveis.
Os terraplanistas do século 21
Extraído do artigo “Xadrez da ultradireita e o pensamento militar” sobre os intelectuais que fazem a cabeça de Alberto Heleno e Hamilton Mourão.
É por esses mares que singra o barco do general Coutinho.
De acordo com Costa Pinto, para o Gal. Coutinho os socialistas e comunistas (internacionais e nacionais) estariam infiltrados no discurso do politicamente correto:
1) nos partidos como FHC (vinculado ao fabianismo que teria como importantes representantes Soros, David Rockefeller, Bill Clinton, entre outros) e como o Lula (articulado com Fidel Castro organizados do Foro de São Paulo);
2) nas ONG´s;
3) nas escolas e Universidades;
4) nos meios de comunicação;
5) nas manifestações artísticas;
6) nos movimentos sociais (ambientalistas, movimento negro, LGBT, MST, etc..).
Nas palavras de Coutinho “os movimentos alternativos e de minorias são estimulados ou mesmo criados pelas organizações de esquerda revolucionária como componente auxiliar da luta de classes (aprofundamento das contradições internas) e como elemento ativo da ‘desconstrução’ da família tradicional e dos valores da civilização ocidental cristã”. ”
No plano internacional, além do apoio das ONGs, se valeriam da própria Organização das Nações Unidas (ONU) para favorecer regimes nacionais de esquerda e movimentos revolucionários em países do Terceiro Mundo.
É em cima dessa barafunda teórica, que o movimento alt-right, e seus sucedâneos tupiniquins, conseguem transmudar movimentos pacíficos, de defesa dos direitos humanos, em ameaças revolucionárias que precisam ser combatidas no plano cultural e com repressão política.
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O Exército historicamente é utilizado pela elite econômica de cada época para destruir movimentos sociais legítimos, matando brasileiros: (1) o Exército agia como "capitão de mato" na captura de escravos rebeldes, a serviço dos barões do café. (2) O Exército destruiu Canudos, matando milhares de brasileiros, defendendo interesses dos fazendeiros nordestinos (3) o Exército dizimou milhares de agricultores no Contestado, defendendo interesses econômicos da Brazil Railway Company e Southern Brazil Lumber & Colonization Company. (4) o Exército comandou a Ditadura Militar de 64, defendendo interesses geopolíticos dos EUA. (5) recentemente, o general Villas Boas ameaçou o STF e o TSE com 300 MIL militares armados, tendo como objetivo a eleição de Bolsonaro. Além disso, o Exército designou um general para ser formalmente subordinado ao Comando Sul do Exército dos EUA. Acredito que as Escolas Militares formem engenheiros e tecnólogos capacitados ao "estado da arte". Porém, seus comandantes são todos entreguistas e alguns são imbecis. Os generais Mourão e Augusto Heleno fazem parte do grupo dos imbecis. Villas Boas e Sergio Etchegoyen são exemplos de ilustrados entreguistas. Há militares nacionalistas nas Forças Armadas ?
— Marcos Videira
Prezado senhor Luis Nassif Visto farda a 35 anos, servi em praticamente todo o território nacional, servi no exterior, servi na Africa, vi e assisti presencialmente a derrocada da engenharia nacional, vi a "nossa' substituição por chineses, Walvis bay por exemplo, onde há até uma certa "territorialidade" chinesa, por franceses e dinamarqueses. Tudo destruído pela "síndrome da varanda Gourmet", agora em Miami também... As sucessivas vitórias petistas trouxe um sentimento de corpo dúbio e extremamente curioso, na caserna, profissionais de ESTADO e entusiasmados com o que se pronuncia e se anunciava, a modernização, a profissionalização do estamento. A dubiedade vem de "nossa" origem social, a tal classe média tão proclamada e martelada pela mídia- JP, CBN e J 10... Se não tenho votos... "Eu os identifico a todos, e são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras - os terraços - vem aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar". As vivandeiras sumiram dos quarteis em 1985 e mudaram para o Leblon, para a casa das Garças. Carlos Lacerda foi uma grande vivandeira, 1954/1964, e acabou preso em 1968, agora temos nos dias atuais, a contestação da eleição de 2014, o ápice destas vivandeiras e quase foi preso. Assim como em 1985, mais dia, menos dia, a turma do Leblon e da Faria Lima nos deixará mais uma vez com brocha na mão e vão beber champanhe com o returno. Há um deslumbramento de classe, não necessariamente de poder. Há uma ginastica, um contorcionismo intelectual dos preparados e a queda da fantasia dos despreparados de visão binaria para a aceitação social dos vivandados. Já na baixa oficialidade, o caso é serio... E preocupante.
— JC
https://jornalggn.com.br/defesa/os-militares-do-iluminismo-ao-terraplanismo-por-luis-nassif/------------------------------------------------
Interessante, no século XIX os militares eram iluministas e defensores da ciência, hoje são olavistas e anticiência, que decadência...
Um comentário que considerei interessante:
arkx Brasil 03/10/2019 at 09:14
uma das fontes imprescindíveis para compreender os Generais Bolsonarianos é um de seus livros de cabeceira: “Orvil”.
(link:
https://www.averdadesufocada.com/images/orvil/orvil_completo.pdf)
como no título já está dado, trata-se da descrição de um mundo de cabeça para baixo e terraplanado.
perfeitamente narrado para se encaixar numa moldura que faz das FFAA brasileiras a guardiã da liberdade na luta sem tréguas contra o comunismo.
em “Orvil” estão sequenciadas as 4 tentativas de tomada de poder no Brasil pelos comunistas: a Intentona de 1935, o período pré 1964, a luta armada e a redemocratização.
conforme avaliação apresentada no livro, a 4a. tentativa de tomada do poder, pós redemocratização e pela via parlamentar, é: “a mais perigosa e, por isso, a mais importante”.
ainda seguindo o exposto em “Orvil”:
– após a autocrítica de sua derrota na luta armada, as diferentes organizações comunistas mudaram de estratégia, optando por um trabalho de massas;
– este trabalho de massas se deu através de agitação, propaganda, recrutamento, infiltração, valendo-se todos os meios de comunicação social a fim de conquistar corações e mentes da população brasileira.
ou seja: “marxismo cultural”.
vivemos em tempos de radicalidade. uma circunstância que a História nos impôs.
uma radicalidade que forçará a todos o abandono incontornável de todas ilusões.
as ilusões quanto a Democracia Liberal, da qual o Capitalismo não mais necessita, sendo mesmo a este um entrave em seu incontrolável apetite por acumulação.
as ilusões quanto a via parlamentar e institucional; as ilusões quanto a uma “burguesia nacional”; as ilusões com salvadores da pátria; as ilusões quanto a qualquer mínima possibilidade de diminutas condições de justiça e igualdade nos marcos do Capitalismo.
mas a História é implacável.
também os Generais e seus comandados perderão suas ilusões. conhecerão mais uma vez a dimensão infinita de seus enganos e o poço sem fundo de sua incompetência.
a História está fazendo seu acerto de contas.
foi preciso que os Porões da Ditadura assumissem, sem intermediários, o Palácio do Planalto para gerar o impensável, o maior de todos os pesadelos dos Generais: o momento Chávez.
o definitivo capítulo de “Orvil”.