Minhas maiores preocupações com Bolsonaro são as seguintes:
* Acabar com o desarmamento. Isso é assustador e o congresso eleito é conservador.
Acabar com o estatuto do desarmamento e retornar o direito a ter posse (com menos burocracia ) e porte de arma , não é algo assustador para muitas pessoas que entendem que devem ter o direito, e a liberdade de poder optar por ter e portar armas.
Se você não gosta da liberdade e do poder de escolher livremente ter e portar armas (de fogo) , ok, mas não tente atrapalhar quem quer ter esse poder e essa liberdade .
OK ?
Esse tipo de liberdade absoluta não existe em lugar nenhum do mundo e nem pode haver. Nem nas democracias mais consolidadas e nas mais avançadas.
Ninguém, por exemplo, tem a liberdade de comprar o medicamento XPTO que supostamente é a cura para a doença XYZ, mas que não foi aprovado por órgãos competentes. Não há uma democracia onde o argumento "eu vendo, só compra quem quer por sua conta e risco" seja aceitável. Da mesma forma não há nenhuma democracia onde as drogas que alteram estados de consciência sejam totalmente liberadas.
Nos EUA, se você pensar bem, todos os argumentos do pessoal da NRA a favor da aquisição e porte irrestrito de armamentos poderiam ser usados para defender a liberdade de usar LSD. É só trocar "armas" por "LSD". "Drogas não matam, pessoas sim". "Drogas não piram, pessoas sim." Mas para o primeiro caso qualquer um pode entrar no Wall Mart e sair de lá com um fuzil semi-automático. No entanto LSD o americano não pode comprar nem na farmácia com receita do seu médico.
A liberdade do indivíduo de fazer o que quer com a própria vida está cerceada nos EUA. E não existe outro lugar no mundo onde também não esteja.
Porque não se pode pôr em prática esse ideal utópico de completa liberdade individual sem pesar as consequências de determinadas liberdades. Na prática as pessoas devem ter o máximo de liberdade possível, desde que o prejuízo para a sociedade causado por alguma liberdade em particular seja menor que o prejuízo causado por se tirar esta liberdade.
Deu pra entender?
Por exemplo: o Estado tirou a minha liberdade de fumar uma pedra de crack. Conceitualmente temos aí uma situação onde o Estado, tiranicamente, se mete na minha vida pessoal e determina se eu posso ou não inalar determinada substância. Filosoficamente é fácil criticar esse tipo de proibição como um abuso de poder; mas quais seriam as consequências para a sociedade se o uso de uma droga devastadora como esta fosse disseminado?
De maneira semelhante qualquer Estado impõe restrições ao que um proprietário de terras pode fazer na sua propriedade (a legislação ambiental, por exemplo), cria leis regulamentando o que uma indústria pode ou não pode fazer dentro da sua própria fábrica, estabelece normas de engenharia e até arquitetônicas para quem quer construir algum imóvel para uso próprio em seu próprio terreno, e assim por diante.
Estas restrições à liberdade não acontecem só em teocracias islâmicas e ditaduras marxistas, são ordenamentos comuns em qualquer sociedade. A Suíça possui uma legislação concernente a aquisição e porte de armas tão ou mais liberal que a americana, mas nesse país rico mais da metade da população (62%) não tem casa própria porque as leis fazem muitas exigências para quem quer construir, tornando o custo de um imóvel novo muito alto. Por outro lado Japão, Austrália e Reino Unido, democracias onde as liberdades individuais são muito respeitadas, proíbem totalmente a aquisição e porte de armas para civis, a não ser profissionais agentes de segurança.
Portanto o argumento da liberdade individual fundamentado em princípios filosóficos é contraditório sempre. Porque para qualquer pessoa que faça uso do desse tipo de argumento, sempre haverá algum outro tipo de situação (muito análoga) em que ela não julgará admissível que se respeite esse mesmo tipo de liberdade.
Melhor que cláusulas filosóficas pétreas é a aplicação do bom senso: em um país como a Suíça o direito ao porte de armas causa pouco dano. Assim como no Iraque de Saddan Hussein, onde era permitido que qualquer cidadão tivesse em casa seu próprio AK-47 (contrariando a máxima dos armamentistas de que povo armado não se submete à ditadura). Então não há porquê restringir essa liberdade específica nestes países.
Mas provavelmente dar direito ao cidadão de exercer esta mesma liberdade na Inglaterra teria consequências que não pagariam o preço social da liberdade concedida.
Como acontece nos Estados Unidos - um país onde interesses de grupos econômicos costumam se sobrepor ao bom senso - com a consequência de massacres estúpidos continuarem se repetindo rotineiramente se que se tome nenhuma medida para evitar novas tragédias. Apenas porque alguns defendem que o direito de qualquer desequilibrado mental possuir um fuzil automático é um pilar filosófico de uma democracia.
Mas a liberdade de tomar LSD não, né?
