Vocês conhecem o Dr Eben Alexander?
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Tombei com uma noticia de um livro que ele escreveu... e queria saber a opinião de vocês a respeito, caso conheçam.
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Esse cara é neurocirurgião e conta em um livro como uma experiencia pos-morte que ele teve levou ele a acreditar que a consciencia continua apos as atividades cerebrais acabarem...
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Rafael, a historieta contada por Eben Alexander tem tudo para ser uma matreira jogada comercial. De certo modo, está na mesma linha de experiências de reencarnação, tipo “A Volta, a história de James Leininger”. O enredo é típico: partir de um fato concreto (no caso de Eben, ter contraído meningite e ficado algum tempo em coma) e nele inserir um roteiro místico e inverificável.
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Basta leitura medianamente atenta para que os elementos fantasiosos saltem à vista.
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Eu havia iniciado um artigo crítico a respeito da aventura do doutor, mas não tive saco de terminá-lo. De qualquer modo, deixo um trecho para sua apreciação.
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UMA PROVA DO CÉU - avaliação
M. Montalvão
INTRODUÇÃO
Eben Alexander III, conceituado neurocirurgião, foi acometido por meningite em 2008, e esteve sete dias em estado de coma, com baixa perspectiva de sobrevivência. No entanto, ele se recuperou e, quatro anos depois do ocorrido, vem a público relatar inusitada experiência que teria ocorrido no período do coma e que, garante, transformou sua existência. O caso é relatado no livro “Uma Prova do Céu”, que tem sido estupendo sucesso de vendas em vários países. Neste artigo avaliaremos o relato do médico: verificaremos se há elementos na narrativa que permitam aceitar-se o testemunho de que tenha ido até a dimensão celestial e lá experimentado sensações indescritíveis.
Certas pessoas, em situações variadas, se vêem na fronteira que separa a vida da morte, condição em que o desfecho fatal costuma ser inevitável; mas, em poucos eventos, o organismo se recompõe e o quase-morto retorna à vida normal. Dependendo do caso, alguns ficam com sequelas, outros parecem se recuperar plenamente. O que tem despertado a atenção é que alguns desses sobreviventes relatam ter tido visões aparentemente de natureza espiritual. Esse fato estimulou um grupo, não muito numeroso mas bem barulhento, a supor que tais visões sejam evidências da vida além e, mais, demonstrações de que é possível, a um vivo, viajar até a dimensão espiritual e de lá retornar com informações variadas. Para tais crentes, relatos como o do médico confirmariam inequivocamente essa realidade.
A vida é um bem frágil, mesmo pessoas saudáveis e jovens podem sofrer acidentes que os ponham à beira da morte. Escapar de morrer se deve a múltiplos fatores, desde a presta intervenção de médicos até reações espontâneas do organismo. Uma minoria desses declara ter tido visões grandiosas do céu, ter conversado com parentes mortos, transitado por túnel que conduzia para luz maravilhosa, e coisas do gênero. É essa pequena parcela que tumultua mentes sensíveis a relatos fantásticos, a ponto de haver quem declare que a “prova” da existência espiritual foi achada.
Ressalte-se que não basta o indivíduo escapar da morte para dele se dizer que teria passado por EQM (Experiência de Quase Morte – em inglês abrevia-se NDE: Near Death Experience), somente o reduzido contingente que afiança recordar sensações incomuns (quase sempre de cunho místico), havidas durante a crise, é agraciado com o título de experienciadores de quase-morte (também poderiam se chamados de “visitadores do além”).
Vários desses relatos, em vez de excursões às paisagens celestes, reportam que espíritos pulam para fora de seus corpos e se põem a observar o que ocorre no ambiente. Nessas ocorrências, uns garantem ter observado o que se fazia com seu corpo e até contemplado acontecimentos nas imediações. Este seria outro dos efeitos das quase-morte e, embora não seja trate de viagem até o céu, demonstraria que a consciência pode se desgrudar do corpo onde habita, confirmando a tese espiritualista de que a consciência seja extracerebral. Há casos em que as duas situações acontecem com o mesmo indivíduo: primeiro se vê fora do corpo, em seguida parte rumo ao reino de Deus. Assim, as EQM teriam dupla finalidade, ambas propícias a sepultar as postulações materialistas: 1) evidenciar que a vida além seja real e que eventualmente é possivel acessá-la; 2) demonstrar que a consciência independe do cérebro.
