Todos nós vemos as coisas, vemos as cores, e então alguns filósofos, apontam que essa percepção última delas não é "a realidade", não é algo que deriva automaticamente da interação física com uma dada faixa do espectro de ondas eletromagnéticas, chamado de luz visível. É uma coisa artificial que nossa mente cria para "ilustrar" o mundo para nosso "eu" poder agir de acordo com essas informações do mundo ao nosso redor. Tanto que, daltônicos não têm alguns desses "qualia", ou os "usam" para diferentes faixas do espectro visível. Aquilo que vemos como qualias distintos, vermelho e verde, por exemplo, para um daltônico, é um mentalmente "rotulado" como um qualia apenas.
Acho difícil alguém desenvolver um argumento que invalide essa interpretação filosófica. É claro que tudo, absolutamente tudo, que chamamos de "realidade" não passa de uma representação da realidade, criada pela mente.
Ou não.
Alguns preferem brincar com a hipótese "Matrix", de que tudo poderia ser um sonho ou que talvez estas representações que confundimos com o real estejam sendo induzidas artificialmente e como, em última instãncia, tudo é criação da mente, não há como distinguir entre o que é representação mental de algo que efetivamente existe no mundo real e uma ilusão de que uma tal representação esteja ocorrendo.
Em outras palavras, quando vejo uma maçã jamais poderei ter 100% de certeza se a imagem criada pela minha mente é de fato a representação de algo que tem existência própria, independentemente de estar sendo representada no meu mundo mental, ou se a própria maçã é algo totalmente abstrato, criado pela minha mente. E se fosse assim nem adiantaria perguntar a outras pessoas se elas também estão vendo a maçã porque estas próprias "pessoas" poderiam não existir, sendo também puras criações mentais, assim como a maçã.
Portanto a crença na existência de uma realidade objetiva se resume a uma questão de fé. Eu, como a maioria das pessoas, tenho fé que esta realidade exista. Que maçãs de fato existam, independentemente da minha mente estar ou não representando-as de alguma forma. No entanto eu jamais poderei saber como esta realidade é, jamais poderei ter contato direto com a realidade, sendo apenas capaz de interagir com a sua representação.
Ou seja, eu compreendo que tudo seja subjetivo, abstrato, todas as minhas experiências. Que tocar uma maçã é tão abstrato e subjetivo quanto a memória de ter tocado uma maçã, ou sonhar com isso. Porém acredito que parte das minhas experiências subjetivas são provocadas por eventos reais, externos à minha mente, e que possuem existência própria. Acredito que a maçã exista e que eu saiba diferenciar a representação de uma maçã de uma memória dessa representação.
Então, para mim, o fato da minha existência acontecer 100% em um plano subjetivo não significa que a realidade objetiva não exista. Porém considerações dessa natureza podem apenas nos levar a questionamentos sobre se a realidade objetiva existe ou não, ou se é tudo um sonho.
Mas não a questionar se a consciência existe ou não. Veja, a consciência É A ÚNICA COISA com a qual temos esse "contato" direto. É a única coisa que experimentamos como realmente é, e não a sua representação. Portanto, eu diria, a consciência é a única certeza.
Se não me engano, Dennett tenta argumentar algo como que, isso apenas prova mais uma vez que a experiência subjetiva não existe, porque, se isso fosse algo passível de ser manipulado por um sádico neurocirurgião, que então nos fizesse ver, por exemplo, em negativo, não teríamos como saber se no fim das contas ele manipulou a nossa rotulação atual de qualias ou toda a memória dos qualias passados.
Sim, então, como em Matrix, manipularam as minhas representação da realidade. Nem seria preciso um neurocirurgião, drogas alucinógenas poderiam fazer isto temporariamente ( em algumas pessoas permanentemente ), porém a minha consciência continua presente, assistindo a tudo, apenas com a diferença que agora ela está sendo iludida sobre o que é uma representação do real e o que foi artificialmente induzido para ser confundido com uma representação do real.
Eu acho isso extremamente ingênuo, pode muito bem se conceber programas que interagem, e trocam informações a respeito de outras informações no seu "ambiente", informações essas que, no seu processamento interno, são "rotuladas" diferentemente, são atribuídas a variáveis com diferentes nomes usadas por cada programa (esses seriam análogos aos "qualia" dos programas). No entanto, a interação entre os dois programas poderia ser tal que, eles não têm "ciência" das diferentes variáveis internas que usam para trabalhar com essa informação, que então "efetivamente" não existe, "logo" não existe de verdade.
É mesmo um raciocínio equivocado. Duplamente equivocado. Primeiro porque, como já discuti acima, o fato de representarmos a informação ( nós ou um programa ), ou mesmo dessa informação poder ser representada de diferentes maneiras, não significa necessariamente que esta informação não tenha sido originada por um evento real, com existência própria e independente de estar ou não sendo representado em algum sistema.
E aí, então, se posteriormente alguém ou algo corrompe esta representação da informação isto de forma alguma faz com que o evento real que a originou se corrompa também, pois ele é real, tem existência própria, não é algo como o retrato de Dorian Gray, que faria Dorian Gray sempre jovem enquanto exibisse uma imagem jovem.
O segundo equívoco, que é o que interessa mais, é que esta argumentação, em última análise, apenas questiona a existência ou não de algo que poderia ser chamado de realidade objetiva. Não serve para questionar a existência da consciência.
