Normalmente quem critica a greve no serviço público são pessoas que não têm a mínima noção do assunto. O problema piora ainda mais em razão da visão distorcida que a população em geral tem do serviço público, distorção essa em grande parte patrocinada pelo próprio governo (políticos) a quem importa manipular a opinião pública a seu favor contra o funcionalismo público. São em situações como a de greve do serviço público que se percebe o quanto isso é verdadeiro.
Lembro quando o governo Collor usou mais extensivamente desse expediente de anti-propagando (terrorismo) do serviço público para justificar um posterior sucateamento do serviço público por ele realizado, com exonerações em massa, desvalorização de carreiras, etc... fato que ainda hoje repercute negativamente na imagem que a população tem do funcionário público.
A ideia de que o funcionário público ganha muito e trabalha pouco é completamente falha e só aproveita ao governo. É só verificar na prática quanto realmente ganha e qual a carga de trabalho do servidor público em geral para se constatar esse fato. Médicos, professores, policiais, técnicos-administrativos em geral, etc normalmente têm que se desdobrar para dar conta do grande volume de serviço em razão da deficiência quantitativa de pessoal e seus padrões remuneratórios, na maioria das vezes, não são nem de longe compatíveis com o nível de capacitação, responsabilidade e carga de trabalho a que são submetidos.
A ideia que o servidor público é incompetente é outro absurdo. Tenho toda certeza de que os maiores níveis de qualificação e excelência profissional atualmente encontram-se no serviço público. Se você se acha tão qualificado, faça concurso, tente entre no serviço público pra perceber como é fácil. Boa sorte!
Outra visão distorcida que a opinião pública tem do serviço público, também patrocinada pelo governo (políticos), é a de que a "máquina pública brasileira" é exageradamente grande e por isso deve ser reduzido a quantidade de cargos públicos, quando na verdade é ela muitíssimo menor, tanto em termos absolutos quanto relativos, do que a de países liberais como Estado Unidos, e países europeus em geral. Na verdade a quantidade de servidores públicos no Brasil é insuficiente para o atendimento adequado e qualificado das demandas públicas. Basta ver o óbvio - que faltam médicos nos hospitais, policiais nas ruas, professores nas escolas, constatar o tempo que se perde em filas dos órgãos públicos como INSS, DETRANs, Receita Federal, etc...
Para quem não sabe é bom saber que em mais de vinte e quatro anos de vigência da atual constituição federal o governo não se preocupou em efetivar o direito de greve dos servidores públicos. Tal direito, da forma como previsto na CF, não poderia ser exercido até que fosse editada lei regulamentadora, o que até hoje ainda não foi feito! Tanto é que depois de tanto tempo de descaso apenas em 2010 o STF, ao jugar Mandado de Injunção (que é a ação constitucional usada nos casos em que por falta de lei - omissão do legislativo - fica o cidadão impedido de exercer um direito constitucionalmente garantido) mandou aplicar no que diz respeito ao direito de greve dos servidores públicos a lei que regulamenta a greve dos trabalhadores do setor privado (essa sim, rapidamente editada pelo governo logo após entrada em vigor da atual CF, percebam a diferença de tratamento). Logo, o servidor público até essa decisão do SFT (mais de vinte anos) não tinha sequer o direito de greve garantido. Toda greve do setor público até então realizada pode ser considerada ilegal, percebam que absurdo. Fica claro então o grau de interesse e atenção do governo com as reivindicações dos servidores públicos.
A greve do setor privado é, segundo procedimento previsto em lei, o último ato de um processo prévio de negociação. Logo, só é empregado quando falham todas as possibilidades de acordo. No serviço público é o inverso. É usada como único instrumento que o servidor público possui para forçar o governo a abrir negociação, uma vez que sem greve o governo sequer se dar ao trabalho de escutar as reivindicações dos trabalhadores.
Para quem tem a visão de que o servidor público ganha rios de dinheiro, é bom saber que, diferentemente dos trabalhadores em geral que tem o seu salário corrigido anualmente em razão da correção monetária (inflação) obrigatória do salário mínimo - e essa tem sido nos últimos anos muito superior à inflação - o servidor público somente tem seu salário acrescido depois de longos períodos de congelamento (não raramente mais de cinco anos) e, sem exceção, em virtude de realização de greve, ou seja, de forma forçada. O governo nunca chegará a dar um aumento de salário voluntário ao servidor público (para o governo o ideal é que o servidor trabalha de graça - gasto zero).
A falta de correção inflacionária anual dos vencimentos dos servidores públicos, obviamente fere a proibição constitucional de irredutibilidade dos salários, proibição que justifica a correção anual do salário mínimo e dos benefícios previdenciários, mas em se tratando de serviço público o governo está se lixando para a constituição e as leis. Não precisa ser nenhum gênio para perceber que em um cenário como esse, depois de cinco anos ou mais congelado, um aumento de salário terá grande parte (quando não a totalidade) de seu valor comprometido pela inflação do período. Sem falar que na maioria da vezes o governo concede esse aumento de forma parcelada em três, quatro ou cinco anos, o que agrava ainda mais a situação. O resultado desse processo é o achatamento, a deterioração do valor real dos salários do funcionalismo público ao longo do tempo.
Para quem acha que o servidor público não pode ser despedido, é bom saber que a administração pode sim despedir o servidor público em razão de deficiência de desempenho, bastando, para tanto, que essa seja comprovada. Ou seja, atualmente só permanece no serviço público quem possui competência para tal.
Para quem acha que o regime estatutário é vantajoso, saiba que o servidor público não possui FGTS nem seguro desemprego (se for mandado embora por deficiência de desempenho vai sair com "uma mão na frente e outra atrás"), não tem mais direito a aposentadoria integral, não tem direito a hora extra, não pode exercer outra atividade (não pode ter negócio próprio), etc, etc,...
É bom sabe também que não se faz greve por esporte. Ninguém quer entrar em greve. A greve é uma situação forçada em razão do total descaso (e desatenção) do governo com as reivindicações do trabalhadores e, não raramente, também em virtude de tentativas de redução de direitos, como acontece com a atual greve em que o governo editou MP que reduz efetivamente o salário de um grande número de funcionários, inclusive médicos e professores. Mas a opinião pública em geral não tem conhecimento desses detalhes - para ela os funcionários públicos são incompetentes, preguiçosos, trabalham pouco e ganham "rios de dinheiro", etc.