Também não podemos deixar de registrar certos eventos exóticos, notadamente de cegos que se recuperam após estarem no limiar da morte e ̶ para o pasmo dos que os ouvem ̶ afirmam ter enxergado um monte de coisas. O curioso é que não há nenhum caso registrado de surdo que volte a ouvir durante situações tais.
Duas indagações, no entanto, não podem deixar de ser feitas:
Teriam as pessoas (ao menos algumas), de fato, a capacidade de ir “em espírito” até o além e de lá retornar para contar o que viram?
A alma possuiria a propriedade de, sob certas condições, abandonar o corpo e a ele se reintegrar espontaneamente?
Na sequência examinaremos essas questões.
Os destaques feitos nos trechos ilustrativos (realces, negritos e sublinhados) são de minha responsabilidade.
Parte I
AS DIVERSAS SUPOSIÇÕES SOBRE AS EXPERIÊNCIAS DE QUASE MORTE
Médicos, esporadicamente, deparam com depoimentos pacientes, que se recuperam de situações de morte iminente, relatando visões e sensações de fundo místico*, dentre as quais se incluem as abaixo relacionadas:
- sentir-se fora do corpo;
- viajar para um dimensão espiritual;
- encontrar parentes e amigos mortos;
- conhecer o local;
- ser informado de que precisa voltar;
- despertar com a mente transformada, etc..
*as palavras “místico”, “misticismo” são neste artigo utilizadas sem conotação pejorativa, indicam que percepções aparentando vivências espirituais estão presentes em algumas situações de quase-morte.
Pode ser que exista um mundo espiritual nos esperando após deixarmos esta existência: muitos de nós almejamos que essa esperança se concretize. Por outro lado, circulam múltiplas concepções a respeito de como seria esse mundo. Alguns, embora acreditem, evitam arriscar descrevê-lo, devido a ausência de informações fidedignas sobre essa dimensão; outros, não se sabe como, se dizem habilitados a relatar pormenores do que lá ocorre.
O fato é que inexiste mecanismo conhecido capaz de incrementar a investigação do mundo espiritual, supondo-se que realmente exista. As descrições feitas por ditos iluminados refletem o desejo de que tal dimensão seja conforme o almejo de quem o descreve. Por outro lado, mesmo que muitos de nós comunguemos a esperança de uma existência vindoura, nem todos aceitamos com igual generosidade as “evidências” dessa vida futura que certas pessoas insistem em divulgar. Comunicações de supostos espíritos, visões místicas do além, materializações de desencarnados, etc., para alguns seriam demonstrações firmes da realidade desse porvir, e prova de que seus habitantes podem contatar os de cá. Por exemplo, no livro de Raymond Mood Jr., “Vida depois da Vida”, na introdução, se lê:
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“Nos últimos anos o Dr. Raymond Moody Jr. Conduziu um estudo envolvendo mais de uma centena de indivíduos que experimentaram a morte clínica e reviveram.
Os relatos de suas experiências são espantosamente semelhantes em seus detalhes e fornecem uma prova incontestável da sobrevivência do espírito humano depois da morte. Este livro vem confirmar o que nós temos pensado durante dois mil anos: que existe vida depois da morte!”
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O problema é que quando essas demonstrações são examinadas com mediano rigor eclodem muitos pontos discutíveis e fragilidades difíceis de serem esclarecidas.
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Em relação à vivências de quase-morte, encontramos pessoas de esmerada formação técnico-científica prolatando declarações típicas de desatentos, como “o paciente estava morto e voltou à vida”, alguns têm a meia-cautela de dizer “clinicamente morto”, outros nem isso. Essas afirmações, mesmo advindas de quem supostamente seja especialista em medicina ou outra especialidade, são assertivas calcadas em empolgação e deslumbramento, em vez de sadia avaliação do acontecimento.
