Um Pouco de História:
1 - A humanidade comia carne na prehistória, provinda da caça.
2 - Com a estruturação social, que coincidiu com a transformação da caça em criação, a imensa maioria dos seres sempre foi serva ou escrava.
3 - Esta camada da população comia carne apenas em condições especiais, como toda a tribo, alias. O rebanho era o objeto de maior valor á época e matá-lo para comer era um total absurdo. Dele se extraia o leite, a lã e o trabalho. A alimentação carnivora era apenas ritual. O leite e todos os seus subprodutos foram sempre consumidos em abundancia. O alimento que mais distingue o homem civilizado do homem bárbaro não é a carne, mas o pão - um exemplo absoluto de habilidade técnica, de produto totalmente "cultural" em todas as fases de sua preparação. O pão é um símbolo da civilização e faz uma distinção alimentar entre o homem e o animal. O pão - e é preciso acrescentar a ele também o vinho e o óleo - é o sinal que distingue uma sociedade que não repousa apenas sobre recursos "naturais", mas que é capaz de fabricar, ela própria seus recursos, de criar - com a agricultura e a criação de animais - suas próprias plantas e seus próprios animais.
4 - As propostas rigorosamente vegetarianas das antigas seitas filosóficas - o Orfismo e o Pitagorismo - eram uma manifestação cujo aparecimento foi favorecido por uma cultura já amplamente difundida. A rejeição ao sacrifício de animais e ao consumo de carne era justificada pelo respeito à vida dos animais ou pela filosofia de metempsicose. Os sacrifícios eram condenados tanto por serem cruentos como por dissimularem um desejo puro e simples de comer carne. Para as duas primeiras civilizações eminentemente urbanas - os gregos e romanos - os povos que não se dedicassem à agricultura, que não comessem pão e nem bebessem vinho, eram, por conseguinte, bárbaros e selvagens: seu alimento é a carne e sua bebida, o leite. O pão primitivo - uma massa de cereais cozida ou em forma de papa - era o alimento "nacional" do povo grego e do povo romano. Gregos eram conhecidos como "comedores de cevada" e os romanos como "comedores de papas de farinha" . Além dos cereais (trigo, cevada, espelta e milheto), as leguminosas também eram importantes: principalmente as favas, depois o grão-de-bico, as lentilhas e as ervilhacas. Nas hortas gregas, o alho, o alho-poró, a cebola eram cultivados. Os romanos consumiam sobretudo a couve, assim como os nabos e plantas aromáticas. A ideologia alimentar grega e romana foi fundada sobre os valores do trigo, da vinha e da oliveira. Esse modelo esteve freqüentemente ligado à idéia de frugalidade: o pão, o vinho e o azeite (aos quais eram acrescentados os figos e o mel) eram elevados à categoria de símbolos de uma vida simples, de uma pobreza digna, feita de trabalho duro e satisfações singelas. Na época, essas imagens eram a proposta alternativa dos gregos ao luxo e decadência do povo persa conforme mostram os textos clássicos. Estimativas conservadoras apontam que os cereais forneciam 80% das calorias totais e que os habitantes das cidades, que recebiam a maioria das carnes dos sacrifícios, não consumiam mais que um ou dois quilos por ano.
5 - É sob o avanço do Cristianismo que esse costume acaba abolido ou seriamente transformado. A carne, que embora nunca tenha sido destacada, teve papel maior na alimentação dos romanos devido à tradição de criação de porcos. Os porcos eram mortos e sua carne distribuída com o pão sob ordens dos imperadores a partir do século III para manter a ordem pública e reafirmar o status privilegiado dos habitantes da capital.
6 - Mesmo assim, os soldados romanos recebiam uma ração diária de 800g a 1 quilo de pão em tempo de guerra. As imagens que os caracterizaram como carnívoros se devem mais às práticas de sacrifício animal do que à sua dieta. O soldado ideal era o que, depois de servir à pátria no combate, se punha a cultivar uma área das terras conquistadas concedida a ele.
7 - Excetuando os soldados, a população mais pobre e os servos, a imensa maioria, comiam basicamente pão de cereais, sal e legumes.
8 - Na Idade Média, a carne superou o pão como alimento-símbolo do guerreiro por influência das culturas germânica e cristã. A carne tem maior identidade com o caçador do que com o camponês e a caça se tornou a imagem da guerra.
9 - A carne passa pouco a pouco a assumir um papel de destaque no sistema de valores alimentares por ser um componente importante da alimentação das classes abastadas. Imagem do luxo, da festa, do privilégio social, a carne não era considerada pelas civilizações antigas do Mediterrâneo como um bem tão essencial quanto os produtos da terra: seu preço não era sujeito a um controle político como eram os cereais. Em certas épocas, a venda de carne chegava a ser proibida ao público.
10 - De início, a difusão cristã põe em questão a prática e a "filosofia" do sacrifício. O Cristianismo nega o valor do sacrifício do ponto de vista doutrinário, considerando-o como falsa oferenda feita a falsos deuses, substituindo o sacrifício cruento por um sacrifício "vegetal", lembrando com as espécies sagradas de pão e vinho, o sacrifício bem mais importante e cruento que aconteceu para a salvação dos homens.
11 - Dessa vez, os sacrifícios foram condenados não pelos motivos que os filósofos vegetarianos alegavam, mas sim por serem sacrifícios dedicados a seres maus: os demônios. Segundo os primeiros autores cristãos, esses seres eram alimentados pelos sacrifícios e tinham o poder de provocar doenças e se retirar do doente, restituindo-lhe a saúde, somente após receber a oferenda.
12 - Desta forma os cristãos dos primeiros séculos se recusavam a comer carne, por esta ser considerada como provinda ede sacrificio.
13 - À medida que o consumo da carne se desvincula da prática do sacrifício, como efeito colateral, passa a se tornar um simples "alimento cotidiano", cujo consumo passa a ser "normal".
14 - Complementarmente a cultura dos povos germânicos, fundada não no mito da agricultura e dos produtos da terra, mas na intensa exploração das florestas e terras não cultivadas que com o tempo se transformam em pastagens, gerou pela primeira vez a abundancia de carne e a disseminação de seu uso. Assim, com as invasões germânicas, o modelo alimentar "bárbaro" baseado no consumo de carne consolida sua hegemonia simultaneamente à conquista do poder pelos povos invasores.
15 - Por toda a idade média, a carne apesar de ser utilizada em certa escala, ainda o era mais pelas classes abastadas e os moradores dos campos.
16 - Com as descobertas das Americas e seu povoamento, com fartura de pastos naturais, a carne consolida-se como base alimentar nas colonias. (do ponto de vista da cultura grega, seriam considerados "barbaros")
17 - A partir do sec XIX, com a chegada do capitalismo selvagem que a tudo transformou em produto, tambem a carne passou a ser produto, seu preço baixou e construiram-se grandes fábricas de matança.
18 - Mas isto não foi suficiente. Para alimentar a crescente população, cada vez mais dependente da carne, iniciaram-se experimentos na agricultura e na produção de rações, que aumentavam o ganho de peso em menos tempo.
19 - Surgiu então um novo fenomeno. O gado passou a engordar rápido, mas era um gado doente. Surgiram então as industrias de "remédios" para os animais e posterioremente os antibioticos.
Resumindo a situação atual é a seguinte:
O gado é considerado uma "fábrica" que converte ração em carne a uma determinada proporção, apoiado por suplementos minerais (???) e medicamentos que o deixam com aparencia saudável (???) até o abate.