O impacto da “Primavera Árabe”, como ficou conhecida a sucessão de quedas de ditaduras na Tunísia, no Egito e na Líbia, continua a reverberar na Arábia Saudita, país conhecido por sua feroz ditadura monárquica, suas desigualdades abissais, o domínio do islamismo radical e a implacável opressão e discriminação às mulheres.
Após pressão – via redes sociais – que em março contribuíram para que o reino liberasse 130 bilhões de dólares destinados às áreas social e de infraestrutura, agora um frágil, tênue esboço de direito está sendo concedido às mulheres: a participação feminina nas eleições municipais — elas próprias algo recente no país, já que começaram em 2005. Por um conselho do reino do qual só participam homens, evidentemente.
A partir de 2015 – o que exclui, portanto, as eleições da semana que vem -, as mulheres sauditas poderão votar e se candidatar, anunciou no sábado o rei Abdullah bin Abdulaziz al-Saud. Uma decisão inédita em 88 anos da monarquia al-Saud. “Nos recusamos a marginalizar as mulheres na sociedade nos papéis que estejam de acordo com a sharia (lei islâmica)”, disse, no que soa como uma ironia num dos países do mundo em que as mulheres menos têm direitos.
Mas ué, se eles “se recusam a marginalizar” as mulheres, porque só tomaram esta medida agora? E quanto aos outros direitos femininos, como dirigir automóveis sem autorização de um homem, viajar, ir a médicos sem restrição — sem contar a barbaridade que é uma mulher saudida jamais poder avistar-se com um homem, mesmo em local público, sem a companhia de um parente?
De todas as maneiras, votar em eleições de pouca importância, e ser votadas, é melhor do que nada.
O anúncio do velho rei, de 87 anos de idade, há seis anos no poder, sucedendo ao irmão, Fahd, é mais um gesto para acalmar os protestos do que uma mudança estrutural minimamente consistente. Até porque apenas metade dos cargos dos 285 conselhos municipais é escolhido por votação.
A Arábia Saudita continua um reino das trevas, e as principais potências do Ocidente, dependentes do petróleo do reino e de seu apoio militar e estratégico, fecham os olhos ao regime de terror que reina no país — onde se atropelam sem hesitação os direitos humanos, onde a polícia secreta é onipresente, onde se prendem, torturam e matam os opositores, onde não há liberdade de expressão, liberdade de imprensa, liberdade sindical, mínima igualdade de direitos para as mulheres e é inimaginável o conceito de alternância no poder.
Fonte:
http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/vasto-mundo/primavera-arabe-continua-resvalando-na-arabia-saudita-e-mulheres-participarao-de-eleicoes-municipais/A hipocrisia americana beira o absurdo, apoiam um país deste e ainda tem coragem de falar da Síria.