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Uma alegação comum, visando demonstrar que o indivíduo estivera de fato morto, é a referência ao EEG (eletroencefalograma) horizontal (ou “zerado”), indicando a falta de atividade no cérebro (mais especificamente no neocórtex, a parte superior da massa encefálica). Ocorre que, a grande maioria dos pacientes que vivenciaram EQM não eram monitorados por EEG. Somente em cirurgias específicas, em que o aparelho já estava previamente ligado, é que há registros da espécie. Entretanto, os que alardeiam o eletro zerado, como “prova” da morte, dão a impressão de que em todos os casos de EQM a morte cerebral fora constatada.
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A grande encrenca nos testemunhos místicos de quase-morte é saber quando o sonho acontece. Para os que advogam a legitimidade das experiências espirituais, as visões ocorrem durante a cessação das atividades vitais, quando o paciente é dado por “clinicamente morto”, mas, até onde sei, nenhuma espécie de verificação se realiza intentando aferir o momento em que o sujeito está a sonhar. O que quero dizer é que as visões místicas podem acontecer antes do indivíduo adentrar na situação de morte iminente ou logo após dela retornar. Estas hipóteses, que nem de leve são cogitadas pelos apologistas das viagens ao além, enquanto não devidamente avaliadas e demonstradas inaplicáveis ao caso, põem por terra a validade das interpretações místicas. Sem contar que, mesmo que as visões constatadamente acontecessem durante o período crítico, tal não seria motivo suficiente para se concluir pela realidade de um aventura celestial.
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A intenção de certos pesquisadores é atestar que as experiências místicas aconteceram com pessoas mortas de verdade e que, por razões que só a espiritualidade explicaria, regressaram dessa condição, “religaram” seus corpos e voltaram à vida.
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É certo que nem todos os adeptos das hipóteses místicas defendem a morte do paciente seguida da revivificação, só os radicais pensam assim. Mesmo porque essa concepção é insustentável, nem mesmo no campo religioso se acha propostas da espécie. Embora diversas religiões admitam ocorrências milagrosas, em que defuntos revivam, essas seriam situações excepcionais, acontecidas mediante concessão especial do todo-poderoso. A regra, tanto no meio médico, quanto na esfera da religião, é: morreu está morto: ninguém retorna do outro mundo para narrar o que por lá viu. Isso nos lembra a parábola do rico e Lázaro, narrada na Bíblia, em Lucas 16: 19-31:
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“19 Ora, havia um homem rico que se vestia de púrpura e de linho finíssimo, e todos os dias se regalava esplendidamente.
20 Ao seu portão fora deitado um mendigo, chamado Lázaro, todo coberto de úlceras;
21 o qual desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico; e os próprios cães vinham lamber-lhe as úlceras.
22 Veio a morrer o mendigo, e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; morreu também o rico, e foi sepultado.
23 No inferno, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe a Abraão, e a Lázaro no seu seio.
24 E, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim, e envia-me Lázaro, para que molhe na água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama.
25 Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que em tua vida recebeste os teus bens, e Lázaro de igual modo os males; agora, porém, ele aqui é consolado, e tu atormentado.
26 E além disso, entre nós e vós está posto um grande abismo, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem os de lá passar para nós.
27 Disse ele então: Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai,
28 porque tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham eles também para este lugar de tormento.
29 Disse-lhe Abraão: Têm Moisés e os profetas; ouçam-nos.
30 Respondeu ele: Não! pai Abraão; mas, se alguém dentre os mortos for ter com eles, hão de se arrepender.
31 Abraão, porém, lhe disse: Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos.”
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Por outro lado, ainda que se admita não ter havido morte verdadeira nos que experienciam quase-morte, os adeptos da visão mística supõem que nas situações, em que a perspectiva de falência orgânica é intensa, talvez haja acesso temporário à dimensão espiritual. As evidências que amparariam essa suposição estão nos depoimentos de alguns que estiveram no limite entre a vida e a morte. São esses que alimentam criativo folclore sobre viagens ao mundo espiritual.
