Tem uma coisa que sempre me intrigou.
Desde os primeiros anos do colégio, ao tomar conhecimento das tragédias da história, as torturas, as epidemias que dizimavam gregos e baianos, a fome, as guerras... Ficava pensando: por quê tive a felicidade de nascer aqui e nestes tempos de maior civilização. Por quê não naqueles tempos? - nesta ocasião não havia o terrorismo, a violência, etc.
E ficava pensando: se eu não tivesse nascido, haveria alguma espécie de consciência ligada a mim? Ou seria o nada absoluto. Mas também se fosse o nada eu não teria conhecimento deste nada. por onde andaria? Por que teria eu certas nuances na personalidade que não vejo em outras pessoas? Sei que determinadas características não são transmitidas geneticamente, p.ex. moralidade, aptidões, etc.
Tentem, por empatia, meditar sobre isto. Será uma experiência interessante.
O nada também sempre me abismou. Desde antes dos tempos do colégio.
Eu agora tive um "flashback". Nós estávamos em uma noite sentados em um muro de um jardim de infância chamado Miraflores, e eu ainda não estava na escola e acho que a maioria dos garotos ali também não. Então éramos muito, muito crianças...
De repente surgiu o assunto da morte e alguém disse: " Já imaginou a morte?. É o nada, não dá para imaginar."
Então outro disse: " É como se você não tivesse nascido."
Impressionante uma visão assim tão madura entre crianças tão pequenas. O interessante é que ninguém falou em religião, céu, espírito... Muito embora, naturalmente, quase todos ali fossem de famílias católicas.
Me lembrei agora claramente desse episódio, Spencer.
Talvez religião não seja algo natural para o ser humano, como pensamos. Talvez seja algo que adquirimos por influência e/ou necessidade. Talvez nossas primeiras impressões sobre estas perplexidades existenciais sejam simplesmente mais diretas e honestas. Morrer é tão somente deixar de existir, assim como antes de ter nascido.
Depois, com o tempo, confundimos todas as coisas até conseguirmos quase deixar de saber o que já nascemos sabendo, de tão óbvio. E vem a necessidade de amortecer nossa consciência da dura realidade com estas complicadas fantasias que mal se ajustam umas às outras, e nem um pouco ao mundo real.
Religião é loucura. Só não é um tipo de loucura tratada e medicada porque o doente religioso é capaz de confinar o seu tipo peculiar de insanidade em um determinado espectro bem delimitado da sua vida, enquanto é capaz de se portar de forma lúcida em relação aos aspectos práticos necessários a sua sobrevivência e adequação à sociedade. Diferentemente do verdadeiro psicótico, cujo mundo mágico criado pela mente se confunde o tempo todo com o mundo real.
O curioso, no psicótico religioso, é que não importa o grau da sua fé quando a coisa é séria realmente ele sempre escolhe pragmaticamente a realidade. Por exemplo: é um dito comum que não existem ateus em aviões caindo. Mas na verdade o que nunca se vê são verdadeiros crentes quando os aviões estão caindo.
Você nunca vê o crente ou o espirita chamando a aeromoça e pedindo para estourar o champagne: "Yupiii! Vamos comemorar! Comprei uma passagem para Guarulhos e em vez disso estou indo para o Paraíso!"
Não. eles sempre rezam e pedem para chegar em Guarulhos mesmo.
Há um caso bastante conhecido do nosso querido Chico Xavier, que certa vez, o avião passando por severa turbulência, começou a dar um daqueles xiliques. Esqueceu que era o Chico Xavier e entrou em pânico bem na frente de todos os outros passageiros. Diz ele, o próprio CX, que um daqueles espíritos, o Emmanuel, precisou até passar uma descompostura nele.
Incompreensível para um homem que, mais do que qualquer outro, deveria saber que morte é coisa que não existe.