Meu caro Huxley, isso que você traz é que é uma síndrome da falsa novidade.
Todo mundo está careca de saber que nos primeiros tempos após a revolução bolchevique chegou-se até a abolir o dinheiro e as patentes do exército. Mas a realidade, como tinha que ser, prevaleceu sobre a utopia.
Não há novidade nenhuma em se dizer que o comunismo é inalcançável e mesmo o seu suposto estágio predecessor, o socialismo, não transcorreu como previsto em teoria.
No entanto eu me referi à experiência socialista real, que teve todas estas características que listei e outras mais em contraste com o modelo capitalista. Um modelo socialista que mesmo com todos os ajustes e "desvios" se provou insustentável; o colapso do bloco soviético não é uma tese ou opinião, é fato histórico.
Sim, os burocratas decidiam quais e onde seriam construídas as fábricas. E estes planejamentos ocorriam em ciclos de 5 anos: os chamados planos quinquenais.
Mas perceba a nova contradição em que você incorre agora:
O comunismo só sobrevive devido a capacidade de adiar indefinidamente o cumprimento dessa promessa absurda de criar um sistema de propriedade pública dos meios de produção.
É uma afirmação que contradiz os fatos, a História. Porque o comunismo não sobrevive indefinidamente. Ele não sobreviveu indefinidamente!
Na verdade até o feudalismo e o absolutismo tiveram existência muito mais longa que a experiência comunista.
E olha essa outra contradição na sua argumentação:
Quem diz o contrário, presume que o principal objetivo dos comunistas é controlar a economia. Só que as ações deles mostram que o principal objetivo deles é o controle efetivo e total da sociedade civil e política de uma forma geral, mesmo que a economia sozinha não tenha grande destaque nesse controle.
Ao mesmo tempo em que você acredita que o objetivo dos comunistas seja controlar os vários aspectos da sociedade, exceto a economia pois esse controle não poderia ser alcançado na prática, você mesmo menciona a tese de algum historiador soviético segundo o qual a Perestroika existiu por pressão dos capitalistas soviéticos bem sucedidos.
Ora, em que pese esta tese heterodoxa ir contra tudo que se sabe: que a Perestroika foi uma tentativa de reverter o processo de colapso que já estava ocorrendo e a perigosa defasagem tecnológica cada vez maior entre URSS e ocidente, mesmo trabalhando com uma tese ou com a outra, ambas apontam que a questão econômica é que define se um sistema sobrevive ou não. Mas se você crê que foram os capitalistas soviéticos que deflagraram a Perestroika com seu lobby, isso deveria lhe dizer que por não controlar a economia os comunistas acabaram por perder também o controle sobre a sociedade e por fim o próprio poder.
E aliás, historicamente, é o que acontece; quem tem o poder econômico cedo ou tarde acaba alcançando também o poder político. Seja de forma direta ou indireta.
Então ou o comunismo/socialismo não pode durar indefinidamente porque seu modelo econômico é por demais ineficiente ou não pode durar para sempre porque por ser deveras ineficiente não se sustenta senão pela emergência de um capitalismo, que no final das contas - de acordo com a tese do seu historiador - irá dar poder político àqueles que neste capitalismo marginal foram capazes de acumular capital, e obviamente a esta classe o sistema socialista será algo a ser combatido.
É por estas razões que estou lhe dizendo que o comunismo/socialismo está morto e enterrado. É página virada da História.
Mas isto nos leva à questão do que deve ocorrer com a China nas próximas décadas. Se você acredita que pessoas com um pouquinho de dinheiro, meros proprietários de negócios ilegais, foram capazes de fazer lobby bem sucedido pela Perestroika na URSS, imagine então o poder que não estão acumulando os novo mega ricos capitalistas chineses...
Isso era algo que estava dizendo outro dia ao JJ, que a Perestroika implica necessariamente em uma Glasnost. Mesmo que não exista a intenção de uma Glasnost.
Porque quando se permite reformas estruturais que consequentemente vão dar grande poder econômico a toda uma classe de novos ricos, inexoravelmente estas empresas e estes empresários irão alcançar também poder sobre a sociedade de muitas formas, inclusive, por fim, poder político. Além do mais é preciso conceder algum nível de liberdade para que as pessoas empreendam com eficiência. Por exemplo: as pessoas devem poder viajar para o exterior, ter acesso a outras culturas e a informação, tomar decisões sobre produção e investimentos... Os empresários precisam de profissionais e técnicos de alto nível, e eventualmente irão querer que muitos estudantes se formem no exterior, estudantes que irão voltar para China com outra vivência e outra mentalidade... Coisas impensáveis no período do socialismo real.
Enfim, dá para perceber onde isto tudo vai parar? Os executivos da China irão demandar cada vez mais a liberdade e autonomia que eles precisam para que suas empresas sejam bem sucedidas em um mercado global altamente competitivo. O que progressivamente entra em choque com o jugo autoritário do partido comunista. Hoje os empresários chineses são predominantemente aliados do governo porque de uma maneira geral a política comercial externa e a política trabalhista interna lhes são favoráveis, mas o inevitável conflito de interesses tende a ser crescente. É por isso que podemos profetizar que assim como a Perestroika implodiu o comunismo soviético, a Perestroika chinesa, ou "socialismo de mercado", é um processo irreversível em direção a uma economia cada vez mais capitalista. E à democracia também!
Vou dar um exemplo simples de como Perestroika implica em Glasnost:
Outro dia estava vendo um documentário sobre cineastas chineses. Como você observou, existe uma censura feroz, mas já não é nada semelhante ao que havia há 30, 40 anos. Porém filmes com temas sensíveis e críticos são evidentemente proibidos.
Porém já existem diretores abordando questões delicadas, e apesar deles viverem na China e não estarem presos, estes filmes geralmente só são exibidos fora do país ou clandestinamente. Só que alguns destes diretores alcançaram muito prestígio e seus filmes têm público só na China de centenas de milhões. ( O que evidentemente significa muito dinheiro ).
Portanto companhias exibidoras chinesas que já se tornaram extremamente lucrativas, acabam usando sua influência e poder econômico para conseguir liberar na China alguns destes filmes censurados.
É um pequeno exemplo, mas ilustra como se dá o típico processo lento porém progressivo de glasnost que uma perestroika acaba causando.