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Parte II
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A AVENTURA DE EBEN ALEXANDER
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(As ilustruções apresentadas, sem indicação da fonte, são todas extraídas do livro de Eben Alexander: “Uma Prova do Céu”)
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Antes de adentrarmos a avaliar o conteúdo do livro, necessário se faz noticiar que a obra não tem valor em termos de investigação científica. Apesar do autor usar sua credencial de neurocirurgião para defender a realidade do que diz ter vivenciado, não expõe nada que possa ser considerada legítima pesquisa. Há quem confunda opinião de cientista com trabalho científico: são coisas diferentes.
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Em realidade, “Uma Prova do Céu” é empreendimento meramente comercial: editoras investigam assuntos que possam render boas vendas e investem neles. Obras assinadas por pessoas que desfrutam prestígio nas áreas em que atuam dão “ar” de autenticidade ao que foi publicado, mesmo que os autores se pronunciem sobre temas que estejam fora de seu campo de conhecimento.
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Volta e meia aparecem escritores inspirados aparentando abraçar teses incomuns e as defendendo com habilidade. O leitor pouco crítico julga que estejam discorrendo sobre verdades incontestes. Podemos sem esforço lembrar exemplos recentes. Dan Brown, em seu livro “O Código Da Vinci” alcançou sucesso defendendo a exótica conjetura de que Jesus não morrera na cruz e vivera anonimamente casado com Maria Madalena, tudo embalado em romancezinho piegas, mas que agradou à multidão.
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Outro bom exemplo encontramos em Brian Weiss, o psiquiatra que supostamente aderiu à Terapia de Vidas Passadas, e produziu vários livros enaltecendo as qualidades dessa técnica. Weiss vendeu milhões de exemplares de livros que defendem fantasias como se fossem legítimos métodos de tratar transtornos mentais.
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A história contada por Eben Alexander alinha-se com essas citadas acima e outras do gênero. Em geral são obras pobres em conteúdo, e que não estão amparadas em pesquisas que fundamentem as ideias dos autores. Como há demanda para esse tipo de produção, as editoras, sem remorsos, alardeiam as “qualidades” desses escritos e colhem, mui satisfeitas, os lucros que proporcionam.
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Eben Alexander faz afirmações que não pode comprovar, nem como cientista nem como quem tivesse de fato experimentado o que diz ter vivido. As alegações incomprovadas partem de pressupostos assumidos pelo autor, um deles é o de que o conteúdo de seu sonho fora tão marcante que não poderia deixar de ser verdadeiro. É óbvio que esta é um assertiva inverificável.
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Outro desses pressupostos é o de que o cérebro do médico esteve “desligado” enquanto a experiência acontecia, o que demonstraria ser a mente apartada do cérebro. Parece ser coisa muito lógica: se a massa encefálica do autor ficara inativa e, mesmo assim, ele tinha plena consciência do que vivenciava, então é claro que a mente seja distinta do cérebro. Mesmo que a neurociência tenha demonstrado objetivamente que a maior parte dos aspectos mentais são cerebrais (restando esclarecer como é que o cérebro “produz” a consciência de segundo nível: o chamado problema difícil), o neurocirurgião abraçou a hipótese menos fundamentada e sobre ela construiu o enredo de sua aventura.
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Religiosos de várias vertentes julgam ser necessário que a consciência tenha origem não física para que suas aspirações metafísicas subsistam. Por isso empenham esforços mil em manter essa idealização válida. Se fosse demonstrado que a mente depende inteiramente do cérebro acreditam que seria o fim da esperança de uma vida pós-morte. Porém, o receio não tem justificativa. Mesmo que tudo no ente humano seja explicável materialmente não ficaria descartado que existisse parcela espiritual nos viventes, a qual se tornaria ”ativa” após o indivíduo deixar a presente existência.
