O problema seria encontrar o médico que mutile um não-paciente (não está doente) para prejudicar seu corpo.
Como analogia parecida, temos a vacinação obrigatória. Também poderia se fazer essa dramatização no que se refere à ética médica de inserir patógenos à força no corpo das pessoas, de pessoas que também não estão doentes, não são pacientes, analogamente ao fraseamento de "mutilação" e etc.
Na boa, Buckaroo, a analogia não é válida. A vacinação é um procedimento tão simples que nenhum médico a executa hoje, só enfermeira, inclusive auxiliar ou alguém treinado a executa. E é uma prevenção comprovadamente de sucesso há 200 anos.
A esterilização sugere :
a supressão da continuidade genética do indivíduo
por motivos contrários à ética médica (o 'bem da humanidade', já que flaram em nazismo, estamos falando aqui de um similar à 'solução final' para os judeus)
hoje é uma operação cirúrgica, só médico/equipe para executá-la
por tanto, há risco ainda de matá-lo
Então, mesmo inventando 'a pílula do nunca mais' você teria mais outros itens a resolver.
Talvez num outro governo com todo outro contexto a proposta básica do A Lúcifer faça sentido, do mesmo modo como aliás existe já hoje; isto é, mulher pode pedir para unir as trompas, isso já existe. E os motivos são exatamente os mesmos, núemro de filhos e 'carteira de pobre'. Então podem ver já por aí que sugerir o mesmo para o homem não ia mudar muita coisa...
A analogia não é de algo "equivalente" em todos os sentidos, apenas sobre um compromentimento da liberdade individual em favor da saúde/bem estar público. Poderia se transformar em algo bem mais equiparável se em vez de esterilização cirúrgica obrigatória, se falasse em administração de anticoncepcionais de longa duração. Assim, se tira toda a questão de "mutilação" e riscos inerentes à qualquer cirurgia e se fica apenas com os eventuais problemas resultantes de anticoncepcionais, que são talvez até mais banais e seguros do que vacinas, a maioria não precisa nem ser aplicado por enfermeiras, nem de receita médica.
Ainda há a questão da "supresão genética" do indivíduo, que talvez possa ser reduzida num fraseamento não tão "genecentrista", que é aquilo que eu já tinha dito antes: o direito de colocar uma vida humana a mais no mundo deve decorrer da mera viabilidade biológica de reprodução? Como eu disse, de certa forma, acho que não. Só que ao mesmo tempo há bons motivos (mais pragmáticos do que morais, ainda que seja meio borrada a distinção em alguns momentos) para isso também não ser algo no que o estado devesse interferir de forma muito coerciva.
O irônico é que na verdade, fraseando o problema de outra forma ainda, se perguntando se as pessoas devem ter o direito de terem filhos a despeito de não terem condições financeiras para sustentá-lo, a maioria das pessoas, sem se dar conta, defende que não. E não vêem como muito problemático que o estado regule isso, que decida quem tem o direito de ter filhos ou não, de acordo com padrões que se poderia dizer serem arbitrários. E o estado faz isso, não é uma hipótese.
Só que isso vale apenas para um caso especial de paternidade, a adoção. Não são pessoas em quaisquer condições econômicas que tem o direito de terem filhos; um casal sem teto que se sustente do que acha num aterro sanitário tem o direito a ter filhos biológicos, isso é por algum motivo ou instinto visto como auto-evidentemente correto, mas não tem direito de terem filhos adotivos, e isso é visto geralmente como auto-evidentemente correto. Em ambos os casos, estaríamos falando da regulação do estado no direito de se ter filhos, numa hora aceita tranqüilamente, em outra rejeitada com repugnância.
Eu acho que essa diferença de reação é mais resultado de emoção do que razão. Uma "
perplexidade moral". O caso da restrição de filhos para adoção também poderia ser atacado se jogando um verniz nazistóide, dizendo que o pobre também tem o direito de adotar, que é um ser humano assim como o rico; que ao lhe ter negado esse direito, ele é duas vezes vítima do estado, uma ao não garantir as condições econômicas para que ele possa se sustentar decentente e ter uma família, e depois, ao lhe negar o direito de ter um filho. Talvez três vezes, se a esterlidade tiver sido fruto de más condições de vida decorrentes da inépcia do estado em lhe garantir a saúde. Etc.
Talvez essa seja a pricipal objeção pragmática que eu possa fazer contra esse tipo de política de administração de anticoncepcionais até que se tivesse condições análogas àquelas exigidas dos pais adotivos, a dificuldade de aceitação que isso teria para a população. Acho que se no caso da adoção concordamos que mais do que a algo nazistóide, serve para garantir melhor qualidade de vida aos filhos, isso poderia ser exatamente igual para filhos biológicos. Não é a única, de qualquer forma; a coerção em si tem seus problemas, desde os mais meramente "idealistas" até os mais pragmáticos, aqui acedendo à possibilidade dos governos terem práticas mais condenáveis do que meramente zelar pela qualidade de vida. Como alternativa melhor, seria um investimento massivo em conscientização sobre planejamento familiar, conscientização beirando à "lavagem cerebral" mesmo, além de fornecimento gratuito de anticoncepcionais. Talvez algo como uma "bolsa não-mãe" com uma embalagem/fraseamento melhor do que esse, que talvez já fosse considerado meio nazistóide. Talvez o fraseamento devesse ser focado em algo como "jovem estudante" ou "bolsa carreira".