Hoje tive uma das experiências mais frustrantes do meu curso de medicina. Estava eu "batendo" o ponto e indo para casa quando chega uma enfermeira: tem um paciente parando! Vai lá ver. Ao que respondi que era interno, não tinha nada a ver com o paciente e teriam de chamar o médico de plantão. Mas fui dar uma olhada no paciente só para ver como era.
Chegando lá estavam 4 enfermeiros dando em cima do tórax do coitado com PCR. Achei estranho, já tinha lido, como confirmei ao chegar em casa, que tendo um aparelho desfibrilador disponível, primeiro usa-se o aparelho antes de partir para RCP.
Mas Ok. Era um velhinho, então fui procurar o prontuário para saber o que ele tinha e saber se realmente deveria se proseguir com PCR. Uma RCP em paciente terminal é algo que se deve conversar antes. Para mim o paciente é soberano nessas situações, se ele já disse antes que não quer, não se deve fazer, se a família diz que não quer, não acho que se deva fazer (procurem depois a respeito do prognóstico super reservado e sequelas com que ficam pacientes em que são feito RCP, sobretudo os terminais e pacientes internados). Não achei o prontuário, mas acabei descobrindo que o paciente estava internado pela geriatria e tinha câncer de laringe. Se é terminal, não sei, mas se você ligar geriatria + câncer diagnosticado, é um grande indício que seja um paciente paliativo. Estou muito frustrado para correr atrás disso no momento.
Então chega a médica e a residente. Penso eu que iam direto para o desfibrilador, não foram (ou eu não vi!!), ficaram fazendo ciclos de RCP. Novamente achei estranho, mas deixei de lado, ela é uma médica que julgava e ainda julgo como boa, apesar de tudo. Então me convidou para participar. Avisei que nunca tinha nem feito nem visto RCP, esperava ficar só olhando. Mas então insistiram para mim por as luva e "entrar na fila". Estava uma bagunça a tal da fila, então fiquei longe sem querer me envolver, afinal tinha uma equipe treinada fazendo o seu trabalho, e eu não tinha nem experiência de vivência numa situação como aquela. No fim das contas fui ajudar com o ambu, apesar de eu ter um treinamento muito limitado com RCP em geral. Fiquei no ambu morrendo de medo de não estar apertando na frequência/ intensidade correta, pois nunca fiz treinamento de fato cuidadoso em adulto (fora umas instruções informais por anestesiologistas), mas Ok, aparentemente a coisa não é muito precisa mesmo não, mesmo em condições ideais.
O paciente acabou voltando, mas não antes de fazer um pneumotórax (provavelmente devido a respiração com ambu mais a compressão do peito (para quem nunca viu, deve ter vídeo no youtube mostrando o quão violenta é a coisa). Mas não estava acordado, o livro diz para fazer uma gaso nesse caso, mas não pediram, talvez até pela falta de aparelho básico de análise de gasometria na enfermaria em que estava. Mas Ok.
As coisas não estavam dando certo, queriam um raio-X, eu querendo sair logo daquela situação me ofereço a ir pedir. Todos os telefones mudos, sem chance de falar com a radiologia. Fazemos o pedido e vou para lá. Chego lá Rx-portátil quebrado. Mas Ok.
Subo de volta e está lá o paciente, apesar de tudo não muito bem. Tentaram tudo para melhorar a situação dele, trocaram aparelhos, etc, nada dava certo. E aí o pior. Enquanto tudo isso acontecia, aproveitei para tirar várias dúvidas sobre o caso específico, pensando que a médica estava tranquila com suas abilidades para tirar dúvidas de aluno. Depois de tudo ela reclama para a residente nas minhas costas: porque o interno não ficava em cima do paciente como os outros fazem, que interno tem que agir de uma forma específica e tentar trabalhar, que o interno ficava fazendo perguntas em horas inadequadas (detalhe é que ela poderia muito bem ter dito: deixe as dúvidas para depois, agora quero me concentrar mais, ou algo do tipo), que tinha que reprovar, bla bla bla.
Simplesmente frustrante. E nem vou começar com as burradas que já vi fazerem nesse hospital. E o pior é que todos esses médicos vão para tudo quanto é lugar, ninguém está a salvo. No Brasil não se coloca a vontade do paciente em 1 lugar, não se pratica medicina baseada em evidências (é medicina baseada em pura tradição mesmo). Não se faz esforço para que sequer uma equipe de enfermagem de uma enfermaria tenha a capacidade de conduzir uma RCP sem um médico corretamente. Não tem um telefone funcionando no hospital na hora que se precisa, 1 raio-X de reserva para caso 1 quebre. Ficam falando de você pelas costas toda hora. End of rant. pronto falei.