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Outro dogma adotado por Eben Alexander é o de que a excursão celestial ocorrera durante o “desligamento” de seu cérebro, quer dizer: no período em que esteve no coma. A seguir veremos como o médico relata os acontecimentos que antecedederam sua internação (os comentários [entre colchetes], são de minha autoria):
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“Por um momento, apenas fiquei imóvel, tentando compreender o que havia me despertado. O dia anterior, um domingo, tinha sido claro e ensolarado, um pouquinho seco, um clima típico do final de outono na Virgínia. Holley, Bond (na época com 10 anos) e eu tínhamos ido a um churrasco na casa de um vizinho. À noite, falamos ao telefone com nosso filho Eben IV (então, com 20 anos), que era calouro na Universidade de Delaware. A única coisa que atrapalhou aquele dia foram os sintomas da virose que Holley, Bond e eu havíamos pegado na semana anterior. À noite, pouco antes de ir para cama, comecei a ter dor nas costas. Tomei um banho rápido e senti um pouco de alívio. Eu ponderava se havia acordado tão cedo por causa do vírus que ainda castigava o meu corpo.
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Quando me mexi de leve na cama, uma onda de dor atingiu minha espinha – muito mais intensamente do que na noite anterior. Com certeza o vírus da gripe ainda estava por ali, imaginei. Quanto mais eu despertava, mais forte a dor se tornava. Como não conseguia pegar no sono de novo e ainda tinha uma hora antes de meu dia começar, resolvi tomar outro banho morno. Eu me sentei na cama, firmei os pés no chão e levantei. [vírus da gripe provocando onda de dor na espinha?]
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Imediatamente a dor ricocheteou com novos golpes – agora com um pulsar apavorante que penetrava até a base da coluna. Deixei Holley dormindo e caminhei devagar pelo corredor até o banheiro principal, no andar de cima.
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Abri a torneira e me acomodei na banheira, absolutamente convicto de que a água morna me faria bem. Engano meu. Quando a banheira já estava quase cheia descobri que havia cometido um erro. A dor não apenas piorou, mas ficou tão forte que achei que fosse precisar gritar para Holley me ajudar a sair dali.
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Pensando em como aquela situação tinha ficado ridícula, me estiquei e peguei a toalha que estava pendurada em uma barra de metal preso à parede logo acima de mim. Posicionei a toalha de um jeito que fizesse uma alavanca com a barra e, com cuidado, usei-a como apoio para me erguer lentamente.
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Outra pontada lancinante atingiu minhas costas com tanta intensidade que perdi o ar. Definitivamente, aquilo não era gripe. Mas o que poderia ser? Depois de lutar para sair da banheira escorregadia e colocar o roupão, refiz com cuidado o trajeto de volta para o quarto no andar de baixo. Meu corpo estava molhado de novo, só que agora de suor frio.
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Holley se mexeu na cama e se virou para o meu lado.
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– O que está acontecendo? Que horas são?
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– Eu não sei – respondi. – Minhas costas... Estou com uma dor terrível.
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Holley começou a massagear minhas costas. Para minha surpresa, isso fez com que eu me sentisse melhor. Médicos, em sua maioria, não acham a menor graça em ficar doente, e eu não era uma exceção. Por um momento, acreditei que a dor – e o que quer que a estivesse causando – enfim começaria a ceder. Mas, às seis e meia, a hora em que em geral saio de casa, eu ainda estava sofrendo e praticamente paralisado.
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Bond veio até nosso quarto uma hora depois, para saber por que eu ainda estava em casa.
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– O que houve? – perguntou ele.
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– Seu pai não está se sentindo bem, querido – respondeu Holley.
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Permaneci na cama com a cabeça apoiada no travesseiro. Bond se aproximou e começou a fazer massagem nas minhas têmporas delicadamente. No entanto, o seu toque produziu uma dor ainda pior, como se um raio estivesse atravessando minha cabeça. Soltei um grito. Surpreso com minha reação, meu filho deu um salto para trás.
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– Está tudo bem – disse Holley, embora soubesse que era mentira. – Você não fez nada. Seu pai está com uma dor de cabeça muito forte.