Mas mais interessante talvez seja algo menos análogo, diretamente relacionado a biologia e a nossa percepção. Algumas pessoas, sofrem alguns tipos de lesão no cérebro, e ficam cegas. Perdem, ou do ponto de vista do Dennett, supõem perder, a experiência subjetiva da visão (que na verdade não existiria). No entanto, seus olhos estão ainda funcionais, recebem luz, e emitem sinais nervosos para o cérebro, apenas essas informações são perdidas em algum ponto antes de chegarem ao ponto onde "supostamente" é criada nossa experiência subjetiva deles. Mas não do cérebro todo. De alguma forma
descobriram que, apesar disso, essas pessoas podem ver, ainda que inconscientemente. Coloca-se uma delas diante de um quadro branco com um ponto preto, e pede-se para que tente colocar o dedo no ponto preto.
Ela pensa tentar fazer isso ao acaso, cética de sua capacidade, e no entanto acerta mais do que o esperado por pura sorte (idealmente também fizeram os testes com as mesmas pessoas e outras pessoas apenas com olhos vendados, mas não sei). Há outros indícios disso, embora não me lembre quais. Ah, um é o dessas pessoas "perceberem" que as pessoas estão alegres ou tristes, embora tenham que andar por aí de bengala para tatear as coisas. Isso porque as imagens de seus rostos, apesar de não ser representada em "hipotéticos" qualias visuais, ainda vai de alguma forma parar na parte do cérebro que reconhece as expressões faciais.
Sim, talvez seja isso. Embora os impulsos nervosos provenientes dos olhos não estejam chegando na área do cérebro que processa a visão podem estar chegando a alguma outra parte do cérebro. Então a CONSCIÊNCIA não tem a sua disposição uma representação em imagem do objeto, que ainda assim pode estar sendo representado em alguma outra área do cérebro, também envolvida na decodificação de impulsos elétricos provenientes do nervo óptico.
Não tinha conhecimento destes casos mas são bastante úteis para ilustrar algo que eu gostaria de dizer mas que a muitos poderia parecer esotérico ou místico, e portanto interpretado com certa desconfiança.
Há, creio eu, uma clara dicotomia entre cérebro e consciência. Ou mesmo entre os processos cerebrais e a consciência, embora a princípio se creia que a consciência seja fruto destes processos.
Assim como estes casos de "visão cega" que você relata a maioria das funções realizadas pelo nosso sistema nervoso não são percebidas de forma imediata pela nossa consciência. Assim como esta pessoa cega não tem consciência de estar vendo o ponto negro, você também não tem consciência de quando seu cérebro altera o seu batimento cardíaco, e de inúmeras outras funções. Mas é sabido que algumas pessoas, através da yoga e meditação, conseguem ter acesso consciente a estas funções e controla-las conscientemente da mesma forma que controlamos os movimentos do nosso braço.
Mas não é preciso ser um yogue avançado ou ter atingido o nirvana várias vezes para obter alguma prática com meditação transcendental. Com um pouco de perserverança você pode atingir um ponto em que é capaz de observar a mente "de fora", como se a sua consciência fosse algo independente dela. É possível examinar em meditação o que acontece com o seu cérebro e perceber que ele ( o cérebro ) não é o seu "eu", mas apenas algo que você tem. Não algo que você é.
Da mesma forma que o seu estômago é algo que você tem.
Porque a consciência é capaz de observar o cérebro funcionando da mesma forma que você observa o seu estômago funcionando ( quando ele ronca, por exemplo ). É possível observar os seus próprios pensamentos se formando e se dissolvendo, observar as suas emoções sendo geradas pelo cérebro sem que a consciência se envolva com elas... e perceber por experiência própria que estas coisas que normalmente confundimos com o "eu" são externas a consciência, são apenas produtos do funcionamento do cérebro, assim como o controle do seu sistema digestivo é uma função do cérebro.
A diferença é que temos acesso consciente a algumas destas funções do cérebro ( as que são úteis à consciência, como o pensamento ) mas não temos acesso consciente a outras. Então normalmente confundimos estas funções a que a consciência tem acesso ( como pensamento e emoções ) com a própria consciência.
E é aí que o Dennet erra! Estas pessoas não são zumbis parciais, desprovidas de consciência, apenas porque seus cérebros estão realizando algo que não está sendo reportado à consciência. Ora, nosso cérebro faz "zilhões" de coisas que não são reportadas à consciência e sempre se soube disso. Esse experimento é análogo a concluir que se o seu cérebro ordena às suas glândulas salivares para entrar em ação ao receber a imagem de uma torta de morango - e não é uma ordem consciente - então, logo, a sua consciência não existe!
O que aconteceria houvesse um indivíduo que desde o nascimento, tivesse "obstáculos" similares à informação sensorial, de todos os sentidos, sendo processados em outras áreas do cérebro, mas nunca chegando ao processo/área que resulta nas nossas "hipotéticas" experiências subjetivas? Acho que seria possível que ele fosse indistinguível de uma pessoa normal, supondo que a partir das nossas experiências subjetivas não surge algo mais crucial para o nosso comportamento final, ou para nossas capacidades.
Meu palpite: a consciência dele existiria em uma espécie de limbo, talvez como a de alguém que vivesse em um estado muito profundo de meditação. Ou então, talvez a consciência dele passasse a ter acesso a estas outras áreas do cérebro onde as representações e decisões estão se realizando, e então ele seria como qualquer pessoa só que represetando internamente a realidade de alguma outra forma. Sem que ninguém, nem mesmo ele, jamais soubesse disso.