Trazendo essa questão para as particularidades da nossa sociedade, que é o que interessa, a realidade que existe hoje é de quase caos na segurança pública. Um panorama muito diferente do que existia em 1997; mesmo assim interesses irresponsáveis querem reverter a legislação sobre armas para aquilo que havia nessa época. Algumas consequências parecem ser bastante previsíveis:
- Haverá um estímulo imensamente maior para que as pessoas adquiram e portem armas, iludidas pela falsa sensação de segurança que proporciona o porte de uma arma de fogo e ainda previsivelmente instigadas por campanhas publicitárias da indústria, que não vão perder a oportunidade comercial de explorar a sensação reinante de insegurança.
- Essas armas não vão diminuir a criminalidade, como alegam alguns, porque qualquer pessoa que tenha mínimo conhecimento do contexto em que se dá a atividade criminosa (
AQUI NO Brasil, não na Suíça ou em UK ), sabe que os riscos que um criminoso típico precisa estar disposto a correr já são muito maiores que a eventualidade de topar com uma vítima armada. Já são muito maiores até que seriam se existisse uma pena de morte oficial, e ainda assim estatísticas provam que estes riscos não freiam a escalada do crime. Na
NOSSA realidade não estão contendo a escalada do crime.
- Com mais pessoas armadas e com muito mais criminalidade que há 20 anos, claro que haverá muito mais ocorrências de resistências a assaltos, furtos, sequestros relâmpagos, etc... Como 90% destes casos terminam muito mal para a vítima, que sempre é pega desprevenida e vulnerável, só isso já é uma tragédia anunciada.
- Mais pessoas resistindo a crimes implica em mais tiroteios e balas perdidas. Mais vítimas.
- Um monte de "cidadãos de bem" andando armados pelas ruas implica em uma infinidade de situações em que estes chamados "cidadãos de bem" perderão o controle e farão impulsivamente algo muito estúpido, como é frequente ocorrer aos "cidadãos de bem". Desde brigas de trânsito, de vizinhos, domésticas, discussões entre bêbados no bar, no trio elétrico, no bloco de carnaval, na micareta, na oktoberfest, no rodeio de Barretos, nas raves, entre torcidas de futebol, em tantos lugares onde haverá aglomerações de gente bêbada e armada e mais um milhão de tipos de incidentes que a gente não consegue imaginar mas que podem e vão acontecer.
- Quando todas estas tragédias desnecessárias começarem a estampar as manchetes dos jornais e ficar bem claro que estão morrendo mais pessoas que morriam antes, isso, a exemplo do que ocorre nos EUA,
NÃO vai levar os proponentes do rearmamento a uma auto-crítica, não vai fazer com que revejam conceitos e argumentos refutados pelos números trazidos pela realidade. O que vai ocorrer é que serão inventados novos argumentos e novos discursos porque os argumentos e discursos que são utilizados hoje não se importam em ser verdadeiros, só se importam em ser convincentes. Porque o real interesse por trás dessa campanha não tem nada a ver com segurança, mas com grana, lucro. O que menos importa pro parlamentar Bené Barbosa - e quem tá dando dinheiro pra ele - é a segurança pública. Na verdade, e isso pode ter consequências ainda não avaliadas, os altos índices de criminalidade são proveitosos para essa indústria que vê no Brasil hoje um dos melhores mercados em potencial. E é de se esperar que torçam para que continue sendo.
Porque o fato do crescimento continuado de 7% ao ano dos homicídios com arma de fogo ter caído abruptamente para zero no ano imediatamente posterior a promulgação do estatuto do desarmamento é solenemente ignorado por estes discursos e argumentos.
- Outro fator previsível é que muitas pessoas adquirirão armas e irão com isso se apegar às suas armas e à sensação de poder andar armadas, então, mesmo que a realidade prove que os adeptos da restrição ao porte estavam corretos e que a mudança na lei foi contraproducente e irresponsável, todas estas pessoas, a exemplo do que também ocorre nos EUA, terão se constituído em uma espécie de "cultura armamentista" e atuarão irracionalmente, como cidadãos e eleitores, em prol dos interesses econômicos de uma indústria contra seus próprios interesses pessoais de segurança e bem estar.
Estas são algumas das consequências previsíveis do risco de se eleger Bolsonaro e 52 deputados vagabundos do PSL para engrossar a bancada da bala, mas não se pode descartar nunca que o imprevisível seja pior que o antecipável.
Então, que deus livre que aconteça, se um filho seu for baleado na porta da escola pelo tiro que saiu da arma do "cidadão de bem" por causa de algum incidente idiota, aí você talvez passe a achar todo esse discurso filosófico sobre os conceitos ideais de liberdade individual, frívolo e hipócrita. Porque quando não existem grandes interesses econômicos envolvidos tais discursos filosóficos não costumam ser levados tão a sério, e o que prevalece é o bom senso.