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Depois eu a ouvi dizer, mais para si mesma do que para mim:
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– Será que devo chamar uma ambulância?
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Se há algo que os médicos detestam mais do que ficar doente é entrar numa emergência de hospital como paciente. Imaginei a minha casa cheia de paramédicos, a sequência de perguntas de rotina, o percurso até o hospital, os formulários... Por um momento, pensei que começaria a melhorar em breve e que me arrependeria de chamar uma ambulância.
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– Está tudo bem. Posso estar mal agora, mas logo vou melhorar – eu disse para Holley. – Você deveria ajudar Bond a se arrumar para o colégio.
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– Eben, realmente acho...
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– Eu vou ficar bem – insisti, com a cabeça afundada no travesseiro, ainda paralisado pela dor. – Falando sério, não precisa chamar a ambulância. Não estou tão mal assim. É só um espasmo na lombar e uma dor de cabeça. [supõe-se que um neurocirurgião, àquela altura, já teria estimado a gravidade da situação]
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Com relutância, Holley levou Bond para o andar de baixo, serviu-lhe o café da manhã e o acompanhou até a casa de um amigo que o levaria de carona para o colégio. Quando ele se aproximou da porta da frente, me dei conta de que, se fosse alguma coisa séria e eu acabasse no hospital, não o veria depois da escola naquela tarde. Então reuni todas as forças e gritei:
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– Boa aula, filho!
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Quando Holley retornou ao quarto para me ver, eu estava inconsciente. Pensando que eu tinha adormecido, ela me deixou descansar e desceu a fim de telefonar para alguns colegas meus, em busca de opiniões sobre o que poderia estar acontecendo.
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Duas horas mais tarde, imaginando que já tinha me deixado descansar o bastante, ela voltou para ver como eu estava. Ao empurrar a porta do quarto, Holley me viu prostrado na cama na mesma posição. Resolveu checar mais de perto e reparou que meu corpo não estava relaxado como deveria, mas estava rígido como uma tábua. Ela acendeu a luz e viu que eu havia me mexido violentamente. A mandíbula estava projetada para a frente de maneira anormal e meus olhos estavam abertos e com as órbitas viradas para cima.
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– Eben, diga alguma coisa! – gritou Holley.
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Como não respondi, ela correu para chamar a ambulância, que demorou menos de 10 minutos para chegar. Os paramédicos me levaram imediatamente para a emergência do Hospital Geral de Lynchburg.
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Se eu estivesse consciente, poderia ter dito a Holley o que havia acontecido ali na cama: uma crise convulsiva, sem dúvida provocada por algum tipo de comoção cerebral extremamente grave.
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Mas, é claro, não fui capaz de dizer nada disso.
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Pelos sete dias seguintes eu estaria presente na vida de Holley e do restante da família apenas em corpo. Não tenho nenhuma lembrança deste mundo durante aquela semana, e tive de colher informações com as outras pessoas para compor a história do que me aconteceu enquanto estive inconsciente. Minha mente, meu espírito, ou como quer que se chame a parte humana de mim, havia desaparecido.”
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Neste ponto já podemos dar por estabelecido que a “prova” do céu que Eben Alexander diz ter encontrado não possui base objetiva que a sustente. Continuaremos a examinar o testemunho do médico mas podemos ter por assentado a fragilidade do material. Resumindo, a alegação de Alexander está firmada nas seguintes propostas assumidas apriori pelo neurocirurgião:
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1. a experiência foi intensamente vívida, portanto só pode ter sido real;
2. o neocórtex esteve “desligado” durante o coma, em consequência, a mente independe do cérebro e é capaz de desligar-se do corpo e viajar até o mundo espiritual;
3. a visão mística aconteceu durante os dias que o paciente esteve inconsciente;
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Não é demais lembrar que nenhuma das proposições defendidas pelo médico é fiscalizável por qualquer forma conhecida de experimentação e todas podem ser explicados psicologicamente.
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Vamos ver que melhores explicações existem para as alegações de Eben Alexander.
