Jornalistas declaram a falência da guerra às drogas e defendem legalização na Flip Ioan Grilloe Diego Osornoformaramamesa que substituiu o encontro com o italiano Roberto Saviano, que enviou um vídeo explicando sua situação
PARATY — A legalização das drogas e a falência do atual modelo de combate ao tráfico foram os dois pontos principais da mesa “Jornalismo de guerrilha”, que reuniu os jornalistas Ioan Grillo, britânico, e Diego Osorno, mexicano, com mediação de Paula Miraglia. O debate substituiu o encontro com o jornalista italiano Roberto Saviano, que na segunda-feira cancelou a vinda à Flip por questões de segurança.O trecho de um vídeo gravado por Saviano foi exibido antes da mesa. Ele explicou que está sempre sujeito a mudanças de última hora na sua vida e que sua ida recente a Casal di Principe,
a cidade sede da máfia napolitana Camorra, exigiu um aumento das suas restrições de deslocamento. O vídeo completo será exibido neste domingo na sessão “Mesa de
cabeceira”.
Grillo e Osorno trabalham no México, onde a guerra envolvendo o governo e os cartéis deixam um rastro de violações de direitos humanos das quais o sumiço de 43 estudantes no estado de Guerrero, no ano passado, é a face mais visível. Os dois afirmaram que o crime organizado no país opera como empresas capitalistas extremamente violentas, inclusive contra as comunidades onde estão baseadas.
A promiscuidade entre policiais, políticos, empresários e narcotraficantes é enorme, o que dificulta o trabalho jornalístico.Dois anos após começar a atuar, Osorno foi obrigado a deixar o país por questões de segurança.
— Tinha 20 anos, vi a primeira mudança de governo no México depois de um século. Com esse furor, me sentia Bob Woodward (jornalista do caso “Watergate”) investigando questões políticas e econômicas. Mas no meu país, quando se faz isso, sempre se chega no crime organizado.
Fui obrigado a deixar o México quando cheguei num governador e num chefe de cartel. É um problema estrutural — afirmou o jornalista mexicano. — As drogas não são uma questão policial, são uma questão de economia, saúde e política. Eu vivo no país vizinho dos Estados Unidos, o maior consumidor mundial de cocaína. Se os Estados Unidos ficar uma semana sem abastecimento de cocaína, que vem do México, será um problema de segurança nacional. Há um estudo do Departamento de Defesa sobre isso.
Osorno aponta que o modelo de guerra às drogas, em vigor há 40 anos, já se esgotou. Ele ressaltou que o México, a Colômbia e os países da América Central não têm uma política própria para o tema,
apenas seguem as instruções determinadas pelos Estados Unidos. O jornalista chama atenção de que as práticas defendidas pelos EUA no exterior
não são utilizadas internamente. — México e Colômbia são obrigados a colocar barreiras nas estradas e hoje as pessoas acham normal seus carros serem revistados por militares. Nos Estados Unidos não fazem isso. A droga sai do Texas e vai para Nova York por quilômetros de estradas e ninguém revista nada. É um absurdo. No nível internacional, esta mentalidade está mudando. Fernando Henrique Cardoso é um ator chave nessa virada global. Em abril do próximo ano, a assembleia geral da ONU vai discutir a descriminalização da maconha e da cocaína, há uma equipe de especialistas revendo os modelos implantados em Portugal, na Holanda e no Uruguai. É um passo importante.
Grillo, autor do livro “El Narco”, inédito no Brasil, comentou sobre a brutalidade das ações dos cartéis mexicanos e a busca por visibilidade dessas ações. O britânico contou que os grupos criminosos praticam atos bárbaros como decapitação e esquartejamento, além de colocar fogo nos corpos para não deixar vestígios.
— Até 2004, a decapitação não era utilizada pelos cartéis. Foi a partir da exibição de vídeos da Al-Qaeda na TV mexicana que começaram a fazer isso.
É uma forma de incutir medo da população. Há também a informação de que seria uma prática introduzida por ex-combatentes das forças especiais da Guatemala.
Há um uso público da tática do terror. Entrevistei responsáveis por alguns desses atos e nenhum deles parecia desequilibrado. Eles são recrutados muito jovens e, na sua mente distorcida, se veem como soldados executando ordens superiores.
https://oglobo.globo.com/cultura/livros/jornalistas-declaram-falencia-da-guerra-as-drogas-defendem-legalizacao-na-flip-16667192