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ALEGAÇÃO1: a experiência foi profundamente clara, portanto só pode ter sido real
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EBEN ALEXANDER: “Eu estava voando. Passei por árvores e campos, rios e cachoeiras, e avistei pessoas aqui e ali. Também havia crianças rindo e brincando. Todos cantavam e dançavam em círculos, e vi até cachorros correndo e saltando entre elas, igualmente tomados de alegria. As pessoas vestiam roupas simples, mas bonitas, e tive a impressão de que as cores dessas vestimentas tinham o mesmo tom vívido das árvores e das flores que desabrochavam e encantavam todo o campo ao redor.
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Um mundo de sonhos belo e incrível...
Só que não era um sonho. Embora não soubesse onde me encontrava e nem mesmo o que era aquilo tudo, eu estava convicto de uma coisa: esse lugar em que de repente me vi era completamente real.
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O traje da menina era modesto, mas seu colorido – azul-anil e laranja – tinha a mesma energia deslumbrante de todo o resto. Ela olhou para mim de um jeito arrebatador. Não era um olhar romântico. Tampouco um olhar de amizade. Era um olhar que estava muito além disso... além de qualquer tipo de amor que temos aqui na Terra. Era algo mais elevado, que trazia em si todos esses amores, porém mais verdadeiro e puro que qualquer um deles.
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Sem usar palavras, ela falou comigo. Sua mensagem me atingiu como um vento, e compreendi imediatamente que ela era verdadeira. Eu soube disso da mesma maneira que sabia que o mundo à minha volta era real – e não uma fantasia fugaz e delirante.
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Eu não tinha um corpo – nenhum de que me lembrasse de alguma maneira. Eu apenas estava... lá, naquele lugar de escuridão massacrante e pulsante.”
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ALEGAÇÃO2: o neocórtex esteve “desligado” durante o coma, em consequência, a mente independe do cérebro e é capaz de viajar até o mundo espiritual
[faltam as ilustrações]
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ALEGAÇÃO3: a visão mística aconteceu durante os dias que o paciente esteve inconsciente
[faltam as ilustrações]
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Ainda se pode destacar uma quarta alegação: a de que fora escolhido por Deus, ou por algum de seus ministros, para experienciar a realidade celeste e voltar ao mundo com a missão de divulgar essa realidade.
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EBEN ALEXANDER: “Mas as pessoas que não são da área médica não têm obrigação de saber de nada disso. Se o que eu passei tivesse acontecido com qualquer outro teria sido impressionante. Mas aconteceu comigo... E acreditar que havia acontecido “por um motivo” me causava inquietação. Ainda havia um pouco do velho médico em mim para saber que isso soava estranho. Quando, porém, mergulhei nos detalhes – e principalmente quando considerei que a meningite causada por E. coli era a enfermidade perfeita para aniquilar meu córtex e avaliei minha rápida recuperação de um estrago total quase certo –, tive que levar a sério a possibilidade de que aquilo realmente tinha acontecido comigo por alguma razão.
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Isso só me fez sentir uma responsabilidade maior por contar a história direito.”
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Eben Alexander, na idealização do próprio, não é mais um que experimentara a quase-morte, quais dizem que existem milhões por aí. Ele se apresenta como profeta de uma nova era, a de que céu e inferno são realidades testemunhadas por um ente vivo. Embora seja isso que boa parte das religiões apregoam, ou seja: que os justos vão para um local e gozo e os maus se danarão em chamas eternas, e milhões aceitam, mesmo assim, e não se sabe bem porque (Alexander não explica), o médico foi selecionado para depor como legítimo presenciador dos fatos: autêntica missão messiânica. Isso significa, dentre outras coisa, que fica anulada a declaração de Jesus a Nicodemos, asseverando que ninguém subira ao céu a não ser aquele que de lá descera, isto é, o próprio Jesus.
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“Na verdade, na verdade te digo que nós dizemos o que sabemos, e testificamos o que vimos; e não aceitais o nosso testemunho.
Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como crereis, se vos falar das celestiais?
Ora, ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do homem, que está no céu.” (João 3:11-13)